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Direito do trabalho precisa acompanhar mudanças das plataformas digitais

Por Valdir Florindo (*) | 30/12/2025 13:30

Real­mente ficou para 2026 a defi­ni­ção de temas rele­van­tes do Direito do tra­ba­lho. Esse adi­a­mento, con­tudo, não deve ser con­fun­dido com crise ou ten­são ins­ti­tu­ci­o­nal entre o Supremo Tri­bu­nal Fede­ral e a Jus­tiça do Tra­ba­lho.

Diver­gên­cias são natu­rais em um sis­tema demo­crá­tico, e ainda mais no con­texto das cor­tes, cuja atu­a­ção pres­su­põe o con­tra­di­tó­rio, o plu­ra­lismo inter­pre­ta­tivo e o res­peito às com­pe­tên­cias defi­ni­das pela Cons­ti­tui­ção. O equi­lí­brio entre os ramos do Judi­ci­á­rio nasce dessa con­vi­vên­cia madura, e não da impo­si­ção de uni­for­mi­dade arti­fi­cial.

O país vive uma nova trans­for­ma­ção tec­no­ló­gica e, como tan­tas outras vezes ao longo de sua his­tó­ria, o Direito pre­ci­sará absor­ver as mudan­ças decor­ren­tes do tra­ba­lho via pla­ta­for­mas digi­tais.

O Direito do tra­ba­lho já acom­pa­nhou dife­ren­tes revo­lu­ções indus­tri­ais e tec­no­ló­gi­cas sem per­der a capa­ci­dade de equi­li­brar a pro­te­ção ao tra­ba­lho e a livre ini­ci­a­tiva, valo­res fun­dan­tes da nossa Repú­blica.

A pejo­ti­za­ção é outro fenô­meno igual­mente desa­fi­a­dor. Rela­ções jurí­di­cas for­mal­mente esta­be­le­ci­das entre pes­soas jurí­di­cas podem ser legí­ti­mas, mas tam­bém podem ocul­tar vín­cu­los de emprego e ser­vir como ins­tru­mento de fraude.

Reco­nhe­cer que o tra­ba­lha­dor é uma pes­soa cuja dig­ni­dade deve ser res­pei­tada não é reflexo de um viés ide­o­ló­gico; é uma exi­gên­cia da Cons­ti­tui­ção e um prin­cí­pio basi­lar da Orga­ni­za­ção Inter­na­ci­o­nal do Tra­ba­lho.

O debate sobre as novas for­mas de tra­ba­lho envolve, ine­vi­ta­vel­mente, o Con­gresso Naci­o­nal. Mas enquanto o pro­cesso legis­la­tivo não avança, cabe ao Judi­ci­á­rio apli­car as nor­mas vigen­tes, bus­cando a ver­dade dos fatos e não ape­nas a apa­rên­cia con­tra­tual. A Jus­tiça do Tra­ba­lho sem­pre res­pei­tou a legis­la­ção e con­ti­nu­ará a fazê-lo caso venha nova regu­la­men­ta­ção. Até lá, porém, a juris­di­ção não pode ser para­li­sada pela espera do con­senso polí­tico.

Mui­tos, no debate público, têm con­fun­dido — ou estão ten­tando con­fun­dir a socie­dade — temas dis­tin­tos como “ube­ri­za­ção”, “pejo­ti­za­ção” e “ter­cei­ri­za­ção”, embora ape­nas este último tenha sido objeto de pre­ce­dente vin­cu­lante do Supremo.

A liber­dade eco­nô­mica deve, sim, ser pre­ser­vada como motor do desen­vol­vi­mento naci­o­nal. Mas ela não pode ser­vir de biombo para legi­ti­mar prá­ti­cas que pre­ju­di­cam a con­cor­rên­cia leal entre as empre­sas e fra­gi­li­zam os tra­ba­lha­do­res.

Pro­te­ger o ambi­ente eco­nô­mico exige dis­tin­guir o empre­en­de­do­rismo ver­da­deiro das fic­ções con­tra­tu­ais cri­a­das para afas­tar a apli­ca­ção da lei.

Os núme­ros cres­cen­tes de ações cons­ti­tu­ci­o­nais envol­vendo temas tra­ba­lhis­tas não reve­lam desor­dem, mas sim a cen­tra­li­dade do tra­ba­lho na vida naci­o­nal. A cons­tante trans­for­ma­ção das rela­ções pro­du­ti­vas exige ins­ti­tui­ções espe­ci­a­li­za­das, capa­zes de com­pre­en­der e tra­tar con­fli­tos com­ple­xos. Estru­tu­ras como a Jus­tiça do Tra­ba­lho, o Minis­té­rio Público do Tra­ba­lho e o Minis­té­rio do Tra­ba­lho são uma res­posta civi­li­za­tó­ria a esse desa­fio.

Sur­pre­ende, por­tanto, o retorno cíclico de pro­pos­tas de emenda à Cons­ti­tui­ção que pre­ten­dem extin­guir essas ins­ti­tui­ções espe­ci­a­li­za­das, rei­te­ra­da­mente rejei­ta­das pela socie­dade bra­si­leira nos últi­mos anos, como a apre­sen­tada por par­la­men­tar que tam­bém defende a monar­quia.

Fra­gi­li­zar essas estru­tu­ras é fler­tar com for­mas con­tem­po­râ­neas de pre­ca­ri­za­ção que, embora menos explí­ci­tas, repro­du­zem lógi­cas ultra­pas­sa­das que a Cons­ti­tui­ção de 1988 se empe­nhou em supe­rar ao con­so­li­dar a Repú­blica e os direi­tos fun­da­men­tais como pila­res da vida demo­crá­tica.

O mundo mudou e con­ti­nu­ará mudando. A legis­la­ção tra­ba­lhista tam­bém evo­luiu, incor­po­rando, por exem­plo, o tele­tra­ba­lho, novas for­mas de jor­nada e maior res­peito às nor­mas pac­tu­a­das cole­ti­va­mente. O que não pode mudar é a com­pre­en­são de que tra­ba­lha­do­res são pes­soas, não insu­mos de pro­du­ção.

Reco­nhe­cer que a Jus­tiça do Tra­ba­lho é indis­pen­sá­vel não é nos­tal­gia, mas com­pro­misso cons­ti­tu­ci­o­nal, demo­crá­tico e civi­li­za­tó­rio.

O debate sobre as novas for­mas de tra­ba­lho envolve, ine­vi­ta­vel­mente, o Con­gresso Naci­o­nal. Mas enquanto o pro­cesso legis­la­tivo não avança, cabe ao Judi­ci­á­rio apli­car as nor­mas vigen­tes, bus­cando a ver­dade dos fatos e não ape­nas a apa­rên­cia con­tra­tual.

(*) Valdir Florindo, presidente do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo - 2ª Região. 

 

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