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Por que a adição de mandioca incomoda tanto a indústria do trigo?

Por João Grandão (*) | 16/05/2015 09:56

Nas sagradas escrituras há um versículo bíblico que diz que “aquele que põe a mão no arado não pode mais voltar atrás”.

Uma audiência pública promovida semana passada na Assembleia Legislativa pela Comissão de Agricultura, Pecuária e Políticas Rural, Agrária e Pesqueira, da qual sou vice-presidente, me fez sentir assim, como o agricultor que lança mão de uma tarefa e não pode mais retroceder.

O objetivo da reunião era o de apontar caminhos e estabelecer soluções para a grave crise que afeta a mandiocultura do nosso Estado e principalmente para os pequenos produtores desse importante alimento que faz parte da alimentação do nosso povo antes mesmo do descobrimento do Brasil.

No discurso dos convidados, a necessidade de valorizar a mandiocultura no mercado sul-mato-grossense, não mais com paliativos em um setor que vive de altos e baixos, com crises cíclicas e cada vez piores, mas por meio de políticas públicas permanentes para a consolidação da mandiocultura no Estado

Nesse contexto, apresentei uma minuta de projeto de lei de minha autoria, que determina a obrigatoriedade da adição de até 10% da farinha de mandioca refinada ou fécula de mandioca à farinha de trigo na produção do pão francês, bolos e afins no Mato Grosso do Sul.

A proposta foi veementemente condenada por alguns representantes da poderosa indústria do trigo, presentes na audiência, que consideraram o projeto de lei um retrocesso.

Mas retrocesso para quem? Além de uma contribuição permanente e efetiva para o fortalecimento de toda a cadeia produtiva da mandioca, esta seria uma excelente forma de valorização da agricultura familiar, com a fixação do homem no campo, a criação de milhares de empregos e o aumento da renda para inúmeras famílias. Além do mais, a mandioca é 100% nacional, uma cultura totalmente adaptada ao solo e ao clima tropical, que contribui para deixar o Brasil cada dia mais auto-sustentável, já que a grande maioria da farinha de trigo consumida no nosso País hoje é importada.

Seria também uma oportunidade de partilhar com a agricultura familiar alguns milhões dos vários bilhões movimentados pela indústria do trigo e, de quebra, reduzir o déficit da balança comercial brasileira.

Mas ao longo da audiência pública notei que ao propor o Projeto de Lei e reativar essa discussão em Mato Grosso do Sul estava mexendo também numa poderosa matriz econômica e ideológica de exclusão social, enraizada no gosto alimentar.

O “não” à mandiocultura, liderado pelos trigueiros, baseia-se em argumentos quase sempre questionáveis. O primeiro deles é a qualidade inferior do pão francês, tese que já foi derrubada por pesquisas e testes de laboratório isentos e confiáveis, como o do Centro de Pesquisa e Processamento da Universidade Federal do Paraná, que constatou que na avaliação sensorial os pães franceses produzidos com 20% de farinha de mandioca (o dobro do que estamos propondo) foram os mais aceitos, superando até mesmo os similares com 100% de farinha de trigo na preferência de 60% dos provadores.

O segundo argumento é o nutricional. A mandioca possui menor teor de proteína: 2,2 gramas contra 12 gramas do trigo em cada 100 gramas de pão. Mas o pãozinho francês está longe de ser a principal fonte de proteína do brasileiro ao longo do dia.

A indústria do trigo também alega que é contra a “obrigatoriedade” mas, com toda a sinceridade, será que funcionaria de outro modo? Sem aprofundar muito a discussão, há toda uma fundamentação jurídica que justifica a obrigatoriedade sempre que se apresentar uma razão ou necessidade social de interesse geral.

Dizem também que o mercado deve escolher o pão que deseja e o pão de trigo puro é o melhor produto, não se justificando uma reserva de mercado para a fécula de mandioca. Será mesmo?

Primeiramente, o pãozinho francês não é uma escolha livre, é regulado por leis e o próprio governo flexibilizou o conceito de “pãozinho francês” ao admitir, para baixar o seu preço, que seja vendido por quilo e não mais por unidade. Antes era obrigatório que o pãozinho francês tivesse 50 gramas, agora não mais, segundo norma do Inmetro.

Além do mais, até que ponto essa suposta vantagem do pão francês 100% de trigo, de maior maciez e aspecto mais crocante na casca, não estaria sendo obtida por meio da adição do bromato de sódio? Elemento cancerígeno e já proibido pelo Governo. E essa adição, estaria correta?

E o que dizer do temido glúten? O trigo é o cereal mais rico nessa proteína, que transforma-se em uma espécie de cola nas paredes intestinais, com o passar do tempo provoca saturação do aparelho digestivo, aumento da gordura do abdômen, dores articulares, alergias cutâneas e depressão. Poucos sabem ainda que o trigo contém propriedades narcóticas devido à presença de substâncias químicas psicoativas que se ligam a receptores opióides no sistema nervoso, ou seja, pode causar dependência. Por isso tanta gente não consegue viver sem um pãozinho todo dia.

A mandioca, além de não possuir glúten, é considerada um dos alimentos do futuro, importante fonte de carboidrato, rica em sais minerais, ferro, fósforo, potássio, fibras, vitamina C, vitaminas do Complexo B e fonte de substâncias eficazes contra o colesterol e com ação antioxidante.

Quero deixar claro que não se trata de uma batalha entre a mandioca e o trigo e sim de socorrer as milhares de famílias que estão ‘quebradas’ com a crise da mandiocultura no nosso Estado e precisam de solução urgente.

Mas, por outro lado, não podemos continuar assistindo passivamente o declínio e o desperdício de um potencial imenso no nosso Estado, enquanto uma parte da indústria do trigo se articula para derrubar políticas públicas em prol da mandiocultura com argumentos que buscam somente atender somente seus próprios interesses e a ganância do grande capital.

E agora que escrevi esse projeto, irei apresentá-lo à Casa de Leis e vamos aprofundar esse debate. Afinal, assumi essa luta, lancei mão do arado e não voltarei atrás.

(*) João Grandão, deputado estadual pelo PT

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