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Meio Ambiente

Gruta em MS terá “portão” para evitar entrada de humanos e preservar morcegos

Usada em países da América do Norte e Europa, a estratégia é testada pela 1ª vez no Brasil, na Gruta das Fadas

Por Jhefferson Gamarra | 17/11/2025 17:10
Gruta em MS terá “portão” para evitar entrada de humanos e preservar morcegos
Estrutura ainda de madeira e provisória instalada na Gruta das Fadas (Foto: Jennifer Barros)

Pesquisadores estão testando, pela primeira vez no Brasil, a instalação de um “bat gate”, uma espécie de portão criado para impedir a entrada de humanos, mas que permite a passagem de morcegos, na Gruta das Fadas, em Bodoquena. A medida, comum na América do Norte e na Europa, busca reduzir impactos humanos em cavernas que abrigam colônias essenciais dessas espécies, cada vez mais ameaçadas pela perda de habitat, mudanças climáticas e outros fatores.

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Pesquisadores brasileiros testam, pela primeira vez no país, a instalação de um "bat gate" na Gruta das Fadas, em Bodoquena (MS). O portão especial permite a passagem de morcegos, mas impede a entrada de humanos, visando proteger colônias essenciais dessas espécies ameaçadas pela perda de habitat e mudanças climáticas. A iniciativa integra o Plano de Ação Nacional para Conservação do Patrimônio Espeleológico Brasileiro. A gruta abriga uma importante colônia da espécie Natalus macrourus, ameaçada de extinção, e possui relevância científica por abrigar espécies inéditas e um significativo rio subterrâneo.

O experimento integra ações do PAN Cavernas do Brasil (Plano de Ação Nacional para Conservação do Patrimônio Espeleológico Brasileiro), coordenado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas.

A bióloga Jennifer Barros, doutora em biologia animal, coordenadora do Programa Brasil da ONG BCI (Bat Conservation International) e colaboradora do PAN, explica que o objetivo inicial da ação é avaliar o impacto da estrutura sobre o comportamento dos animais.

“Esperamos que as espécies consigam se adaptar à alteração e permanecer utilizando a caverna. Um portão como estratégia de conservação pode ser especialmente importante em casos de cavernas que possam oferecer riscos às pessoas, mas que sejam abrigos essenciais para espécies vulneráveis de morcegos, como é o caso da Gruta das Fadas, onde existe uma importante colônia da espécie Natalus macrourus, ameaçada de extinção no Brasil”, afirmou.

Gruta em MS terá “portão” para evitar entrada de humanos e preservar morcegos
Estrutura provisória de madeira para fase piloto do "bat gate" (Foto: Jennifer Barros)

Embora inédito no país, o modelo é amplamente utilizado no exterior. Na Gruta das Fadas, a equipe instalou uma versão provisória em madeira, ainda não fixada na rocha, mas que reproduz o formato planejado para o portão metálico definitivo. “Caso os morcegos não se adaptem, podemos retirar facilmente, sem causar interferências permanentes na caverna. Pensamos em utilizar barras horizontais e o mínimo possível de barras verticais para não prejudicar a manobrabilidade dos morcegos em voo”, explicou a bióloga.

O portão vem sendo monitorado com filmagens feitas a cada dois meses, que ajudam na contagem da colônia e na observação de eventuais mudanças no comportamento. A mestra em biologia Aléxia Murgi relata como os morcegos reagiram na primeira noite de testes.

“Era grande a expectativa de visualizar como os morcegos reagiriam ao portão na primeira noite. No início, observamos que ficaram confusos com a presença das barras, mas depois que os primeiros indivíduos saíram, a colônia acompanhou o ritmo, e hoje já podemos notar que Natalus macrourus está apresentando uma facilidade de adaptação ao portão, algo que nos deixou muito empolgados”.

O professor Enrico Bernard, doutor em biologia, docente da UFLA (Universidade Federal de Lavras) e articulador da ação, destaca a relevância dos morcegos para a agricultura e a saúde pública. Segundo ele, esses animais desempenham papel central no controle de insetos.

“A agricultura brasileira, por exemplo, tem muito a perder caso essas espécies de morcegos desapareçam. Segundo nossos estudos, colônias numerosas de morcegos de uma única caverna podem retirar até 82 toneladas de insetos em um ano”, afirmou.

Ele acrescenta que o impacto econômico é direto, especialmente no controle de pragas como a lagarta-do-cartucho. “Só a produção de milho no Brasil hoje tem o benefício de 390 milhões de dólares por ano com a supressão de pragas, como a lagarta-do-cartucho e mariposas, sem contar com os benefícios obtidos pelos produtores de subsistência, que têm a ajuda dos morcegos na eliminação de insetos em suas plantações de milho, de caju ou de mandioca, por exemplo”.

Gruta das Fadas - A cavidade possui mais de um quilômetro de galerias mapeadas e um rio subterrâneo ativo. Pesquisadora do local, a bióloga Lívia destaca a importância hídrica da gruta. “Para se ter uma ideia, o fluxo de água do rio é semelhante ou maior ao córrego Campinas, que consiste na principal fonte de água do assentamento”, explicou.

Ela também ressalta o valor científico do local. Segundo Lívia, “a gruta abriga inúmeras espécies novas para a ciência, incluindo táxons diversos como gastrópodes, aranhas, opiliões, onicóforos e vertebrados como peixes. A cavidade também é considerada um sítio paleontológico relevante, onde mais de uma dezena de espécies de mamíferos do quaternário já foram registradas”.

Além da função de conservação, o bat gate também protege visitantes, já que os níveis de dióxido de carbono no interior da caverna são considerados perigosos. “Para se ter uma ideia, o medidor consegue registrar até 10.000 partículas de CO2 por milhão e, na maioria das vezes, esse nível era atingido com muita rapidez”, afirmou Aléxia Murgi.

A instalação também contou com o trabalho dos espeleólogos Vitor Moura e Tiago Sato, responsáveis pelo design e implementação preliminar do portão, e com a autorização do proprietário da área, Domingos Damaceno.

O PAN Cavernas do Brasil reúne 44 ações distribuídas em quatro objetivos específicos, com foco em prevenir, reduzir e mitigar impactos sobre o patrimônio espeleológico nacional e sobre 168 grupos ameaçados de extinção.