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Comportamento

Do tráfico ao canto, música faz diminuir até dependência química no presídio

Em dia de aulas com professor voluntário, as histórias impressionam durante o ensaio do coral.

Thailla Torres | 30/01/2019 09:48
Mulheres cantam e iniciam na música como forma de aliviar a angústia de quem cumpre pena. (Foto: Marina Pacheco)
Mulheres cantam e iniciam na música como forma de aliviar a angústia de quem cumpre pena. (Foto: Marina Pacheco)

Vozes de um coral tomam conta da sala pequena que ganhou status de auditório dentro do presídio, em Campo Grande. Sob olhar atento das agentes penitenciárias e cercadas 24 horas, a música cantada por mulheres é um indício de que há harmonia no Estabelecimento Penal Feminino “Irmã Irma Zorzi”, pelo menos, às terças-feiras. 

Nem todas estão com a afinação 100%, mas elas se preparam para os aplausos. São cerca de 15 mulheres que fazem parte do coral, o restante participa das dinâmicas de canto, improviso e até teatro para fortalecer o processo criativo. Para elas, talvez a melhor atividade dentro da prisão capaz de fazer esquecer, por 1 hora e meia, a realidade.

Durante encenação do teatro, o abraço final pelo roteiro divertido que arrancou aplausos. (Foto: Marina Pacheco)
Durante encenação do teatro, o abraço final pelo roteiro divertido que arrancou aplausos. (Foto: Marina Pacheco)

"Nunca tinha me interessado por música, mas eu percebi que cantar me faz bem", diz Keila Aparecida Batista, de 36 anos, que cumpre pena por tráfico de drogas.

Dentro da prisão, ela assume ser dependente química e busca o alívio no cigarro, mas, depois da música, sentiu o vício diminuir. "Antes do coral eu fumava uma carteira de cigarro por dia, agora eu fumo poucos cigarros. Tenho que ter fôlego para cantar".

Além disso, a música alivia a saudade das ruas que ela não vê há um ano. "Eu estava no semi aberto, mas esqueci um aparelho celular ligado no meu bolso e o juíz me regrediu".

Agora, no regime fechado, ela não sabe quanto tempo vai demorar para voltar para casa, muito menos acertar as contas com um passado que espera encontrar. "Quero encontrar minha irmã que eu não vejo desde os meus 7 anos idade".

Keila diz que foi abandonada pela mãe ainda na infância. O pai seguiu o mesmo caminho a deixando com a irmã de três anos. "Eu não podia cuidar dela e uma vizinha levou", lembra. Em seguida, o caminho foi de violência e drogas até a vida adulta. "Fui estuprada aos 9 anos e fiquei grávida aos 11, depois disso fui para a rua e me deparei com o vício", narra.

Keila diz que a música a fez diminuir cigarro. (Foto: Marina Pacheco)
Keila diz que a música a fez diminuir cigarro. (Foto: Marina Pacheco)
Para Jonya é uma forma de ver o tempo passar mais rápido. (Foto: Marina Pacheco)
Para Jonya é uma forma de ver o tempo passar mais rápido. (Foto: Marina Pacheco)

Há indícios de que a música alivia também a revolta. Um exemplo é o caso de Jonya Lucia Trotte Couto, que não imaginava entrar em uma prisão, aos 46 anos. Ela aguarda julgamento e diz que a música alivia saudade de casa. "Sou do Rio de Janeiro e estou presa há um ano sem receber visitas, quando soube da música imaginei que me ajudaria a ver o tempo passar, e tem ajudado".

Mas para Jaqueline Spessato, de 39 anos, o coral da prisão é um reencontro com o passado. "Eu tocava violão, participei de recitais fora daqui. Essa é a parte que eu tenho muita saudade", descreve.

Presa por roubo, há um ano ela cumpre pena e luta contra a dependência química. "Cometi um crime por causa do vício, hoje eu estou em tratamento, participo do Narcóticos Anônimos (NA) e a música me alivia muito, tira aquele peso de estar vivendo fora de casa".

Quando se reúne com as colegas para cantar, renova a esperança. "Quero sair daqui, abraçar minha família e continuar tocando", diz.

Transformação - O coral é parte do projeto voluntário realizado pela Associação Ministério Salva Vidas, coordenado pela voluntária Isabel Cândida do Nascimento, em parceria com Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen).

A ideia do programa é levar uma reflexão sobre a vida a mulheres que buscam uma diferente fora das grades. "Recuperar a autoestima e o lado mais humano dessas mulheres. Às vezes, com a música você se transforma, pensa num mundo diferente para elas e para as pessoas lá fora".

O desafio, segundo a voluntária, foi encontrar um professor de canto abraçasse a ideia de ensinar as internas. "Quando você fala em presídio, as pessoas assustam. Poucos querem se doar para os prisioneiros", diz.

Quem topou fazer o bem foi Paulo Daniel Bogarim Avalos, de 22 anos. Cantor e professor de técnicas vocais, estar dentro de um presídio toda terça-feira para ele é um detalhe pequeno. "Cresci vendo meu pai fazer trabalho voluntário na prisão através da igreja e sempre acreditei na segunda chance ao ser humano. E como professor, eu acredito no poder da música. Se todas vão levar algo da minha aula? Não sei, mas, garanto que ninguém sai daqui do coral a mesma pessoa", finaliza.

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Paulo é voluntário como professor de técnicas vocais. (Foto: Marina Pacheco)
Paulo é voluntário como professor de técnicas vocais. (Foto: Marina Pacheco)
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