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Comportamento

Alegria de Osvaldo continua após a morte, no preparo da sopa que acolhe famílias

Sopa entregue em um dos bairros mais pobres da cidade foi ideia de quem lutou para diminuir a diferença no mundo.

Thailla Torres | 21/10/2018 08:06
Voluntários levantam cedo para o preparo da sopa que é distribuída toda quarta-feira. (Foto: Simão Nogueira)
Voluntários levantam cedo para o preparo da sopa que é distribuída toda quarta-feira. (Foto: Simão Nogueira)

Há sete anos, Osvaldo Sozza Matias vestiu a camisa da solidariedade e tentou de um jeito simples diminuir a diferença no mundo, ou pelo menos, um pouco da miséria em uma das regiões mais pobres da cidade, no Dom Antônio Barbosa. Foram cinco de anos de luta fazendo sopa toda semana para distribuir aos moradores, sem nunca se deixar abater pelas dificuldades, até nos últimos dias de vida. Dois anos depois de sua morte, o sorriso de Osvaldo continua, na sopa que começa cedo e na alegria de quem aprendeu com um amigo que um ato de amor não tem preço.

“Era um homem de bem com a vida, mas que lutava pela paz porque sabia que muita gente ainda precisava dela”, conta o voluntário Wilson Marques, uma das pessoas que toda quarta-feira levanta às 4h da madrugada para ir até o Ceasa comprar verduras para fazer a sopa criada por Osvaldo.

Osvaldo e Vovó Calorina, sua inspiração para a entrega da sopa em Campo Grande. (Foto: Simão Nogueira)
Osvaldo e Vovó Calorina, sua inspiração para a entrega da sopa em Campo Grande. (Foto: Simão Nogueira)

Amigo de longa data e voluntário que também luta para dar continuidade ao projeto, Wilson não segura o sorriso toda vez que encontra amigos, no espaço Casa da Sopa Vovó Carolina, prontos para descascar os legumes. “Todas essas pessoas dedicam um tempo do seu trabalho, do seu dia e da missão em família para estarem conosco. É um trabalho feito com carinho que alimenta e abre portas para a gente realizar um trabalho muito maior”, explica Wilson.

Com batata, cenoura, mandioca, chuchu, repolho, macarrão e um tempero caseiro, a sopa é preparada durante horas. Depois de comprar mais de 50 kg de ingredientes, Wilson e os demais voluntários se dedicam a descascar, lavar e picar todas as verduras.

O trabalho na casa começou há sete anos pelas mãos de Osvaldo, que veio do Paraná e tomou a iniciativa de começar um projeto social inspirado nos seus pais. Tudo que passou a desenvolver foi herança de humanidade e amor deixada por sua mãe, vovó Carolina, que acabou dando nome a inciativa.

Maria de Lourdes é voluntária no preparo dese 2014. (Foto: Simão Nogueira)
Maria de Lourdes é voluntária no preparo dese 2014. (Foto: Simão Nogueira)
Dos legumes aos temperos, tudo é feito com muito carinho. (Foto: Simão Nogueira)
Dos legumes aos temperos, tudo é feito com muito carinho. (Foto: Simão Nogueira)

“Com tempo ele foi ajudando inúmeras famílias, conquistando voluntários e segui isso sozinho, custeando tudo do próprio bolso e com ajuda dos voluntários que sempre fizeram doações”.

O trabalho duro sempre começou cedo, mas para Osvaldo nunca foi uma obrigação. “Ele fazia isso daqui com muito amor”, completa o amigo.

A economista Maria de Lourdes, de 64 anos, lembra que Osvaldo era do tipo que não sabia mandar, mas tinha um jeito de ensinar como ninguém. “Ele pegava a faca e ia cortando rápido, acelerando o trabalho, ajeitando as verduras. Com ele não tinha tempo ruim”.

Ela é uma das voluntárias que sai da Vila Sobrinho toda quarta-feira e vai até o Bairro Dom Antônio Barbosa preparar a sopa. A rotina é a mesma desde 2014 quando passou a marcar presença no projeto. “Foi logo que eu me aposentei, antes disso eu vivia para cuidar o dinheiro dos outros e só conseguia ajudar o Osvaldo financeiramente. Mas quando me aposentei, resolvi ficar aqui toda quarta-feira”.

Os olhinhos brilham ao lembrar-se do amigo que se foi, mas deixou a ela e outras voluntárias apenas um pedido. “Que a gente não acabasse com a sopa. Por isso, fizemos questão de continuar”.

O militar aposentado Lamirio se dedica ao projeto há três meses. (Foto: Simão Nogueira)
O militar aposentado Lamirio se dedica ao projeto há três meses. (Foto: Simão Nogueira)

Mãe de sete filhos e avós de nove, dona Maria Caetano, de 63 anos, foi uma das primeiras a entrar no projeto com Osvaldo assim que descobriu um problema de saúde. “Depois de anos trabalhando como empregada doméstica apareceu os problemas de saúde, mas eu não conseguia ficar parada e ganhei amor nisso daqui”.

Com ajuda dos amigos ela fica responsável de descascar a mandioca e no fim do dia ela ainda ajuda na entrega. “É muito gratificante, aquele sorriso não tem nada que pague”.

Voluntário na AACC durante quatro anos, agora Lamirio Alvez Vilela, de 72 anos, militar aposentado, está no projeto há dois meses. E desde que entrou ele não se esquece da cena de uma criança com a panela de sopa quente na mão, feliz pelo alimento. “Ela saiu toda feliz para uma casa que ainda não tem teto, só lona”, diz se referindo as residências na área da antiga favela Cidade de Deus que até hoje não foram concluídas.

“Eu confesso que quando eu vi aquela cena fiquei pensando em todas as aqueles pessoas, em tudo que foi prometido e até hoje não foi cumprido. É um sentimento muito triste e por isso ainda não consigo ficar na hora da entrega”.

Seu Wilson é um grande amigo de Osvaldo que também deu continuidade ao projeto. (Foto: Simão Nogueira)
Seu Wilson é um grande amigo de Osvaldo que também deu continuidade ao projeto. (Foto: Simão Nogueira)

Em razão disso, ele levanta cedo toda quarta-feira e vai até a casa colaborar de maneira voluntária. Descasca mandioca, ajuda na limpeza necessária e fica até o último minuto da oração que o faz voltar mais leve para a casa. “Eu sei que para muito parece pouco, mas eu faço de coração, é a resposta desse trabalho está no sorriso daquelas famílias e na chance que os voluntários têm de se aproximar e levar uma palavra de sabedoria a eles”.

Para Wilson, o que Osvaldo deixou vai além de alimentar famílias. “Nossa finalidade não é só levar comida às pessoas, é também fazer uma diferença na vida delas, lutando por saúde, educação, cidadania, na esperança de mudar um pouco o panorama de dificuldade em uma das regiões mais esquecidas”.

Mas para diminuir essa diferença que muita gente ainda não consegue enxergar, ele não tem dúvidas que sopa foi e sempre será fundamental. “Para uma comunidade como essa que enfrenta diariamente muitas dificuldades, não é impondo ou ordenando que a conquista. É preciso aparecer no cenário e demonstrar para o que veio e a sopa tem estreitado esses laços. Hoje conseguimos comemorar muitas vitórias”, finaliza.

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Grupo durante entrega da sopa no bairro Dom Antônio Barbosa.
Grupo durante entrega da sopa no bairro Dom Antônio Barbosa.
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