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Todos querem matar os professores

Por Nelson Pedro-Silva (*) | 28/04/2018 12:19

Quem é esse cavaleiro do apocalipse, anjo ou deus que todos precisam exterminar a qualquer custo?

Refiro-me aos professores. É evidente que nem todas as pessoas os desvalorizam. Assim, o emprego do “todos” aqui é apenas um provocação e um grito de socorro de um docente que está funcionando à maneira do Angelus Novus de Paul Klee, interpretado pelo historiador Walter Benjamin (1892-1940) como alegoria de alguém que, ao olhar para trás, só vê escombros.

Por quê?

1. O piso salarial dos professores foi reajustado acima da inflação em 2018, para R$ 2.455,35 (40 horas semanais de trabalho). Engana-se, contudo, quem julga que é um bom salário, considerando a renda da quase totalidade da população brasileira ativa. Além de não sê-lo, está muito longe da meta 17 contida no PNE que estabelece que os profissionais das redes públicas da educação básica devem ter o mesmo rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente. Acontece que eles recebem em torno da metade do que é previsto para outros profissionais com escolaridade semelhante.

Somam-se a isso as seguintes indagações:

Quem suporta uma jornada de trabalho dessa, com salas que tem, em média, 30 estudantes (na sua grande maioria, insolentes ou desinteressados), desempenhando o seu ofício em condições estruturais de trabalho péssimas ou, no limite, regulares, com formação deficitária, desatualizada, “vigiada” e desprestigiada?

Quem aguenta desempenhar essa bela profissão, quando se sabe que os pais ou os responsáveis pelos educandos têm transferido a tarefa educativa aos professores, mas não a autoridade correspondente (isso quando eles a possuem)?

Quem consegue desempenhá-la, tendo que concorrer com os meios de comunicação de massa, sobremaneira com whatsapp, facebook e instagram?

Além disso, mesmo com citado piso salarial, conforme dados da CNTE, só em 2016 mais de 50% dos estados brasileiros o descumpriram (inclusive São Paulo) ou não implantaram plano de carreira docente.

Mais ainda: não satisfeitos, o Governo do Estado de São Paulo pretende aumentar em 10% a quantidade de vagas em cada nível de ensino, perfazendo, com isso, uma média de 33 estudantes no Ensino Fundamental I, 38 no Fundamental II e 44 no Médio.

Diante desses dados e da proposta, o que pensar acerca do status que os governantes dão à Educação?

O mais curioso, intrigante e um dos piores castigos que aplicamos aos pais/responsáveis dos escolares é decretar a suspensão das aulas, por apenas um dia, em defesa do ensino público e de qualidade. Esse raciocínio é tão procedente que o período de maior sofrimento para as progenituras – segundo depoimentos deles próprios – é quando os filhos estão em férias escolares.

Ora, se os próprios pais que (em tese) têm autoridade, além de força física e poder econômico, não conseguem dar conta do processo educativo ou do cuidado de um único filho por seis horas, por que se transformam em verdadeiros “loucos”, como eles próprios costumam dizer, quando os docentes aplicam sanções objetivando fazer com que seus filhos estudem e se comportem de maneira minimamente civilizada? Afinal, para a efetivação do processo educativo, a colocação de limites, a frustração, a castração (psicanaliticamente falando), ou seja, a educação é condição sine qua non para a existência de uma sociedade civilizada.

3. Em junho de 2017, o Inep apresentou dados sobre a remuneração média dos docentes da educação básica do país. Resultado: a maior média salarial por 40 horas semanais é a dos docentes da rede federal (em geral, R$ 7.767,94); seguida pelos da estadual (R$ 3.476,42), os da municipal (R$ 3.116,35) e o das escolas particulares (R$2.599,00), outrora concebidas como sinônimo de pagamento de salários dignos.

4. Quanto ao ensino em nível municipal, a situação não é muito diferente. O atual prefeito da capital de São Paulo (Sr. Dória) enviou projeto à Câmara dos Vereadores propondo o aumento da contribuição previdenciária de 11% para 14%, com o argumento do déficit e de uma tendência nacional. Não sou favorável à defesa de privilégio algum para qualquer segmento de trabalhadores. Todavia, como melhorar a educação, sobremaneira a Básica, se um dos elementos principais da equação – os docentes – será mais uma vez penalizado com o aumento desses descontos no seu já combalido salário?

5. Da outra margem do rio, parafraseando o escritor Guimarães Rosa (1908-1976), os empresários podem ter até 20% de desconto na compra de veículos automotivos e os produtores rurais de 15% – independentemente de ele ser pequeno, médio ou grande agricultor –, além de ter a possibilidade de condições diferenciadas para pagamento do referido bem.

Tenho ciência de que foi proposto um projeto de lei visando possibilitar esse benefício, também aos docentes. Evidentemente, como parece que os líderes congressistas julgam tal matéria não prioritária, sabe-se lá quando ela será apreciada. Entretanto, quanto ao auxílio aos docentes, eu nem chegaria a esse ponto. Bastaria que tivéssemos – pelo menos, como medida paliativa – vale compra de livros. É interessante: todos os anos há universidades que encaminham planilhas para que indiquemos quais obras devem ser adquiridas. Todavia, como podemos indicá-las, se o salário pago sequer possibilita a assinatura de um grande jornal matutino?

6. Diferenças salariais, de condições de trabalho e de prestígio entre professores de escolas públicas e particulares; federais, estaduais e municipais, entre os que exercem docência no Ensino Básico, Médio e Superior, em tempo parcial e integral, entre os que lecionam as disciplinas clássicas (Língua Portuguesa, Matemática e Ciências Naturais) e os da área de Humanidades e de Educação Física.
7. Somos vistos pelos outros profissionais com “um dó” ou, mesmo quando concebidos de modo especial, sempre se escuta o complemento: é uma pena que ninguém valoriza o professor.

8. Segundo a Fundação Varkey Gems, o Brasil é o penúltimo país em matéria de valorização do professor (só ganhamos de Israel). Curiosamente, os maiores salários são pagos, entre outros países, por Canadá, Dinamarca, Bélgica, Austrália e Coreia do Sul (a média é de US$ 48.181). Isso significa provimento de aproximadamente R$ 12.600,00 por mês.

Quanto aos países que mais valorizam os docentes, tem-se, por ordem decrescente, entre outros: China, Turquia, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Singapura, Holanda, EUA e Reino Unido. É quando você vê quais são a) as maiores economias do mundo, b) a melhor qualidade de vida, c) os menores índices de violência, d) as nações que mais se desenvolvem social e economicamente, e) os menos corruptos e com menor concentração de renda, as pessoas “não parecem buscar a compreensão” que para chegar a tal nível, deve-se passar necessariamente por dois aspectos: valorização social e financeira do professor (até para que se torne uma profissão atraente) e a cobrança por resultados.

8. Apesar da influência de outras agências socializadoras (mass media, Comunidade, escola, templos religiosos, associações, entre outros), como consequência, acaba-se por deparar com contingente considerável de alunos desrespeitosos e que, no limite, só querem que os professores satisfaçam seus interesses, como ficar conversando em aula, enquanto o professor está falando, entabular conversas por meio do whatsapp, saindo da aula, desrespeitando horários, não estudando, colando, além de não apresentar interesse pela aquisição de cultura geral e de atualidades, entre outros aspectos.

Como disse o filósofo Pascal Bruckner (1948-), a escola deixou de ser o templo do saber e passou a ser o templo do prazer. Nossa época cessou de idolatrar o estudo e a instrução. Seus astros estão em outros lugares [...] e não existe quase mais nada da vergonha que assolava, recentemente, o mau aluno, o inculto. Pelo contrário, ei-los que reinam na mídia, novos reis preguiçosos, que, longe de corarem de não saber nada, se orgulham disto. [Ainda mais,] Não satisfeitos em ridicularizar as instituições educativas formais, objetivam espezinhá-las e provar que prestígio social e financeiro não dependem e não passam mais por esses templos do conhecimento.

Por fim, tem-se o desejo do atual presidente dos EUA, por causa dos recentes e tristes acontecimentos de crianças e docentes mortos por alunos. Ao invés de proibir a venda de armas, recorre a segunda emenda da sua Constituição e, no lugar de bani-las, faz a proposta para que os professores ministrem aulas armados ou, no limite, tenham à disposição tal instrumento para defender a si e aos seus alunos.

Como temos o hábito de copiar tudo o que é proposto pelo American way of life, não será de se estranhar que algum parlamentar ou até mesmo a população (inclusive parte dos docentes) venham a propor uma lei nesse sentido. Com isso, ele passará a ser agente de segurança, além de exercer a função de cuidador, educador, faxineiro, pintor, construtor, entre outras atividades.

Diante disso, proponho para algum candidato a oficialização das práticas governistas de extermínio dos professores, contanto que não seja de maneira mais cruel do que a atual. Quem sabe, ele acabará saindo vitorioso, pois até nas guerras, segundo o artigo 4 da Convenção de Genebra, se obedece a um código quando um inimigo é capturado.

Talvez eu esteja sendo patético e/ou sendo exagerado, só não sei o quanto. Convido o leitor ou a leitora a refletir sobre o assunto e parabenizo pelo Dia da Educação, pois, como cantarola Chico Buarque (1944-), apesar de você [políticos que não valorizam a educação] amanhã há de ser um novo dia.

(*) Nelson Pedro-Silva, Professor Doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano. Especialista no estudo do bullying e no desenvolvimento ético/moral de crianças e adolescentes. E-mail: nelsonp1@terra.com.br. 

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