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Fugindo da libertinagem sem cair no aprisionamento

Por Lucas Otávio Gonçalves Dias (*) | 13/04/2014 08:45

Este artigo nasceu a partir da leitura de diversos textos que discorriam sobre a liberdade sem limites. É fato que não existe liberdade sem a necessidade de alguns limites, assim como também é que sem esses limites nenhuma liberdade individual seria possível. Mas não estaríamos confundindo liberdade com impunidade? Será que por uma atribuição errônea à liberdade devemos retroceder a um passado sombrio e sufocar direitos que foram conquistados com muita luta?

Este é um momento oportuno para falar sobre liberdade, principalmente para as pessoas que utilizam as redes sociais, que representam parcela considerável dos cidadãos, e estão presenciando uma forte campanha de compartilhamento de mensagens do movimento “eu não mereço ser estuprada”, uma clara crítica ao elevado índice de violência contra a mulher existente no Brasil.

Ao criticar o pensamento de que a roupa que as mulheres vestem indica se elas merecem ou não serem estupradas, o movimento deixa o precedente perfeito para a discussão de liberdade e impunidade. Voltando a um passado não tão distante na história da humanidade, muitas mulheres morreram lutando pelo simples direito de usarem calças. Nesse cenário, a liberdade sobre o que vestir torna-se mais do que um direito, um ícone na contínua luta pela real emancipação feminina: a representação da liberdade da mulher sobre o próprio corpo. O senso comum responsabiliza essa merecida liberdade de se vestirem da lamentável violência que muitas mulheres sofrem no Brasil. Uma atribuição da culpa à própria vítima que, inacreditavelmente, segundo pesquisas recentes, corresponde à opinião de 65% da população sobre a responsabilidade de tais crimes.

Atribui-se a liberdade uma culpa que é da impunidade, na verdade, devidamente denominada diversas vezes de “câncer do Brasil”, um mal que está presente em todas as camadas da sociedade brasileira. Começa na escola, com alunos sendo isentos da responsabilidade sobre seus próprios atos de violência, selvageria e vandalismo, e evolui para a fase adulta do cidadão, que fica impune mesmo sendo responsável por corrupção, mortes no trânsito, pedofilia, dentre uma infindável lista de crimes. Esse inaceitável estado de impunidade faz com que frases como “...ela foi estuprada, mas estava com roupa curta!...” se façam cada vez mais presentes na boca dos brasileiros. Então, em vez de se combater a impunidade, fala-se em coercer a liberdade, numa espécie de “não haja assim ou vou ter o direito de fazer isso com você”.

Um outro artigo em particular me chamou atenção por criticar a liberdade da sociedade holandesa, por esta permitir o uso da maconha e da regulamentação da prostituição, um exemplo da “má liberdade que não devemos ter no Brasil”. É fato que a sociedade holandesa é uma das mais liberais do mundo, e que apesar de livre é uma sociedade na qual se fecham cadeias pela falta de presos e que possui um baixíssimo índice de violência e criminalidade. Fica claro que viver em uma sociedade livre não é problema quando o Estado investe pesado em educação e educa os seus cidadãos com a consciência necessária para usufruírem da liberdade sem a necessidade de controlar o que comem, vestem ou acreditam.

É triste ver que a nossa sociedade, por cometer injustiças com a liberdade, caminha para um eminente aprisionamento de ideias, comportamentos, do livre-arbítrio. Tolerância e respeito estarão cada vez mais distantes de nós, se continuarmos nesse caminho. E a pobre liberdade estará condenada a carregar, sozinha, o pesado fardo de nossas próprias ações impunes.

(*) Lucas Otávio Gonçalves Dias, acadêmico do curso de Administração da UFMS - Câmpus de Três Lagoas. E-mail: logdias@live.com

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