Precatórios: por uma agenda urgente de modernização
O precatório representa a fase final de uma longa jornada judicial: é o título executivo formado após decisão transitada em julgado contra um ente público, seja municipal, estadual ou federal. Para cidadãos e empresas que vencem suas demandas, ele simboliza a concretização — ainda que tardia — de um direito líquido e certo reconhecido pelo Poder Judiciário.
O problema é que, na prática, esse direito frequentemente se dissolve na morosidade estatal. Após a expedição do precatório, o credor ingressa em uma extensa fila cronológica que pode perdurar muitos anos. Mesmo quando o ente público finalmente libera os recursos, como no caso dos precatórios municipais no Estado de São Paulo, o valor é remetido ao DEPRE — Departamento de Precatórios do TJSP — para processamento e pagamento.
O DEPRE foi concebido para racionalizar a gestão dos precatórios. Contudo, sobrecarregado por um volume crescente de demandas, carência de pessoal e ausência de modernização administrativa, o órgão não consegue dar vazão aos milhares de processos que recepciona. Na prática, o que se vê é a máquina pública engolindo direitos fundamentais dos credores, impondo-lhes sucessivos atrasos e incertezas.
A eleição da nova cúpula do Tribunal de Justiça de São Paulo para o biênio 2026/2027 abre, portanto, uma oportunidade significativa para repensar práticas internas e estabelecer diretrizes mais alinhadas ao momento político, tecnológico e institucional que vivemos. Alguns caminhos são urgentes e factíveis:
1. Coordenação exclusiva do DEPRE por um desembargador
O atual modelo, em que o magistrado acumula a coordenação do departamento com suas funções regulares na Câmara, limita a atuação estratégica. Um dirigente em dedicação integral permitiria maior responsabilização, visão sistêmica e eficiência.
2. Contratação de consultoria externa especializada
Mapear fluxos internos, identificar gargalos e redesenhar processos com apoio técnico-profissional é medida essencial para modernizar o departamento. O uso intensivo de tecnologia, incluindo soluções de IA, é compatível com o princípio constitucional da eficiência e indispensável para conferir celeridade.
3. Plano estruturado de carreira e incentivos para servidores
A definição de metas, treinamento contínuo e avaliação objetiva de resultados pode elevar o desempenho do órgão, gerar engajamento e reduzir a assimetria entre demanda e capacidade operacional.
4. Inclusão efetiva de estagiários e programas de formação
Integrar estagiários ao ambiente técnico, com acesso a cursos de capacitação, favorece a formação de novos quadros e auxilia na execução de tarefas administrativas, sem perda de qualidade.
5. Parcerias institucionais com a Corregedoria e cartórios extrajudiciais
Muitos atrasos decorrem da necessidade de revalidação de cadeias de cessão. Delegar aos cartórios a conferência prévia desses documentos — mediante convênios e normas de cooperação — reduziria significativamente o retrabalho e desafogaria o DEPRE, ao mesmo tempo em que ampliaria a segurança jurídica.
Modernizar o DEPRE-SP não é apenas uma medida administrativa. É uma exigência de justiça, de responsabilidade institucional e de respeito aos direitos fundamentais. A nova direção do TJSP tem, diante de si, a oportunidade de inaugurar um ciclo de eficiência, transparência e inovação que fará diferença concreta na vida de milhares de cidadãos e empresas.
Os desafios da gestão de precatórios são complexos e multifatoriais, mas não intransponíveis. Compete ao Poder Judiciário, dentro de sua esfera de atribuições, oferecer soluções inovadoras, céleres e coordenadas para atender aos milhares de credores que aguardam o cumprimento de decisões definitivas.
Além do impacto jurídico e social, há importante dimensão econômica. Hoje, os precatórios vinculados ao DEPRE são corrigidos pelo IPCA, especialmente em virtude do advento da EC 136/2025, cuja média anual gira em torno de 4,68%. Já uma aplicação conservadora no mercado financeiro pode alcançar rentabilidade próxima a 14% ao ano. Isso significa que, enquanto o crédito permanece represado, o credor sofre uma desvalorização real aproximada de 9,5% ao ano.
Se considerarmos a taxa de juros a longo prazo no patamar atual, em 10 anos o poder de compra do precatório acaba se aproximando de zero, confirmando, portanto, um calote implícito aos credores embutido na nova correção estabelecida pela EC/2025.
Portanto o alongamento do prazo de pagamento dos precatórios em virtude da emenda, em termos financeiros, legaliza o calote dos entes federativos repassando aos cidadãos um ônus que não lhe pertence.
Esse cenário compromete a segurança jurídica, penaliza ainda mais o credor — que já enfrentou anos de litígio — e desestimula o mercado secundário de precatórios, responsável por dar liquidez ao sistema e aliviar a pressão sobre os credores.
(*) José Maria Franco de Godoi Neto é advogado.
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