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Comportamento

Depois de sobreviver a infarto, aposentado é voluntário para cuidar dos mortos

Thailla Torres | 23/12/2016 07:12
Rosalino chega cedo no cemitério para limpar os túmulos abandonados. (Foto: Thailla Torres)
Rosalino chega cedo no cemitério para limpar os túmulos abandonados. (Foto: Thailla Torres)

Rosalino tem 73 anos e é conhecido pelo jeito cuidadoso com os túmulos no cemitério Santo Amaro. Sem cobrar nada, ele presta serviço de limpeza e planta flores. Assumiu o posto de voluntário após um infarto. O retorno ao trabalho foi em gratidão à vida e por acreditar que as almas merecem cuidado. 

Nascido em Porto Murtinho, Rosalino Sanches começou no serviço há 8 anos, depois uma vida trabalhando em fazendas. Foi a oportunidade para trabalhar na limpeza do lugar. "Eu carpi lote durante três meses e aí fui contratado de carteira assinada", lembra.

Recebeu salário durante todo esse tempo. Até perdeu as contas de quantas vezes fez um enterro ali. Mas foi em 2015 precisou largar o ofício por conta da saúde. O jeito foi retornar sem receber.

Rosalino faz a lavagem do túmulo, varre em volta e até encera azulejos. Cuida das flores, ajeita os vasinhos e já recuperou lápides que foram destruídas pelo vandalismo.

"Tem uma cova que eu cuido lá pro final que é de uma senhora, que nunca vi a família por aqui. Uma vez roubaram a fotografia, de certo acharam que era bronze, mas jogaram ali perto. Eu catei, limpei e coloquei de volta. Depois soube que a família dela é do Acre e por isso nunca ninguém veio. Então, eu cuido dela", justifica.

 

Ele começou o trabalho de coveira há 8 anos. (Foto: Thailla Torres)
Ele começou o trabalho de coveira há 8 anos. (Foto: Thailla Torres)

"Eu trabalhava de guarda no período da noite. De repente parece que o mundo virou, senti uma dor forte e comecei a vomitar. Achei que ia ficar bem e acabei esperando até de manhã. Não sei como eu não morri", recorda.

O momento de angústia é lembrado com certa calma, assim como o jeito de seu Rosalino. Ele fala da recuperação difícil, que fez o homem trabalhador ficar sem locomoção durante quatro meses. "Fiquei na cama, com família ajudando pra lá e pra cá. Não conseguia fazer nada", diz.

Ele acredita que a sorte bateu à porta regida por um milagre, quanto finalmente levantou da cama. "Acordei um dia e levantei, acho que foi ele (Deus) quem olhou por mim", sorri.

Caminhando devagar, nota-se que sente dificuldade ainda de um lado das pernas. "Não estou totalmente bem. Não faço muito esforço e sinto uma perna aqui", relata.

Mesmo assim, não desistiu do trabalho e voltou ao cemitério. Todo simpático, com as roupas manchadas de terra, ele fez o convite para conhecer alguns túmulos.

Ele não cobra nada, mas admite que alguns familiares oferecem dinheiro pela gentileza. Diz que faz o serviço de bom coração. 

Por dia ele ajeita de 6 a 8 túmulos. (Foto: Thailla Torres)
Por dia ele ajeita de 6 a 8 túmulos. (Foto: Thailla Torres)

Contados desde o início, a experiência com cemitério já dura mais de 9 anos, o que parece que nunca viveu um único dia ruim por ali. Rosalino diz que até poderia arrumar outra tarefa, já que a família é contra o serviço, mas seu estado é de paz entre os túmulos, por mais estranho que pareça a escolha. "E fico satisfeito e gosto do que eu faço", afirma.

Sobre não sentir medo de trabalhar à noite por ali, ele comenta que o cemitério é calmo. "Não entendo porquê as pessoas inventam tanta história. Já andei sozinho por aí e nunca vi nada", diz.

Tem gente que chega a questionar o trabalho do aposentado, que diz não se importar. "Já me chamaram de burro por fazer de graça, mas não ligo. Sou acostumado a trabalhar, não consigo ficar quieto", justifica.

A maioria são lavados e alguns até recebem cera. (Foto: Thailla Torres)
A maioria são lavados e alguns até recebem cera. (Foto: Thailla Torres)

Rosalino não só cuida, como ganhou a confiança de familiares para cultivar plantas nos túmulos. Um deles, ganhou roseiras e mudas de Comigo ninguém pode. "Aqui é onde está enterrada dona Carmem. Eu sempre limpo e comecei a cuidar das plantas. Fica lindo quando as flores aparecem", conta.

Como voluntário, o aposentado chega a limpar de 6 a 8 túmulos por dia. Cada um a seu tempo, para evitar o cansaço e ter a garantia de voltar no dia seguinte. "Vou limpando aos pouquinhos. Cada dia passo por um. Vejo os que precisam mais de limpeza e começo".

O passeio pelos túmulos inspira até uma conversa sobre a morte. Para Rosalino, as almas também merecem cuidados. "Acho que Deus olha pra gente e as almas também cuidam de nós. Então limpo porque as almas há de agradecer", acredita. 

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Em alguns, o aposentado até cultiva roseiras. (Foto: Thailla Torres)
Em alguns, o aposentado até cultiva roseiras. (Foto: Thailla Torres)
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