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Comportamento

Das bets ao Tigrinho: quem aposta tenta prazer enquanto vida dá errado

Entre apostas esportivas e cassinos online, brasileiros gastaram R$ 68 bilhões em um ano

Por Aletheya Alves | 01/10/2024 06:10
Jogo de apostas "Tigrinho" segue ganhando popularidade. (Foto: Marcos Maluf)
Jogo de apostas "Tigrinho" segue ganhando popularidade. (Foto: Marcos Maluf)

Nada parece dar certo e aquele discurso de que “é só se esforçar para a vida melhorar” faz cada vez menos sentido. Pensar que uma sequência de cliques no celular pode trazer uma grana que salvaria o dia, e talvez o mês, parece algo mágico (ainda mais quando algum influencer te promete isso). O problema é que, nesse caminho, a situação só piora, as dívidas aumentam e o “buraco” a ser preenchido fica mais fundo. Pensando nessa compulsão em um cenário que se torna caótico com as bets e variações do “Tigrinho”, mesmo sabendo que está se prejudicando, a pessoa tenta resolver algo que nem ela mesma sabe mais identificar.

São vários os motivos para o assunto gerar preocupação e, por isso, o Lado B traz o olhar da psicologia sobre as apostas e o vício que permeia a prática. Para além de algumas explicações, também há possíveis caminhos que você ou alguma pessoa próxima possa estar precisando.

  • Mas, antes, é preciso contextualizar

Um estudo da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) informou que, entre junho de 2023 e o mesmo mês de 2024, os brasileiros gastaram R$ 68 bilhões em apostas esportivas e cassinos online. Pensar nesses gastos enquanto metade dos sul-mato-grossenses, por exemplo, estão endividados pode ser um fio para começar a reflexão.

Desde que a publicidade sobre as apostas online aumentou é difícil não ver o assunto diariamente. E os níveis são variados: o jogo do “Tigrinho” sendo divulgado por influenciadores, o Campeonato Brasileiro de Futebol mudando de nome para “Brasileirão Betano” e, por outro lado, manchetes criminais chamando atenção com nomes famosos sendo investigados.

Psicóloga e psicanalista, Jamile Tannous explica que o papel das apostas, o vício e a compulsão são temas estudados profundamente. E, longe de ser algo simples, o problema pode ser bastante enraizado.

Resultados em busca por aplicativo de cassino online. (Foto: Marcos Maluf)
Resultados em busca por aplicativo de cassino online. (Foto: Marcos Maluf)
  • Vazio, desespero e a busca por uma solução

“O vício em apostas pode ser entendido como uma tentativa de reencontrar uma sensação de prazer ou de controle”, introduz a psicanalista. Mas por que tentar encontrar esse caminho nos cassinos online e nas apostas em geral?

As explicações são diversas e, entre elas, está a forma com que a estrutura psíquica da pessoa foi formada e pode se relacionar com transtornos mentais que ela desenvolveu durante a vida.

De todo modo, na prática, o vício pode se ligar com uma satisfação imediata em que, como Jamile explica, não há controle emocional. Nesses casos, os impulsos é que dominam em busca de um alívio temporário e para preencher algo (inclusive sem que a pessoa se dê conta disso). 

“A repetição da aposta pode funcionar como uma tentativa de domar o vazio, o desconhecido ou um conflito interno que o sujeito não consegue processar”, diz a psicóloga.

E não adianta pensar nesse comportamento sem levar em conta a vida social: não é novidade que o sucesso financeiro e a ideia de ganhar são coisas valorizadas.

Trazendo isso para a conversa, a psicóloga comenta que apostar é visto por muita gente como um caminho rápido para alcançar status e poder. Agora, ver essa possibilidade de um jeito tão promissor oferecido nas redes sociais potencializa ainda mais a imaginação.

“Criam uma falsa sensação de controle e recompensas imediatas, algo que atrai a mente de quem está preso nesse ciclo”, destaca Jamile.

Plataforma que dá novo nome ao Campeonato Brasileiro de Futebol. (Foto: Reprodução)
Plataforma que dá novo nome ao Campeonato Brasileiro de Futebol. (Foto: Reprodução)
  • Armadilhas não faltam e quem está de fora pode não entender

“A busca por dinheiro através de apostas pode sim ser vista como uma compulsão. Isso é algo que gera curiosidade e até frustração nas pessoas próximas a quem tem o vício, especialmente os familiares. Para quem está de fora, é difícil entender como alguém não consegue parar de fazer algo que claramente está prejudicando sua vida”, explica Jamile.

Por isso, é necessário tentar entender a mecânica do processo. Tannous oferece a explicação que vem da psicanálise ao pensar na mente: enquanto uma parte parece empurrar em busca do prazer, outra gera sensações ruins por exagerarmos.

Com as apostas, as tentativas são frustradas de lidar com sentimentos que envolvem insegurança, ansiedade, medos e vazios, como diz a psicóloga. A consequência é um “ciclo vicioso fracassado”.

“A promessa ilusória de ganhar dinheiro e poder atrai a pessoa, criando uma armadilha para pessoas vulneráveis, mas o resultado geralmente é sofrimento, culpa e comportamentos arriscados, algo muito comum em vários tipos de vício, o que gera uma bola de neve crescente, da qual a pessoa só consegue pedir ajuda para sair é quando a situação já está muito grave”, descreve a psicóloga.

  • Como lidar com o vício e a compulsão em apostas? Como abandonar o Tigrinho?

Não é possível encontrar uma resposta fácil para um assunto tão delicado e complexo, mas a psicologia tem caminhos que podem ajudar na construção dessa saída.

“A psicologia oferece diversos caminhos para quem se vê preso a esse tipo de compulsão. Na psicanálise, por exemplo, o tratamento visa investigar as raízes inconscientes desse comportamento, o que motiva a pessoa a agir como age”, descreve Jamile.

Então, o objetivo não é só parar com as apostas, por exemplo, mas entender o que esse comportamento significa. Segundo a psicóloga, cada pessoa desenvolve as compulsões a partir de sua própria história, ou seja, é necessário ir a fundo nessas experiências para encontrar formas de lidar com as angústias e com os conflitos. 

Esse processo é tão importante porque, caso a compreensão não exista, a pessoa até pode parar de apostar, mas novos vícios e compulsões tendem a surgir.

“O trabalho terapêutico ajuda a dar forma a essas forças internas e, assim, possibilita a construção de novas formas de lidar com as angústias, o que favorece o autocontrole para não ser pego por essas tentações. E também estar ciente dos gatilhos externos, como propagandas de apostas ou o fácil acesso a plataformas, é o primeiro passo para tomar medidas preventivas”, completa a psicanalista.

  • Procure ajuda!

Em Campo Grande, o grupo de apoio Jogadores Anônimos se reúne todas as quintas-feiras, às 19h, na Rua Maracaju, 249, Centro. Compartilhar as histórias e ouvir outras pessoas pode ser um primeiro passo.

Além disso, como destacado no texto, a busca por atendimento psicológico é sempre indicada.

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