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Ciclo sem fim: a antiga rodoviária e o comércio que move o crime em CG

Com 416 furtos registrados em 6 meses, antiga rodoviária reflete ciclo do crime no centro

Por Gabi Cenciarelli | 28/06/2020 07:00
Ciclo sem fim: a antiga rodoviária e o comércio que move o crime em CG
Moradores de rua na região da antiga rodoviária (Foto: Osmar Veiga)

Na antiga rodoviária, em pleno centro de Campo Grande, um ciclo criminoso se repete há anos, sustentado por engrenagens silenciosas e invisíveis para quem passa rápido pela região. Mais do que os furtos, é a receptação — prática que, segundo as autoridades, tem papel central na manutenção da criminalidade na área — que alimenta esse ciclo difícil de romper.

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A região da antiga rodoviária de Campo Grande enfrenta um ciclo persistente de criminalidade, com 416 ocorrências de furtos de materiais como fios e cabos registradas no primeiro semestre de 2025. O local tornou-se um importante ponto de receptação, onde usuários de drogas furtam itens para venda a preços baixos. Comerciantes e moradores convivem diariamente com a insegurança. Segundo o delegado Danilo Mansur, da 1ª Delegacia, a solução requer ações integradas de investigação, prevenção e assistência social, incluindo políticas de acolhimento para usuários de drogas e moradores de rua.

Objetos de pouco valor, como escadas, ferramentas, bujões de gás, ventiladores e até ferros de passar, são furtados de comércios, casas ou prédios abandonados e vendidos por valores irrisórios a comerciantes que atuam à margem da lei. Essa prática, aparentemente banal, se tornou um elo crucial em uma cadeia que movimenta o tráfico de drogas, estimula a violência urbana e dificulta qualquer resposta eficiente do poder público.

De acordo com o delegado Danilo Mansur, da 1ª Delegacia de Campo Grande, apenas entre janeiro e junho de 2025, 24 comércios do centro da capital foram alvo de prisões por receptação. Para ele, o problema é alimentado por um sistema muito mais organizado do que parece. “Temos investigações não só na antiga rodoviária, mas em toda a área central. Organizações criminosas estruturadas se aproveitam da vulnerabilidade de usuários de drogas e da precariedade do local para manter esse comércio ilegal”, afirma.

Ciclo sem fim: a antiga rodoviária e o comércio que move o crime em CG
Andarilhos no centro (Foto: Osmar Veiga)

Mesmo com a atuação constante da Polícia Civil, Polícia Militar e Guarda Municipal, a legislação penal branda dificulta a prisão prolongada dos receptadores, o que mantém o problema ativo. “Quando um receptador é preso, outro assume seu lugar rapidamente”, detalha o delegado.

Além disso, dados da Polícia Militar mostram que, só na região da antiga rodoviária, entre maio de 2024 e maio de 2025, foram registradas 9 ocorrências de receptação, 53 furtos, 21 ocorrências de tráfico de drogas e 68 prisões.

Esses números escancaram a engrenagem do crime: usuários de drogas, em busca de dinheiro rápido, furtam objetos de pequeno valor, como fios, ferramentas e eletrodomésticos. Os itens são vendidos por valores irrisórios a receptadores que atuam abertamente na região, e depois revendidos com lucro. Assim, essa cadeia ilegal se retroalimenta, fortalece o tráfico e torna a rotina dos pequenos furtos constante.

Ciclo sem fim: a antiga rodoviária e o comércio que move o crime em CG
Aspirante Hickmann em entrevista com o Campo Grande News (Foto: Osmar Veiga)

Mesmo com policiamento ostensivo, o problema não é recente. Entre janeiro e junho de 2025, foram registradas 416 ocorrências só de furtos de fios de cobre, fibra ótica, cabos telefônicos e de cobre na região central, número que reforça o papel da receptação como elo essencial para a continuidade do crime.

Segundo o aspirante Hickmann, do 1º Batalhão da PM, a região central é hoje a mais bem policiada da cidade, com patrulhamento reforçado pela Operação Sinergia e presença constante de viaturas. Ainda assim, ele reconhece os limites da atuação: “Mesmo sem fazer abordagens sem suspeita e respeitando a dignidade das pessoas, os andarilhos da rodoviária são abordados todos os dias, e muitas facas e objetos são apreendidos”, afirma. Segundo ele, são realizadas entre 150 e 200 abordagens por dia no centro.

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Caixa de armas brancas apreendidas em abordagens no centro (Foto: Osmar Veiga)

A voz de quem vive a insegurança - Comerciantes e moradores convivem diariamente com a sensação de insegurança e a repetição dos furtos. Heitor Figueiredo, gerente de um hotel na área há mais de 30 anos, relata que o crime afeta até mesmo objetos simples, como ferramentas e escadas, que, embora de baixo valor, causam prejuízos e desconforto.

“Já levaram bujão, escadas, ferramentas... São coisas que trocam por droga ou vendem, e o fluxo desses criminosos parece não ter fim”, afirma. Ele também relata que muitos produtos furtados são oferecidos para venda na região. “Eles passam oferecendo, mas não compramos porque sabemos que é crime.”

Alexandre Cauê, comerciante vizinho a um ferro-velho, denuncia que receptadores atuam abertamente, perpetuando o ciclo. “À noite, o barulho de ferro batendo vai até tarde. Eles roubam tudo que dá para vender”, conta.

O medo paralisa a comunidade, dificultando denúncias e enfrentamento do problema. “É um problema antigo que só piora. Ninguém quer se envolver por medo da retaliação. É como uma sujeira escondida debaixo do tapete, que afeta toda a comunidade”, lamenta Alexandre.

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Alexandre em entrevista com o Campo Grande News (Foto: Osmar Veiga)

Um ciclo que alimenta vício e violência - Há uma ligação clara entre o comércio ilegal e o consumo de drogas. Segundo o delegado Mansur, a maioria dos autores dos furtos são dependentes químicos, muitos usuários de crack, moradores de rua ou egressos do sistema prisional, que reincidem por falta de políticas públicas efetivas.

“Eles furtam para vender e comprar droga. Sem compradores, talvez esse ciclo diminuísse, mas infelizmente tem gente que o alimenta”, destaca Alexandre. Heitor reforça: “Eles furtam qualquer coisa que consigam vender barato. O comércio ilegal dá força e sentido para os furtos e para o tráfico.”

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Heitor em entrevista com o Campo Grande News (Foto: Osmar Veiga)

Medo, conivência e ausência de políticas públicas - O medo da população e a ausência de políticas públicas eficazes dificultam o rompimento desse ciclo. Moradores e comerciantes sentem-se abandonados e inseguros, o que limita a participação comunitária no enfrentamento do crime.

Para o delegado Mansur, a solução requer ações integradas, que incluam investigação, prevenção e assistência social. “É essencial criar políticas de acolhimento para usuários de drogas e moradores de rua, com atendimento psicológico, médico, educação e profissionalização. Sem isso, a segurança pública fica limitada.”

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Pessoas que moram na região da antiga rodoviária (Foto: Osmar Veiga)

Um chamado à ação - Esse problema não é pontual, mas profundamente enraizado na estrutura social local — uma realidade que assusta e silencia quem vive na região. Romper essa cadeia exige coragem política, recursos e um compromisso real com a dignidade das pessoas afetadas.

“É um problema complexo e sistêmico, que só será resolvido com ações conjuntas. É necessário que exista, na região central, um local onde usuários de drogas e moradores de rua sejam acolhidos com dignidade. Um local onde eles tenham alimentação, atendimento psicológico, religioso, médico e educacional. Um local que lhes ensine uma profissão e os remunere com serviços prestados”, conclui Mansur. Enquanto isso, a comunidade aguarda uma resposta que traga esperança e segurança para um lugar que já foi pulsante, mas que hoje vive à sombra do crime.

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