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Comportamento

Valesca se converteu ao Islã e hoje usa hijab, sem abrir mão do jeito brasileiro

Ao contrário do que a maioria pensa, ela garante que pode ser animada e afetuosa mesmo dentro do Islã

Thailla Torres | 19/06/2018 08:05
Campo-grandense, Valesca se converteu há poucos meses à religião Islâmica. (Foto: Paulo Francis)
Campo-grandense, Valesca se converteu há poucos meses à religião Islâmica. (Foto: Paulo Francis)

Nos últimos seis meses, a vida religiosa da campo-grandense e técnica de laboratório Valesca Zschornack, de 45 anos, passou por uma reviravolta. Do sobrenome ao parentesco, ela não tem nada de árabe, mas a curiosidade a levou para os estudos e conversão para a religião Islâmica. Entre os muçulmanos essa mudança também é chamada de reversão, pela entrega completa à doutrina.

Em casa, no bairro Amambaí, Valesca recebe a reportagem sorridente e cumprimenta com aperto de mão e beijo no rosto. Apesar do véu, que ela garante não ter sido obrigada a usar, faz questão de manter os costumes ocidentais, principalmente, por ser uma pessoa animada. “Normalmente, na mesquita, as mulheres não cumprimentam os homens dessa forma. Mas eu sou brasileira e eles sabem dos nossos costumes. Não sou recriminada por isso”, justifica ao cumprimentar o fotógrafo.

A história toda começou há dois anos. Valesca tinha um amigo muçulmano que morava fora do Brasil e depois de muita curiosidade resolveu ir à fundo nas pesquisas. “Um dia assisti uma oração dele e aquilo me intrigou muito. Comecei a pesquisar o que dizem e o que fazem dentro do Islã”, conta. O próximo passo foi ter a coragem de pisar na mesquita. A visita lhe rendeu uma grande amiga e uma recepção calorosa. “De cara me abraçaram e abriram as portas”.

Depois de ser católica, espírita e evangélica, hoje se diz completa como muçulmana. (Foto: Paulo Francis)
Depois de ser católica, espírita e evangélica, hoje se diz completa como muçulmana. (Foto: Paulo Francis)

Foram meses de aula até decidir mudar de religião. Valesca nasceu em berço cristão, a casa onde vive foi cenário para devoção da família, maioria católica, que durante anos festejaram os dias de São João Batista e Cosme e Damião no quintal. Ela também estudou a religião espírita e pertenceu 15 anos a um terreiro de umbanda. Outra década foi dentro de uma igreja evangélica até que o ‘Ala’ completou o vazio que sentia. “Acho que no fundo eu sempre estive muito ligada emocionalmente com o que o Alcorão (livro sagrado da religião islâmica) diz”.

O conhecimento rompeu com o medo e o preconceito que Valesca carregava. “Sempre aprendi a respeitar a religião dos outros, mas quando passei a ver todos aqueles assassinatos em países árabes, onde muitas pessoas eram muçulmanas, eu tinha medo e acreditava que todos eles eram maus”.

Na busca por conhecimento, o medo não diminuía diante de fatos históricos e reais sobre como as mulheres são tratadas lá fora. “Há uma ligação muito forte, no imaginário da maioria das pessoas, entre religião islâmica e violência à mulher. Mas, infelizmente, a violência não está só entre os muçulmanos, ela acontece no mundo todo, e muitos culpam a religião”, diz.

Foi com as idas à mesquita, o contato com muçulmanos e estudo do Alcorão, que Valesca diz ter encontrado uma realidade oposta, mesmo que em uma das passagens do livro sagrado, mulheres podem ter que responder por violações que elas cometam, por exemplo, obscenidades. “Só que nem tudo é da forma que se interpreta, naquela época foi ditado dessa forma, mas na atualidade é diferente. As mulheres têm autonomia e o que pregam dentro da religião é apenas respeito”.

No tapete e usando o hijab, ela faz suas orações diárias, aprendidas com o Alcorão. (Foto: Paulo Francis)
No tapete e usando o hijab, ela faz suas orações diárias, aprendidas com o Alcorão. (Foto: Paulo Francis)

Sobre a violência, opressões, torturas e direitos às mulheres na condição muçulmana, parte dos problemas, segundo Valesca, está aliada à cultura. “Sim, em alguns países da Arábia Saudita, por exemplo, homens são rígidos com as mulheres, mas isso parte de uma cultura que eles acreditam como a mulher deve ser tratada. Prova disso é que em muitas famílias essa violência não acontece, a educação e o respeito são baseados no amor”.

Diante disso, Valesca até perdeu as contas do quanto ouviu que se tornaria uma terrorista. “Todo mundo acha que somos terroristas, porque grande parte deles nasceram em países muçulmanos, mas não significa que toda essa violência do mundo é por causa da religião. A mesma coisa no Brasil, muitos de nossos bandidos têm uma vida religiosa e não é influenciado por ela que eles roubam, torturam e matam”, acredita.

A escolha pelo Islã seguiu de ausência dos amigos, carregados de preconceito, ela conta. “Alguns chegaram a dizer que nós muçulmanas somos o lixo do mundo, outros passaram a dizer que eu não amava mais Jesus e por aí vai. Foram muitas palavras que me chatearam, mas em contrapartida, tive muito apoio, principalmente, da minha família”.

Quem entra na casa de Valesca nem acredita que ali vive e reza diariamente, uma muçulmana. Com imagens sacras por toda casa, a fé católica se faz presente como lembrança e respeito à família. “Ninguém pediu para que eu jogasse fora minhas imagens e eu não quero fazer isso. Parte da minha família tem outra religião e eu respeito muito, tudo continua do jeito que era”.

Oração, bordada em tecido e que veio do Líbano. (Foto: Paulo Francis)
Oração, bordada em tecido e que veio do Líbano. (Foto: Paulo Francis)

A diferença está no uso do véu, o hijab, que para ela, é um símbolo forte de identidade religiosa e obrigatório dentro da mesquita. Mas no dia a dia, a escolha do lenço foi uma decisão tomada sozinha. “Eu quis usar, me sinto bem e como uma mulher vaidosa, tenho vários em casa”, conta.

A primeira vez com o hijab causou euforia dentro de casa. “Meu filho riu muito e minha mãe também quando me viram chegando em casa toda coberta. Mas é como me sinto bem”.

A dificuldade tem sido arranjar um emprego, garante. “ De hijab, Já distribuí muitos currículos e até hoje ninguém me chamou para uma entrevista. Tenho história de amigas que foram demitidas pelo uso do lenço aqui em Campo Grande”, diz sobre a tentativa de uma vaga no mercado como técnica de laboratório.

Mas ela não desanima, inclusive, faz questão de mostrar os lenços preferidos e uma das roupas pretas, mais tradicionais entre as muçulmanas. Para a entrevista, Valesca até comprou uma camiseta verde e amarela, pelo orgulho de ser brasileira. "Sou uma mulher muçulmana mas muito orgulhosa de ser brasileira. Continuo com os mesmos costumes, mas sigo os preceitos da vida religiosa".

Também garante que não é mulher de baixar a cabeça. "O silêncio dentro da religião é um respeito. Mas no cotidiano, as mulheres muçulmanas não abaixam a cabeça quando o homem fala, pelo contrário, elas também têm o respeito deles. O que ultrapassa os limites, faz parte do caráter".

Divorciada há 2 anos, hoje Valesca não pensa em se casar, mas se houver, será necessário alguém da mesma religião. No dia a dia, o despertador no celular, é a força para lembrar dos momentos de oração e nas horas vagas, os estudos não param. “Hoje me sinto mais completa, os estudos continuam, quero saber cada dia mais da religião, porque seis meses ainda é muito pouco, mas religiosamente, me sinto completa”.

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