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O mito do dedo podre na escolha dos parceiros

Por Mariliz Pereira Jorge (*) | 06/07/2025 07:30

A essa altura da vida, a gente já deveria saber: não é azar, é padrão. "Dedo podre" é só uma desculpa para bússola interna viciada em apontar sempre na direção errada. E tem gente que ainda põe na conta da coincidência, do retorno de Saturno. Já colecionei estelionato emocional como quem junta pontos no cartão fidelidade da desilusão. Reclamava, sofria, jurava que da próxima seria diferente e escolhia o mesmo tipo, versão beta, com o mesmo bug.

A primeira mentira é achar que é aleatório. Que a gente tropeça e cai de boca no erro por acidente. A diferença entre o equívoco e a escolha consciente está no número de mensagens ignoradas: a pessoa não se compromete, é instável, só aparece quando quer, some sem explicação, evita conversa séria, diz que "não está pronta", mas adora sua cama, seu colo e seu elogio. A gente vê tudo isso e finge que é charme. Não é. É aviso.

Claro que há momentos em que os alertas vêm embalados num pacote gostoso. O sorriso torto derrete, o beijo tem sal, o sexo parece filme pornô dirigido por Sofia Coppola. E então a gente entra no loop: muito orgasmo, zero vínculo. A ressaca sempre chega. E cada vez maior. Vem junto com a dúvida existencial, mas a libido afetiva é uma péssima conselheira, e a carência disfarçada de paixão, pior ainda.

Ter um tipo físico é compreensível, escolher personalidades repetidas com CPF diferente é vício emocional. A gente repete padrão e espera um novo final. E se frustra como se fosse surpreendente. Já deveria vir com aviso: "Produto reciclado: pode causar ansiedade, lágrimas e vontade de mandar textão às 2h da manhã".

Na maioria das vezes, o que a gente precisa não é de um novo amor, é de uma boa terapia. Um relacionamento saudável não começa no match, começa no espelho. Mas é mais fácil dizer que o dedo é podre do que admitir que o gosto é duvidoso, o radar emocional está descalibrado e o medo da solidão ainda grita mais alto do que o amor próprio.

É tentador se jogar em qualquer história só para ter o que contar no almoço de domingo. Mas, às vezes, a grande virada da maturidade não está em achar a pessoa certa. Está em parar de insistir nas erradas. Erros deixam cicatrizes e nossas escolhas cobram juros altos. Não dá para continuar culpando o dedo quando todas as digitais já estão comprometidas.

Não é o universo. Não é azar. E muito menos o signo dele. É você. É a gente. É nossa coleção de justificativas para não encarar o óbvio: enquanto não arrumarmos a casa de dentro, continuamos abrindo a porta para gente que vem só para bagunçar.

(*) Mariliz Pereira Jorge, jornalista e roteirista de TV, através da Folha de S. Paulo

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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