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Comportamento

No boteco, máquina é tesouro após ladrão levar sonho de ser fotógrafo

Paula Maciulevicius | 26/10/2016 09:51
Flexaret materializou a saudade do que seu Manoel não viveu: a fotografia. (Foto: Alcides Neto)
Flexaret materializou a saudade do que seu Manoel não viveu: a fotografia. (Foto: Alcides Neto)

Na Calógeras lá em cima, nem o horário de saída de escola e clientela no boteco do seu Manoel e da mulher Silvana, interrompem uma boa história. Pernambucano que cresceu ouvindo falar que a vida só daria jeito quando ele fosse para São Paulo, o maior sonho e a grande frustração se encontram no mesmo clique. Materializada, a saudade do que não aconteceu está diante dele: na câmera Flexaret. 

"É minha. Quanto tempo eu tenho? Há muitos, muitos anos, quase 40", conta Manoel Martins Bezerra, de 66 anos. E se ele a usa até hoje? Não e nem é por conta da tecnologia. "Quando eu era mais jovem, era apaixonado por fotografia. Essa é da época que Antônio Fleury foi governador de São Paulo", pontua.

A Flexaret chegou a registrar uma visita do então governador ao Rio Tietê. "Na época ele era um dos interessados em despoluir. Ele falou: fotografe antes que acabe", recorda. Naquele tempo, seu Manoel estava na casa dos 30 anos e era zelador em um condomínio na capital paulista.

Junto da Flexaret, a recordação daquele tempo divide espaço com a Love. A pequenina que já vinha com filme e era praticamente descartável. "Fizeram esse lançamento dela, você fotografava e mandava o filme junto com a câmera e te mandavam outra", explica. 

Da Love, o que ficou foi a impressão de uma câmera mais "simpática". "A Flexoret era charmosa, mas a Love, simpática. Naquela época, para você direcionar uma câmera para alguém, tinha que pedir permissão. Hoje não, você direciona e não quer nem saber", compara Manoel. Está aí o porquê dele considerar uma simpática. Não tem quem negue sorriso até hoje para a Love do seu Manoel. 

Está aí o porquê dele considerar uma simpática. Não tem quem negue sorriso até hoje para a Love do seu Manoel. (Foto: Reginaldo de Oliveira)
Está aí o porquê dele considerar uma simpática. Não tem quem negue sorriso até hoje para a Love do seu Manoel. (Foto: Reginaldo de Oliveira)

"Eu fazia curso no Senac de fotografia, não sei por qual razão eu me apaixonei. Eu já tinha uma idade mais ou menos avançada, não era tão jovem quando me interessei", conta. Do Senac, foram vários outros cursos feitos, estágios e até de efeitos especiais.

"Cheguei a trazer máquina para mim dos Estados Unidos. Eu tinha muita amizade com os condôminos e eles tinham uma confiança tremenda em mim. Às vezes, viajavam e eu pedia para eles trazerem", narra.

De trabalho, Manoel lembra ter fotografado dois eventos e o que pôs fim ao sonho foi justamente o passo que ele estava dando para seguir em frente. "Eu tinha uma Praktica e uma Nikon, anunciei elas para vender num jornal que agora me falhou o nome, mas er ade credibilidade. Conhecidos meus chegaram a vender sítio, chácara...", lembra.

A ideia era vender o equipamento para comprar outros. Mas a vida se encarregou de dar outra direção aos planos. "O porteiro deixou o ladrão entrar na minha casa. Eu tive que ir na imobiliária, minha mulher estava na casa de um condômino e em casa, só tinha minha sogra e minha filha pequena. Ele entrou e levou. Não sei nem se você chegou a conhecer essa câmera, a Praktica, não é nem do seu tempo".

Junto das câmeras, ladrão roubou também o sonho do zelador. (Foto: Alcides Neto)
Junto das câmeras, ladrão roubou também o sonho do zelador. (Foto: Alcides Neto)

E foi essa a razão que pôs fim ao sonho. O que ficou foi apenas a Flexaret, por sorte, que era de um amigo do prédio da frente e foi presente de quem viu em Manoel, uma dedicação.

"Era do avô dele, ele estudava comigo e morava no condomínio da frente. Essa máquina ele me presenteou, porque achava que eu era um cara muito interessado na fotografia. E era, depois que me desinteressei..." As palavras se perdem no tempo e no roubo. 

Desiludido da fotografia, Manoel veio atrás da esposa para Campo Grande uns anos depois. Ela tinha a promessa de um ponto muito bom para montar negócio, que também não era lá essas coisas, mas com o tempo, eles conseguiram se estabelecer aqui. 

E por uma só vez, Manoel tirou a Flexaret da caixa para tentar fotografar pela última vez. "Eu cheguei a comprar uma chapa dela aqui, o cara mandou buscar em São Paulo, mas ele sumiu também. Não sei para onde foi e eu fiquei sem". 

Foi o roubo das câmeras que levou junto o sonho de seu Manoel. "E não é fácil ser fotógrafo não. Cheguei a fazer desfiles lá. Nunca usei máquina digital..." olha cumprido para a câmera do nosso, Alcides Neto. 

"As funções são as mesmas seu Manoel. Só o dispositivo que é outro. Aqui você vai controlar a velocidade do obturador, aqui ele te dá o valor, digital e aqui o fotômetro, o diafragma. O valor de ISO é como se fosse um filme, esse valor representativo aqui. E é assim, você programa a sua câmera analógica e cai pra dentro", resume Alcides. 

Os olhinhos curiosos voltam ao tempo assim que a câmera de hoje vai para as mãos do Manoel fotógrafo. "A história da fotografia não tem 200 anos, ela continua a mesma, só os dispositivos e os meios que são diferentes", avalia. 

Seu Manoel resistiu. Não clicou. Sua última foto feita conta mais de 25 anos. "São recordações, como diz quem gosta: quem vive de passado é museu. Mas olha, não vai colocar muita tristeza aí não, para fazer ninguém chorar", brinca na despedida.

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"São recordações, como diz quem gosta: quem vive de passado é museu", brinca. (Foto: Alcides Neto)
"São recordações, como diz quem gosta: quem vive de passado é museu", brinca. (Foto: Alcides Neto)
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