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Comportamento

Barbeiro há 47 anos, Lázaro tem cliente esperando na porta às 5h30 da manhã

Só na rua sete de Setembro são quase cinco décadas fazendo barba e cortando o cabelo da freguesia

Wendy Tonhati | 18/02/2019 07:38
Lázaro atende clientes que chegam antes das 6 horas (Foto: Henrique Kawaminami)
Lázaro atende clientes que chegam antes das 6 horas (Foto: Henrique Kawaminami)

As lojas do Centro de Campo Grande costumam abrir por volta das 7 ou 8 horas da manhã, mas na rua Sete de Setembro há um lugar onde os clientes madrugam. No número 496, entre a 13 de Maio e a 14 de Julho, se passar antes das 6 horas, já é possível achar alguém esperando por Lázaro, barbeiro com quase 50 anos de profissão.

“São 22, quase 23, anos só nessa porta”, diz Lázaro Dias Garcia, que aos 67 anos de idade está há 47 na rua Sete de Setembro. Ele passou 24 anos trabalhando no Salão Bicudo’s, que funcionava na esquina com a Rui Barbosa, onde atualmente, é uma loja de bicicletas. Depois mudou para a quadra de baixo, ainda na 7 de Setembro. Em 1996, ele decidiu abrir a sua própria barbearia e escolheu continuar na mesma rua.

“Eu tenho uns clientes que chegam antes das 6 horas. Porque eu tenho aqui um tradicional cafezinho. Os vizinhos e o pessoal vêm tomar, porque eu sou um tomador de café e sei fazer um bom café. Tem dia de eu chego e o cliente está esperando na porta. Hoje mesmo, não eram 6 horas e eu estava cortando cabelo”.

Lázaro chega cedo para fazer para cliente, amigos e cuidar das plantas (Foto: Henrique Kawaminami)
Lázaro chega cedo para fazer para cliente, amigos e cuidar das plantas (Foto: Henrique Kawaminami)

O barbeiro conta que o cliente de hoje, um gerente de concessionária automotiva, chegou antes das 6 horas. “O que ele [o cliente] me falou foi que ele já tinha feito mercado, no 24 horas, e veio aqui. Ele disse que a mulher falou assim: você vai incomodar o Lázaro essa hora? E ele respondeu que essa hora eu já estava aqui. É sempre assim, antes das 7 horas eu já cortei cabelo”. Também clientes, que segundo o barbeiro, chegam logo cedo para conseguir estacionar sem problemas na rua Sete de Setembro.

Lázaro é madrugador desde sempre. Quando era bem novinho, morava na zona rural e acordava cedo para trabalhar com leiteria. Aos 19, entrou no quartel e manteve a rotina de levantar às 6 horas, quando é tocada a Alvorada. Assim, ele seguiu a vida inteira madrugando. “Levantava de madrugada para tirar leite e estou assim até hoje”. Para dar conta, ele dorme cedo. “A minha filha reclama a quando tem um aniversário e eu não vou mais. Essa noite ela foi a um evento e voltou 1h. Fiquei acordado”.

Foi no quartel que começou a carreira de barbeiro. Por lá, ele passou dois anos cortando o cabelo dos soldados. “De 71 a 72 era barbeiro no quartel e cortava o cabelo dos soldados da minha bateria. Na época da ditadura militar, o cabelo dos soldados era raspado quatro dedos e tinha que seguir isso. Saí [do quartel] e vim aqui para a Sete, me aperfeiçoei como profissional e estou aqui até hoje. É cabelo e barba. Nunca saí disso”.

Além de Lázaro, salão tem mais dois barbeiros (Foto: Henrique Kawaminami)
Além de Lázaro, salão tem mais dois barbeiros (Foto: Henrique Kawaminami)

O Salão Bicudo’s, onde trabalhou, atendia mulheres, mas Lázaro sempre permaneceu como barbeiro. Quando abriu o negócio próprio, fez um salão que atendia homens e mulheres, mas, não deu muito certo e ele preferiu ficar com o atendimento masculino. “Eu sou muito bom para trabalhar, mas não de administrar. Cheguei a ter três meninas aqui e mais os dois rapazes. Tinha um unissex ali [no vidro da fachada], mas até cortei, porque não tem mais as mocinhas [as cabeleireiras]. Tinha clientes, mas não teve bom resultado não. Só ficaram as amizades”.

Quando chegou à Sete de Setembro, em 1972, as coisas eram bem diferentes. Lázaro diz que quem trabalhava por ali, “assistia” em dia de chuva os carros atolarem na subida. “Onde é o ginásio da Mace tinha garças, era tudo água e a gente via as garças chegando e levantando. Da Rui Barbosa para lá, era tudo pedra, não tinha asfalto na Sete de Setembro para lá".

Mudanças – Lázaro resiste em um ofício que já esteve meio esquecido e que nos últimos anos, voltou à moda. Ele conta que, no começo, os clientes eram da área rural e profissionais liberais que não deixavam de fazer a barba e cortar o cabelo com um profissional.

“No começo, os clientes eram da zona rural. Quando era sábado, eles vinham barbudos e cabeludos cortar a barba e o cabelo. Com a chegada do desenvolvimento e da tecnologia, do Mach 3 e outras coisas que facilitam, diminuiu a barba. Mas o último que eu cortei aqui, ainda cortei a barba dele”.

No salão, além de Lázaro, há mais dois barbeiros: Gilberto e Arthur. O primeiro é filho de um antigo companheiro de Lázaro no salão do Bicudo's. O segundo, também trabalhou com ele no Bicudo's e desde 2010 está com Lázaro.

“Eu não entrei nesse campo de hoje que é o degradê. Eu sou bastante ultrapassado. O meu companheiro que comprou a maquinha e faz. Está bem preparado para acompanhar essa modernidade”.

O salão do Lázaro praticamente não fecha. Aposentado e viúvo, ele tem quatro filhos: Ângela, Eliane, Ênio e Eudes. Só o último chegou a aprender a profissão de barbeiro, mas não seguiu e estudou Direito. Lázaro diz que não tira férias e que as viagens são de no máximo uma semana.

À moda antiga, barbeiro não faz barba em degradê, tipo pedido pelos mais novos (Foto: Henrique Kawaminami)
À moda antiga, barbeiro não faz barba em degradê, tipo pedido pelos mais novos (Foto: Henrique Kawaminami)

“O caçula morou no Acre e eu fui lá. Em Cuiabá também, mas é coisa de uma semana, no máximo”. Segundo ele, quando a esposa era viva, ela ia antes. “Tem a filha em Cuiabá e ela [a mulher] ia à frente de ônibus, nessa época passagem aérea ainda estava difícil, e eu ia de carro depois. Ficava o fim de semana e depois voltava”.

Já passaram pela cadeira do barbeiro diversas personalidades, políticos, juízes e desembargadores de Mato Grosso do Sul. Dos mais atuais, ele cita o ex-governador José Orcírio Miranda, o Zeca do PT, na época que ainda era bancário, o ex-deputado Júnior Mochi e o deputado Pedro Kemp.

“Doutor Wilson já cortou aqui também. O barbeiro oficial dele era o Zé, mas quando ele estava com algum problema, vinha aqui. Doutor Plínio Barbosa Martins, Múcio Terceira Júnior. O Demósthenes Martins, da Academia de Letras também. Ele trabalhou com Fernando Corrêa da Costa, trabalhou com o presidente Café Filho e contava as histórias”.

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