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Comportamento

Com um pedido, carta de despedida do irmão chegou três meses depois do suicídio

Paula Maciulevicius | 05/09/2016 06:25
A mãe, Dálmia, junto de Renan e Janine. (Foto: Arquivo Pessoal)
A mãe, Dálmia, junto de Renan e Janine. (Foto: Arquivo Pessoal)

Dia 24 de outubro de 2015, o dia que Renan escolheu partir. Será que foi uma decisão certa? Era isso mesmo que ele queria ou foi de momento? A irmã faz essas perguntas a si mesma há quase um ano e não sabe as respostas até hoje. Com uma diferença de idade de cinco anos, ela mais velha, Janine já pediu para ver as fotos de infância e chorar a dor da saudade, assim como também viveu um misto de culpa e raiva pelo suicídio de Renan e se pudesse, tiraria o dia 24 do calendário de todos os meses.

"Eu estava grávida... Se ele era depressivo? Se estava sofrendo de depressão? Toda vida ele foi muito reservado e eu respeitei isso, sabe? É o jeito dele e pronto", diz a jornalista Janine Gonzales de Paula, de 35 anos.

À época, ela estava com 13 semanas de gestação e para contar a história, recorre aos detalhes que antecederam a partida do irmão, começando no dia 20 de outubro do ano passado, uma terça-feira, quando ela recebeu a ligação da mãe avisando que a família desconfiava de que Renan estava em depressão. No mesmo dia, ela tinha acabado de saber que o bebê que esperava, era um menino. 

Renan ao lado dos irmãos, Janine e Bruno. (Foto: Arquivo Pessoal)
Renan ao lado dos irmãos, Janine e Bruno. (Foto: Arquivo Pessoal)

A família deles vem de Bela Vista, cidade onde a mãe morou até a morte do filho e para onde ela já está de mudança pronta, de volta. O rapaz passou em inúmeras faculdades, desde a primeira, Engenharia Ambiental na UFMS, que não chegou a cursar, até tentar se encontrar em Economia, Ciências da Computação, Ciências Contábeis e Matemática.

"Na verdade, ele sempre lutava contra alguma coisa dentro de si, porque ele não ia, não conseguia". A frase da irmã é de quem procura explicações no passado para o fim. Entre as idas e vindas de faculdades, ele conheceu uma jovem com quem manteve um namoro por cinco anos.

No ano passado, Renan chegou a se formar no curso técnico em Agropecuária, em Aquidauana. Meses depois, foi chamado para um concurso da UEMS prestado anteriormente, em Campo Grande, e assumiu o posto em agosto.

Janine narra que preparou um quarto para o irmão se mudar para o apartamento, mas ele decidiu morar com uma tia, por ser mais perto do campus da universidade. "E foi entre agosto, setembro e outubro que tudo aconteceu. Foram só dois meses e pouco lá", conta.

"No dia do ultrassom, minha mãe ligou falando: 'sua tia falou que seu irmão está com depressão'", lembra Janine. Ela conversava todos os dias com Renan por telefone, enquanto passeava com o cachorro. Na sexta-feira, o convidou para passar o final de semana em casa, data do Enem que ele prestaria e ela se ofereceu de levá-lo para a prova.

Com o pai, Jair. (Foto: Arquivo Pessoal)
Com o pai, Jair. (Foto: Arquivo Pessoal)

"Ele não tinha uma graduação. Com a inteligência que ele tinha, passava em concurso, passava na Federal, então não era uma dificuldade para ele. Mas ele tinha alguma coisa que não deixava", sente Janine.

Na noite anterior à prova, ela perguntou onde o irmão faria o exame e ele ainda não tinha visto. A reação imediata foi uma bronca. E em seguida, veio a mensagem com o endereço, ele prestaria a prova na Uniderp.

No sábado, dia 24, eles combinaram um almoço e ela esperava o irmão ir até lá para então fazer a prova. Uma amiga chegou a ligar e convidá-la para sair, mas ela recusou dizendo que já tinha planos.

"Era umas 10h quando a minha tia ligou perguntando qual era o telefone do Leonardo, meu marido, que é médico, e eu pensei que estranho... Daqui a pouco ligou a minha mãe, perguntando o que estava acontecendo e eu achei que fosse a minha avó", recorda.

A tia ligou pela segunda vez questionando se o número do marido de Janine era aquele mesmo. Foi quando ela percebeu o desespero. "Aí comecei a ligar para a minha amiga, outra tia minha e minha mãe ligou dizendo que não era a avó e sim o Renan.

Na hora eu pensei: ele estava vindo para casa para ir ao Enem e sofreu um acidente de moto. Quando essa minha amiga veio para cá, meu coração... É como se já soubesse. O Leonardo entrou, chegou e me abraçou. Chorava, chorava, chorava.

Me sentaram e falaram: 'agora você já sabe o que aconteceu e vai saber como. Como? Foi suicídio. Menina, você nunca imagina que vai acontecer na sua família. Com o seu irmão?"

A mãe estava vindo de táxi de Bela Vista para Campo Grande e era nela que a filha mais pensava.

"Ele acordou 7h30 da manhã, a empregada da minha tia estava fazendo café e chamou o Renan para tomar. Ele disse que ia dormir mais um pouco e se enforcou, no quartinho dos fundos", descreve. A polícia pegou o celular e o computador do rapaz, mas devolveu um mês depois.

Os três novamente. (Foto: Arquivo Pessoal)
Os três novamente. (Foto: Arquivo Pessoal)

A carta - Dentro da carteira de Renan, ficou um pequeno bilhete que a irmã chegou a ver três dias depois de enterrá-lo, mas não se atentou. Escrito à mão, lá estavam as senhas de cartão, do computador, do Facebook e descrito um arquivo com o nome de "eu me perdi". Papel que só foi encontrado em janeiro deste ano, três meses depois. 

"Minha prima foi achar, ela estava mexendo com inventário, em janeiro, dia 14 de janeiro deste ano", pontua. "Na carta, que ele intitulou 'eu me perdi', fala que ele gostou muito de uma menina e que ele se perdeu...", conta a irmã. Por estar grávida, Janine exigia cuidados a mais e teve de enfrentar a saudade e o choro firme e forte. "Achei que não ia conseguir segurar o bebê. Me doía. Eu perdi meu irmão e a minha mãe", desabafa. 

Primeiro veio o sentimento de culpa com intonados "E se?" "E se?" " E se?". "Por que eu não fui lá? Por que eu não fui falar com ele?" Depois vem o de dó, tadinho, o tanto que sofreu para chegar a fazer isso, o que não tinha dentro do coração dele? O que ele não falava para ninguém para tirar a vida dele assim? E ainda me vem o de raiva, principalmente quando eu vejo a minha mãe mal: 'olha o que você fez? Mas é errado, ele estava doente. Eu estava grávida, que crueldade..."

A irmã seguiu a gestação, chorando todos os dias. "Saudade? Não tem um dia que passe e você não lembra. A gente enfrenta a primeira semana, um mês e todo dia 24 é marcado. Eu queria tirar esse número do calendário", desabafa. 

Por muito tempo as pessoas perguntavam à família se não havia ficado nenhum bilhete ou despedida de Renan. O que afligiu Janine durante os três meses. "Ele não culpa ninguém, ele não estava bem com ele mesmo, mas foi um alívio, um consolo essa carta", diz a irmã. 

No computador, Janine visualizou que o documento foi feito dia 4 de setembro, véspera do aniversário dele e alterado um mês depois em duas datas: 21 e 23 de outubro. A última mudança foi um dia antes da morte. 

"Eu fico tentando imaginar, fazer essa cena na minha cabeça, porque foi coragem. E será que ele se arrependeu quando derrubou o corpo? O mundo da gente acaba. E eu estava grávida. Carregava o mundo. Era meu pai, minha mãe. Hoje até que eu não me culpo tanto, não posso viver mais com isso. Eu vivo com saudade. Naquela semana ele chegava na minha tia e ia direto para o quarto, mas daí você imaginar que...

As pessoas falam que depressão é besteira ou como que está em depressão, se está trabalhando, comendo e conversando? Depressão é só quem fica lá no quarto sem fazer nada?" alerta a jornalista.

No teor da carta, ele fala que se perdeu e quando seu deu conta, achou que era tarde demais e que estava sozinho.

"Por que é tão difícil falar? Esses dias eu falei para a minha mãe que eu queria ver as fotos dele. Ela falou que eu ia chorar... É muito difícil, às vezes eu quero falar e as pessoas não sabem receber. Ficam com medo de perguntar, de dar abertura, porque ainda é um tabu. A própria sociedade condena, as religiões condenam. Mas poxa, e o que ele fez em vida? Vai ficar vagando? Até que ponto uma pessoa doente tem que ser condenada? Ele era um fofo, engraçado, nunca faria mal a ninguém, estava sempre disposto a ajudar", exalta a irmã. 

E o pedido na carta vinha no fim da despedida, onde Renan escreveu: "Não se percam nessa caminhada, mantenham a fé, que um dia tudo se resolve. Não tive essa fé, foi o que me faltou". 

O bebê de Janine nasceu dia 18 de abril e hoje, o irmão dela completaria 31 anos. 

Das fotos de família: com a avó, dona Iracema. (Foto: Arquivo Pessoal)
Das fotos de família: com a avó, dona Iracema. (Foto: Arquivo Pessoal)
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