ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MAIO, QUARTA  08    CAMPO GRANDE 23º

Cidades

Na corrida armamentista de MS, campeã de vendas é pistola de R$ 4 mil

Dados da Polícia Federal mostram aumento inédito no registro de novas armas no Brasil e em Mato Grosso do Sul

Izabela Sanchez | 10/07/2020 13:03
Pistola e acessórios roubados de uma casa em Dourados em maio (Foto: Divulgação)
Pistola e acessórios roubados de uma casa em Dourados em maio (Foto: Divulgação)

O Brasil se arma três vezes mais do que se armou nos últimos cinco anos. É o que mostram os dados da Polícia Federal, que indica 73.985 novas armas registradas de janeiro a junho deste ano em todo o país. Em Mato Grosso do Sul foram 1.226 armas registradas até junho, três vezes mais do que foram registradas no mesmo período em 2019. O reflexo é o boom do mercado e por aqui, a preferida é a pistola semiautomática, que custa cerca de R$ 4 mil.

O mês de maior pico no registro de novas armas de fogo junto à polícia federal foi em maio, com 368 novas unidades. Em todo o ano de 2018 foram 326 novas armas registradas. De janeiro à junho de 2019, 193 armas.

Os números acompanham o clima bélico na política, já que o uso da arma de fogo voltou às tribunas do país com toda força e foi parte do mote que elegeu Jair Bolsonaro (sem partido) à presidência. No ano passado, uma série de decretos avançou e em seguida retrocedeu no assunto, e por fim, o governo enviou projeto ao Congresso, que ainda não virou lei.

De qualquer modo, qualquer cidadão comum deve ser avaliado na Polícia Federal para ter uma arma. Mesmo com flexibilização, o processo tende a ser rígido e demorado.

Em Mato Grosso do Sul foi justamente o “cidadão comum” o maior proprietário das novas armas registradas em 2020, segundo dados da Polícia Federal. Em seguida, os servidores públicos que tem porte por prerrogativa da função, a exemplo dos policiais.

Só este ano, até junho, 1.226 novas armas (Arte: Thiago Mendes)
Só este ano, até junho, 1.226 novas armas (Arte: Thiago Mendes)

Em tese, parte dos decretos de Bolsonaro ainda valem, mas não deixam de seguir a lei máxima sobre isso no Brasil: o Estatuto do Desarmamento, de 2003.

É preciso lembrar que posse é diferente de porte. A posse é manter a arma em casa ou no local de trabalho – se a pessoa for o responsável legal da empresa -, e o porte, é levá-la por aí.  Praticamente, ainda hoje, apenas agentes públicos tem essa autorização de porte.

O próprio Estatuto já determina que a posse é permitida “para quem apresenta efetiva necessidade”, tem mais de 25 anos, sem antecedentes no crime, residência comprovada, ocupação profissional, capacidade técnica e aptidão psicológica. Todos esses requisitos são avaliados pela Polícia Federal, que dá a palavra final no pedido de posse.

O porte chegou a ser flexibilizado para uma série de categorias em decreto de maio, mas em junho, novos decretos não especificaram categorias e apenas mantiveram a ampliação do porte para os chamados CACs (Colecionadores, Atiradores Esportivos e Caçadores). Diferente de outras categorias, quem autoriza, registra e acompanha os CACs é o Exército.

Essa categoria chama a atenção na discussão atual e foi alvo de projeto próprio no legislativo, que autorizou e regulamentou o porte. Atualmente, outra coisa que mudou são os tipos de armas permitidas, a quantidade e as munições, que também foram flexibilizadas por decretos e lei.

Agora, o novo debate se volta à investida do presidente sobre a fiscalização e o controle de munições. Bolsonaro revogou portarias que aprimoravam o rastreamento de armas e munições.

A matéria das portarias havia sido elaborada por um Comitê Técnico do Exército, depois de exigência do Ministério Público Federal e do Tribunal de Contas da União porque, na prática, as portarias serviam para dificultar o acesso do crime organizado a munições e armamentos que são exclusivos das forças policiais.

Excluídas logo depois de entrarem em vigor, a canetada repercutiu mal e o Exército lançou consulta pública que tem sido chamada de “fachada”, pois não foi divulgada e “ouviu” a sociedade apenas entre os dias 29 de junho e 5 de julho.

Mercado em MS – Em Mato Grosso do Sul, os números de registros, na maioria, são de armas novas de empresários. É o que explica Gilberto de Andrade, proprietário de uma loja que comercializa armas de fogo em Campo Grande há 40 anos.

Ele afirma que o aumento chamou a atenção com 50% a mais nas vendas, este ano, em relação aos anos anteriores. Gilberto conta que “desde o pequeno empresário até o grande fazendeiro de todas as regiões do Estado” fazem parte da clientela.

Balas de fuzil, parte de um arsenal de guerra que a Polícia Federal apreendeu de criminosos (Foto: Divulgação)
Balas de fuzil, parte de um arsenal de guerra que a Polícia Federal apreendeu de criminosos (Foto: Divulgação)

“Isso está acontecendo em virtude da insegurança, em virtude da fragilidade de hoje. Quanto maior a dificuldade de trabalho, maior o desemprego”, comenta ele, sobre o aumento da criminalidade, mas logo emenda “que óbvio que é justificativa”.

O que ele fala é o que também explicam levantamentos e especialistas: mais crise, mais crimes. “E aí as pessoas ficam amedrontadas, isso é a nível Brasil e mundial. Imagina, o cidadão, a insegurança que isso traz, ele tem que se precaver”, diz.

A preferida até agora, ao menos na loja de Gilberto, tem sido a pistola semiautomática, que custa R$ 4 mil, no mínimo. O motivo? A capacidade de disparos: de 10 a 19 tiros, diz Gilberto. Em segundo lugar, o clássico revólver calibre 38, mais em conta, de R$ 2,6 mil, mas que também pode ser encontrado em preços mais salgados de R$ 6 mil.

Arma é assunto sério – É o que comenta Gilberto, que faz questão de destacar que não é tão simples assim adquirir e que por aqui, "a Polícia Federal é rígida no controle". Essa rigidez, para ele, é o que faz com que os números de novos registros em 2020 sejam bem menores do que na região sul, por exemplo.

“Porque agora temos que ter muita precaução, arma é um assunto muito sério. Às vezes adquirir uma arma não é o melhor caminho. Todo cidadão que compra uma arma antes tem que ler, verificar a legislação, tomar todas as precauções efetivas, porque às vezes a pessoa acha que a arma vai ajudar, mas ela pode trazer muitas consequências”, comenta.

Por outro lado, Gilberto acha que toda a questão “tem muita politicagem”, e que os crimes que as pessoas acompanham na imprensa têm armas do “submundo”.

“Ter uma arma é atestado de boa conduta”, diz.

“Se você não tiver sua ficha criminal exemplar, não consegue. Essa politicagem de colocar como se todo marginal entrasse numa empresa e comprasse uma arma de fogo não ocorre. Tem que passar por exame psicológico, a federal é bem rigorosa, tem que comprovar que tem uma ocupação lícita”, elenca ele.

E por fim, não é todo mundo que tem R$ 4 mil sobrando. “A lei não mudou, continua as mesmas exigências. Antigamente, sem leis, o volume de arma que se tinha é muito maior em percentual do que hoje”, avalia ele.

Nos siga no Google Notícias