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Um amplo relato sobre as fábricas de fake news no Brasil e no mundo

Luiz Roberto Serrano (*) | 18/08/2020 20:40



“A verdade é que linchamentos virtuais funcionam como uma censura informal. Toda vez que vou escrever uma reportagem investigativa que envolve o governo, respiro fundo e imagino o que pode vir do outro lado. Será que vão ultrajar pessoas da minha família ou fazer memes obscenos? Penso várias vezes se vale a pena. E suponho que vários jornalistas estejam experimentando a mesma sensação e de alguma maneira acabem se autocensurando.”

A frase acima está no livro A Máquina do Ódio, da experiente e reconhecida jornalista Patrícia Campos Mello, modestamente classificado na capa como “Notas de uma repórter sobre fake news e violência digital”.

Com 294 páginas, em formato de livro de bolso (120x180mm), é uma ambiciosa reportagem descritiva e analítica que relata histórias e experiências pessoais da jornalista e descreve o preocupante e assustador ambiente brasileiro e internacional onde se criam e distribuem fake news e os propósitos de seus mentores.

Com 25 anos de carreira, formada em Jornalismo pela ECA-USP, Patrícia foi correspondente de O Estado de S. Paulo em Washington e atualmente é colunista e repórter especial da Folha de S. Paulo. Realizou incontáveis coberturas internacionais. E, entre outros importantes prêmios, acabou de receber o cobiçado Moors Cabot, da Columbia University, nos EUA, que abriga um dos mais respeitados cursos de jornalismo do mundo.

No dia 18 de outubro, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição presidencial de 2018, em que Jair Bolsonaro e Fernando Haddad estavam na disputa, Patrícia iniciou a publicação, na Folha de S. Paulo, de reportagens mostrando que empresas haviam contratado o envio de milhares de mensagens eleitorais, via WhatsApp, atacando a candidatura do PT.

Foram ações ilegais, pois a legislação eleitoral não permite tal iniciativa, mesmo que tenha sido financiada diretamente por empresas, sem que os recursos trafegassem por comitês eleitorais da campanha do candidato, no caso a de Bolsonaro.

A partir desse momento a vida de Patrícia virou um inimaginável inferno, pois sobre ela e sua família desabaram e se espalharam pelas redes sociais grosseiríssimas mensagens de desqualificação pessoal, moral, profissional, que são corajosamente relatadas no livro.

A tempestade que desabou sobre Patrícia explica o parágrafo do livro que inicia este texto. Mas a própria publicação do livro mostra que ela não se deixou abater e foi à luta, que é amplamente relatada no livro.

Sua publicação não poderia ser mais oportuna. Ao condensar em suas páginas o amplo relato de como as máquinas do ódio agem e distribuem suas nefastas fake news pelo Brasil e pelo mundo, dá uma valiosa contribuição para os debates sobre uma legislação para coibir sua distribuição que são travados, no momento, no Congresso brasileiro.

O Brasil deverá ter eleições municipais em novembro próximo, e o resultado disso terá fundamental importância para a administração dos mais de 5 mil municípios brasileiros e também para o quadro político/partidário da próxima disputa presidencial em 2022 , quando também serão eleitos ou reeleitos governadores, deputados federais e parte dos senadores.

O livro de Patrícia recorda como as mídias sociais e as fake news tiveram papel decisivo nas últimas eleições estadunidenses, que levaram Donald Trump à Casa Branca e também em pleitos na Índia e na Hungria, que escolheram líderes nacionalistas autoritários para comandá-las. Há lições a aprender nesses relatos sobre o papel das mídias sociais em eleições.

Os mandatários acima citados, eleitos por poderosos sistemas de distribuição de fake news, também empenham-se com vigor em desclassificar a mídia profissional, sem esconder seu objetivo final de ultrapassá-la como fonte de informação para a sociedade e inundá-la com notícias só de seu agrado, asfixiando o debate democrático.

O combate às fake news é essencial para a democracia, assim como o uso positivo e bem-intencionado das mídias sociais, ampliando a discussão de ideias e projetos de toda natureza para o país, fortalece a democracia.

O debate sobre a regulação das mídias sociais, atualmente travado no Congresso, é delicado pois o tema é complexo. “A regulação, ao lidar com ferramentas e tecnologias de comunicação, pode afetar a liberdade de expressão e a privacidade. Portanto, a regulação deve ser muito cuidadosa e o debate, amplo”, afirmou Juliano Maranhão, professor do Departamento de Filosofia e Teoria do Direito da Faculdade de Direito da USP.

Mas é ingenuidade acreditar nos discursos em prol da liberdade de expressão dos porta-vozes das máquinas do ódio, pois basta acompanhar o que elas divulgam para constatar que são fontes de ultrajante desqualificação moral, pessoal, política etc., de adversários e dos que não concordam com suas ideias e propostas.

Liberdade de expressão nada tem a ver com libertinagem na expressão.

A Máquina do Ódio, livro de Patrícia Campos Mello, traça um amplo quadro de como elas não devem se confundir.

O debate em torno das fake news deve ajudar a construir um ambiente em que nenhum jornalista, como escreveu Patrícia, tenha de pensar duas vezes antes de escrever uma reportagem de denúncia, com receio de que a máquina do ódio desabe sobre a sua vida.

(*) Luiz Roberto Serrano, jornalista é superintendente de Comunicação Social da USP.


 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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