Zacarias Mourão, o compositor que atraiu holofotes para MS com "Pé de Cedro"
Levando em conta músicas como "Ai seu te pego", "Eu quero tchu, eu quero tcha", “Eu vou pegar você e tãe", “Lê, lê, lê” e “Bara Bará Bere Berê”, quem hoje, diante do mercado e da explosão cada vez mais constante de novos estilos, deixaria de lado os "chicletes" e se atreveria a fazer uma canção falando de uma árvore?
Difícil acreditar que a idéia daria certo em uma época onde grande parte das composições - de rima fácil e conteúdo duvidoso -, conquistam, com facilidade incrível, o topo das paradas de sucesso. Ainda bem que foi há meio século.
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Com 53 anos de história, "Pé de Cedro", música escrita pelo coxinense Zacarias Mourão, colocou Mato Grosso no mapa musical do País, antes mesmo da criação do Estado. A inspiração, como o nome sugere, veio de uma árvore, mas isso não foi motivo para que a canção ficasse na gaveta, pelo contrário. O sucesso veio rápido e se espalhou Brasil afora.
Hoje, a música é uma das mais importantes e representativas de Mato Grosso do Sul, não apenas pela árvore que se tornou a grande paixão do menino Tió, como o compositor era chamado na infância, mas pelo valor histórico-cultural que representa.
A canção de Zacarias é simples, mas foi pela simplicidade que ele, um homem interiorano, conseguiu levar, pela primeira vez, o nome do Estado para fora, no final da década de 50. Os holofotes se voltaram para o antigo Mato Grosso.
Naquela época, Tió já estava morando em São Paulo, onde havia iniciado carreira no DER (Departamento de Rodagem), como operador de máquina. Paralelamente à atividade, mexia com produção artística.
Em 1959, durante uma visita a Coxim e ao pé de cedro que plantara aos 11 anos, Zacarias escreveu a canção que viria a ser reconhecida como seu principal trabalho. Na capital paulista, ele pediu a Goiá, um amigo compositor, que musicasse a letra.
A canção do arbusto que ramificou e virou árvore estourou com a dupla Tibagi e Miltinho, na década de 60. A partir daí, Zacarias passou a ser visto com outros olhos.
Esperto como era, aproveitou para divulgar o Estado e a cidade de onde viera: Coxim, aquele "pedaço do céu", como costumava dizer. Com o talento e a lábia, acabou incentivando e lançando ao Brasil novos cantores sul-mato-grossenses, como a dupla Amambay e Amambai e Dino Rocha. Com isso, tornou-se símbolo da expansão cultural do município.
Em 1975, 16 anos depois de ser musicada, a canção voltou ao topo com Sérgio Reis. Em entrevista concedida para o documentário "Um pedaço do Céu", produzido pelos jornalistas Douglas Queiroz, Hugo Crippa e Karla Lyara, em 2010, o cantor falou sobre a gravação que entrou para o primeiro LP de músicas sertanejas de sua carreira.
"Eu peguei uma música de cada Estado, de cada região, e o Pé de Cedro foi para Mato Grosso, Chalana foi para fronteira, Chico Mineiro para Minas Gerais e assim foi feito. O Zacarias era um amigo, um irmão que eu tive. Sou amigo da família, eu vi as crianças dele crescerem. Falar dele bate muita saudade", diz.
O poeta Geraldo Mochi, que conheceu o compositor, lembra no documentário que Zacarias divulgava a cidade e conseguia levar artistas para conhecer o município.
“O sonho dele era levar a música da fronteira, a polca paraguaia, o chamamé, o rasqueado. Ele queria introduzir essa música nossa, da região, lá em São Paulo. Conversando com o Zacarias eu falei: Como que é esse Mato Grosso, essa Coxim, sua cidade? Ele falou: Olha, moço, Coxim é um pedaço do céu na terra”, lembra.
História - No livro “Os Pioneiros – A origem da música sertaneja em Mato Grosso do Sul”, do jornalista Rodrigo Teixeira, Ligia Mourão, filha do compositor, relembra a história que teve início há 73 anos, em 1939.
Com 11 anos, Tió, acompanhado de Padre Chico - com quem se tornou coroinha, encontrou um arbusto de pé de cedro na beira do rio Coxim, durante uma das várias caçadas que realizava na companhia do sacerdote.
O menino resolveu que iria contribuir para arborização da cidade e acabou plantando a árvore. Anos mais tarde, a atitude ecológica teve uma justificativa mais filosófica, como ele mesmo explicou à filha.
"Teve um sentido porque ele havia conversado sobre Deus, sobre natureza... Ele queria arborizar do jeito que era o lugar mesmo. [...] Uma vez perguntei: Porque o senhor plantou um pé de cedro? Ele respondeu que queria saber sobre a vida e que plantou o amor".
Zacarias queria ver a árvore vingar. Seria o resultado do amor que plantara. E o pé de cedro, como era esperado, cresceu. "Antes de conhecer Goiá papai voltou a Coxim para matar a saudade. Ele queria ver o pé de cedro. Quando chegou, abraçou o tronco e chorou. Foi quando escreveu a letra", disse Ligia Mourão.
Mate a saudade da música:
Breve Biografia - Zacarias dos Santos Mourão, o Zacarias Mourão, nasceu em 1928, em Coxim, município distante 260 quilômetros de Campo Grande. Passou a infância na igreja, onde se tornou coroinha ao lado de Padre Chico, que o apelidou de Tió, nome de um pássaro danado.
Aos 15 anos, o menino decidiu ser padre e mudou-se para Campo Grande, onde fez dois anos de seminário, mas percebeu que não tinha vocação para o sacerdócio e resolveu deixar de lado a batina.
Na Capital, Zacarias entrou para a Aeronáutica e depois, aos 21 anos, foi estudar em Petrópolis (RJ), mas a vida por lá não agradou. O rapaz passava a maior parte do tempo trancado em um quarto, escrevendo sobre Coxim.
Resolveu morar em São Paulo, onde entrou para o DER (Departamento de Rodagem) – responsável pela construção, manutenção de vigilância das estradas - como operador de máquina. Fez carreira até sair como Policial Rodoviário Federal.
Em 1959, aos 31 anos, Zacarias retorna à cidade sul-mato-grossense, visita o pé de cedro que havia plantado quando criança, conversa com Padre Chico e volta à Capital paulista com a letra da música - sobre a árvore - já escrita. Foi quando pediu a Goiá, outro compositor, que musicasse a canção que viria a marcar sua carreira.
No período em que trabalhou no Departamento de Rodagem, o compositor continuou mexendo com produções artísticas e cursou jornalismo pela Cásper Líbero.
O Zacarias radialista, produtor, empresário, diretor de gravadora e compositor começa a surgir nesta época, no rádio, quando ele venceu um concurso de poesia na Rádio Bandeirantes e ganhou um programa para fazer.
"Papai saia da polícia rodoviária e ia fazer os programas de rádio. Ele fazia de tudo. Também foi diretor da gravadora Phillips e PolyGram e companheiro do Miguel, dono da gravadora CID", contou a filha, em entrevista concedida a Rodrigo Teixeira.
A rotina do coxinense era agitada. Além de comandar o programa de rádio, ele era colaborador de revistas em São Paulo. Em uma delas, na “Moda e Viola”, assinava a coluna “Venenos do Zacarias”, onde retratava, com humor, o mundo artístico da época.
Morte - A vida de Zacarias Mourão foi interrompida na madrugada de uma terça-feira, em 23 de maio de 1989, há 23 anos. O compositor, na época com 61 anos, foi encontrado morto dentro da casa que residia, localizada no Jardim TV Morena, em Campo Grande.
Ele recebeu uma facada na altura do coração, chegou a ser socorrido, mas não resistiu aos ferimentos e morreu durante uma cirurgia de emergência. O assassinato, até hoje, não foi esclarecido.
Pé de cedro – Em novembro de 2006, um tronco do pé de cedro plantado por Zacarias caiu por causa de uma tempestade. Os galhos foram recolhidos pela Prefeitura e encaminhado o parque temático da cidade, localizado na Avenida Mário Lima Nantes. A retirada fez parte da programação do aniversário de Coxim.