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Capital

Autista fica sem atendimento após Santa Casa suspender ambulatório psiquiátrico

Paula Maciulevicius | 14/10/2011 16:39

Apesar de Hospital não confirmar a suspensão, o ambulatório vai se descredenciar do SUS depois que a Santa Casa cortou repasse

“Eu vou ter que procurar a Defensoria. Ele precisa de um hospital que entenda o que é ser um autista, tudo que ele sente eu também sinto”. (Foto: João Garrigó)
“Eu vou ter que procurar a Defensoria. Ele precisa de um hospital que entenda o que é ser um autista, tudo que ele sente eu também sinto”. (Foto: João Garrigó)

A história de Marco Aurélio, de 26 anos e a luta do pai Deir Ferreira de Arruda, de 46, em criar sozinho o filho autista ganhou mais um obstáculo, a notícia de que a Santa Casa suspenderia o atendimento no ambulatório psiquiátrico, onde o jovem trata desde 2003.

Apesar da direção do Hospital não confirmar a suspensão, o ambulatório vai se descredenciar do SUS (Sistema Único de Saúde) depois que a Santa Casa cortou repasse. Segundo o Hospital, o atendimento foi suspenso apenas para as primeiras consultas até janeiro, porque os médicos estariam em recesso, informou a assessoria de imprensa.

A notícia vem em um momento de dificuldade para Marco Aurélio Arsamendes de Arruda. Há dois meses ele sofreu duas convulsões e tem tido problemas quanto à dosagem da medicação. Sem local para tratamento específico, o pai assiste de perto as reações dos remédios no filho. Acompanhando o autismo de Marco Aurélio desde que o garoto tinha 10 meses, Deir percebe quando a medicação está dando reação.

“Ele toma os remédios e tem efeito contrário, quando sente dor ele se machuca”, conta Deir.

Na casa simples, no bairro Jardim Ametista, Marco Aurélio recebe o Campo Grande News com pulos, o que segundo o pai é típico do comportamento autista. Magro, vestindo uma bermuda e calçando chinelos, o jovem senta em uma cadeira na varanda, como quem olha o movimento.

“Meu filho não faz mal a ninguém”, diz o pai.

Com receitas e prontuários em mãos desde 2003, Deir mostra a dedicação exclusiva ao filho e a busca pelo tratamento adequado.

“Eu preciso do acompanhamento na Santa Casa, já passei outras internações, nunca ninguém quis ficar. Procurei a Pestalozzi, para o tratamento multidisciplinar, mas pelo que eu senti eles só queriam crianças”, conta.

“Dá reação, ele fica mais agitado daí tem que trocar o remédio e eu preciso comprar outro. O SUS não tem, eu que compro”. (Foto: João Garrigó)
“Dá reação, ele fica mais agitado daí tem que trocar o remédio e eu preciso comprar outro. O SUS não tem, eu que compro”. (Foto: João Garrigó)

A suspensão do atendimento foi anunciada pelo próprio médico. “Ele disse que não ia mais poder atender, que eram critérios que a Santa Casa adotou. Isso depois da verba milionária que veio?” questiona Deir.

O pai relembra o dito na última consulta, dia 07 de outubro. “Além de dar a notícia de que meu filho estava mal, ele disse que teria outra ruim, que o atendimento será suspenso e que eles tinham que acatar ordens”, diz.

Desde então, o menino que está gripado e com um pouco de alergia segue sem atendimento. Quanto aos medicamentos, o pai fala que perdeu as contas do quanto gasta.

Com uma sacola cheia de remédios, ele exemplifica. “Dá reação, ele fica mais agitado daí tem que trocar o remédio e eu preciso comprar outro. O SUS não tem, eu que compro”, relata.

A dificuldade surge também na hora de sair para comprar. “Ele fica nervoso e isso pode fazer com que ele tenha convulsão, como ele não fala eu não posso nem trabalhar. Para sair eu dependo de ajuda, alguém precisa ficar com ele e ninguém fica sem pagar”, diz.

Deir sustenta a casa com o benefício do INSS do filho. O direito que ele tem pode ser cassado caso o pai comece a trabalhar e mude a condição financeira.

“Eu fiz um bico de dois meses ano passado e me tiraram. Eu tive que entrar na Justiça Federal e mesmo assim eles descontam do benefício”, desabafa.

O pai estudou até o ensino médio, mas chegou a ter cargos privilegiados. Foi chefe de departamento pessoal e gerente. “Minha vida agora é assim, me perdi da sociedade, eu não tenho vida social, não passeio. Eu vivo aqui”, comenta.

Cuidadosamente o pai dá banho, comida e troca as roupas do filho. Em certas épocas, o jovem precisa usar fraldas que saem em média R$ 24 o pacote.

Na estante da cozinha uma curiosidade que Deir descobriu com a ajuda de outros pais de autistas, pela internet. “Eu descobri que a alimentação pode influenciar nas convulsões. Então eu uso muita linhaça, óleo de soja, mas não foi nada aqui na cidade, nem de médico, a ajuda veio de outros estados”, cita.

O auxílio veio também em bens materiais. A cama e o fogão foram doados por pais de autistas que trocam experiências em uma comunidade da internet.

Em Campo Grande mesmo o suporte é precário. A peregrinação em busca de atendimento faz com que o pai ressalte que tanto o hospital Universitário como o Regional não tem capacidade para atender pacientes autistas. “Sedaram ele, em vez de atender certo. Tem que ser quem conhece, no caso a Santa Casa. Não adianta dar remédio para acalmar, que dá o efeito contrário”, explica.

O drama do pai ao ver os efeitos colaterais se torna uma angústia ainda maior perante a suspensão da Santa Casa. “Quem pode dizer sobre o medicamento é a pessoa especializada para atender. Eu não sei o que fazer, desenvovi a síndrome do cuidador, comecei a ter doenças como pressão alta, que antes não tinha”, considera.

A dor de saber que se o filho tiver uma convulsão e precisar trocar de remédio, não vai ter para onde ir, magoa Deir.

“Eu vou ter que procurar a Defensoria. Ele precisa de um hospital que entenda o que é ser um autista, nem o Caps tem atendimento. Tudo que ele sente eu também sinto”, finaliza.

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