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O país do futuro está apaixonado pelo seu passado

Por *Ronaldo Mota (*) | 16/09/2015 13:48

Se há uma sensação coletiva que se possa chamar de generalizada neste momento no Brasil é a de que, mais uma vez, o almejado futuro não se materializou. Ou seja, o sonhado desenvolvimento econômico, social, ambiental e cultural sustentável dá espaço ao sabor de frustração e ficamos, os mais otimistas, no aguardo de um novo ciclo, cuja data de inauguração não foi sequer anunciada.

Sabemos crescer, mas não sabemos fazê-lo de forma sustentável. Temos uma riqueza natural e humana reconhecida mundialmente, mas ela parece periodicamente perder para nossas fragilidades. Identificar as complexas causas das recorrentes derrotas é tarefa hercúlea e fruto de muita controvérsia. Tal cenário, onde a esperança parece adormecida, é acompanhado de modesta inspiração para produção cultural.

Um destacável reflexo de nossa pobreza cultural contemporânea são nossos olhos voltados ao passado como nunca. A ausência de aderência ao presente e a falta de perspectiva de futuro próximo nos faz estimular no mundo da cultura um evidente apego sem precedentes pelo passado.

No campo da música, jamais se ouviu com tanto vigor os artistas das décadas de 60 e 70. Mesmo entre os mais jovens, muitos findam por estabelecer entre seus ídolos aqueles mesmos que foram de seus pais, refletindo possivelmente que temos uma geração tímida de novos artistas.

No teatro, particularmente os musicais, exatamente onde o Brasil mais avançou, é sintomático que quase todos os grandes sucessos dos últimos anos estejam dedicados a recuperar a vida de artistas antigos, a exemplo de Tim Maia, Elis Regina, Cazuza, Chacrinha, Simonal, Raul Seixas, Cássia Eller, Imperial e tantos outros. Isso tudo talvez reflita um país desgostoso com seu presente, sem claras perspectivas para seu futuro e buscando no seu passado recente motivos para continuar a crer na sua história.

No cinema mesmo com novidades pontuais de valor na praça, a revalorização recente de personagens antigos como José Mojica Marins, o famoso Zé do Caixão, é sintoma claro da possível ausência de produção atual mais significativa, em profundo contraste com a pujança da vizinha Argentina nesta área. Neste caso específico, evidenciando que nem sempre as crises econômicas estejam irremediavelmente associadas à pobreza de produção cultural, mas no Brasil, infelizmente, amargamos a possibilidade de estarmos vivendo todas elas simultaneamente.

Ainda que não seja o objetivo deste breve texto apontar possíveis causas, dado que por serem múltiplas e complexas qualquer simplificação estaria errada ou insuficiente, não há como não perceber que falhamos, ao menos parcialmente, na educação. Nesta área tivemos sim sucessos, inegáveis por sinal, como universalizar a educação fundamental, ampliar de forma significativa o acesso ao ensino superior ou a construção eficiente de um respeitável sistema nacional de pós-graduação.

Por outro lado, claramente falhamos em conjugar qualidade e quantidade. Quando universalizamos ou ampliamos de forma significativa, o fizemos com rebaixamento de qualidade. Quando ofertamos qualidade, o fizemos para poucos, muito poucos. A inovação que deixamos de criar foi ofertar qualidade para muitos. Esta sim, a meu ver, se não é a única, é a principal razão da sensação de fracasso que nos move a olhar para trás e de forma saudosista pedir mais uma chance de sermos, mais uma vez, o país do futuro.

Eppur si muove e voltaremos ao tema com mais detalhes posteriormente.

(*) Ronaldo Mota é reitor da Universidade Estácio de Sá e diretor executivo EaD Estácio.

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