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A festa de São João, os neopentescostais e a umbanda

Por Jorge Eremites de Oliveira (*) | 24/06/2013 08:40

Em junho de 2008, quando ministrava aulas de Antropologia no curso de Ciências Sociais da UFGD, levei uma turma de alunos para um pequeno trabalho de campo em Corumbá, no noroeste de Mato Grosso do Sul, fronteira com a Bolívia. A proposta era fazer uma pequena etnografia da Festa de São João, aplicando procedimentos metodológicos consagrados na disciplina.

Depois de aulas e leituras obrigatórias sobre o assunto, partimos de ônibus para a Capital do Pantanal no dia 22 de junho. Escolhemos observar a Festa de São João em um terreiro de Umbanda, haja vista que lá há várias festas para o santo: a oficial, promovida pela Prefeitura, e as que ocorrem em igrejas católicas, escolas públicas e privadas, residências de festeiros devotos, comunidades de bairros, fazendas, terreiros de Umbanda e Candomblé etc. Umas são meramente lúdicas, outras misturam o sagrado com o profano e há aquelas que são apenas sagradas. Escolhemos a terceira situação para o observar.

Alguns alunos estavam receosos e pensavam que o local seria uma espécie de "casa do mal" ou "moradia de Satanás", segundo aprenderam por meio de programas evangélicos na televisão. Outros, contudo, estavam entusiasmados com o proposta e com a beleza e a sociodiversidade da região.

Ao chegarmos ao terreiro no dia 23 de junho, às vésperas do dia do santo, fomos muitíssimos bem recebidos pela dona da casa e por outras pessoas que lá frequentam. Ali encontrei até uma velha amiga dos tempos de criança, quem há muito é praticante da religião. Depois de me ver e certificar-se que era eu mesmo, disse em tom de brincadeira às pessoas da casa: "Esse aí é mais macumbeiro que todos nós!" - referindo-se aos tempos que acompanhava meus pais ao terreiro que frequentavam na cidade.

E começaram a nos explicar o que era Umbanda e como eram as práticas religiosas naquela casa, mostrando-nos cada parte do lugar. Deram-nos uma valiosa aula sobre a Festa de São João, quem na Umbanda geralmente é representado por Xangô, orixá justiceiro e dono dos raios e trovões. Em dado momento, a dona da casa explicou que foi evangélica de uma conhecida igreja pentecostal por cinco anos.

Depois retornou para a Umbanda porque ali era seu lugar, onde se sentia bem e era feliz. Seus filhos, todavia, seguiam evangélicos, inclusive um que era pastor e vez ou outra ali comparecia para tomar conselhos de um Preto Velho. Quando disse isso, muitos alunos ficaram surpresos e depois me perguntaram como aquilo era possível. Respondi que conversão religiosa era uma via de mão dupla: uns vão, outros vem e também há aqueles que ficam aqui e acolá. Além disso, certos ritos praticados pelos (neo)pentecostais são percebidos como idênticos aos da Umbanda e de outras religiões afro-americanas.

Portanto, não era surpresa o que havíamos observado. É por isso que milhares de pessoas vão à missa ou aos cultos em uns dias e, em outros, seguem frequentando os terreiros de Umbanda. Mas quando inquiridos sobre qual é sua religião, respondem: católica ou evangélica, algo que não denota contradição alguma à luz da Antropologia Social.

Depois disso, acompanhamos os preliminares da festa: rezamos um terço e saboreamos um delicioso arroz carreteiro. Por volta das 22 horas fomos levar o andor do santo para o tradicional "Banho de São João", ocasião em que ele é (re) batizado nas águas do Rio Paraguai e milhares de pessoas fazem pedidos dos mais diversos, passando por debaixo dos andores. Há ainda os que pagam promessas e/ou fazem pedidos ao santo: curas, amores, emprego etc.

A partir daquela pequena experiência, a maioria dos alunos tornou-se menos preconceituosa com as religiões afro-americanas e passou a valorizar a sociodiversidade marcante na sociedade brasileira.

(*) Jorge Eremites de Oliveira é pProfessor de Antropologia e Arqueologia.

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