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Capital

Com lei branda e Poder Público inerte, pichadores agem livremente

Antonio Marques | 29/04/2016 14:13
As pichações podem ser vistas em diversos locais da Capital (Imagem: Marcos Ermínio)
As pichações podem ser vistas em diversos locais da Capital (Imagem: Marcos Ermínio)

Por ser um crime de menor potencial ofensivo, que não leva o infrator para a cadeia, no máximo, podendo obrigá-lo a pagar cesta básica ou cumprir serviço comunitário, a pichação de fachadas em Campo Grande continua trazendo prejuízo para comerciantes e moradores, especialmente, na área central. Uma lei municipal de 2013, que poderia coibir a ação contra o patrimônio, nem regulamentada foi até o momento, enquanto até a polícia reconhece a dificuldade de pegar os pichadores.

A situação pode piorar se o Congresso Nacional aprovar um projeto de lei que, há exato um ano, recebeu aval da Câmara dos Deputados. Ele prevê a extinção de pena de prisão para pichadores, transformando a penalidade em cumprimento de serviços comunitários por, no máximo, 10 meses em caso de reincidência, “preferencialmente em ações de conservação de edificações, patrimônio ou vias públicas”, descreve o projeto, que aguarda aprovação no Senado.

Atualmente, os pichadores estão sujeitos à Lei 12.408/2011, que prevê pena de detenção de três meses a um ano, mais multa. No entanto, o titular da Decat (Delegacia Especializada de Repressão a Crimes Ambientais e de Proteção ao Turista), delegado Wilton Vilas Boas, admite que dificilmente as pessoas que são pegas na prática desse crime fica detida. “Normalmente, quando são capturados, não não autuados em flagrante, assinam um termo de compromisso para comparecer ao juiz e são liberados”, comentou.

O delegado explica que, geralmente, o juiz aplica uma penalidade e o promotor faz uma transação penal, trocando a pena pelo serviço à comunidade. “Isso acaba não surtindo efeito, pois o crime não para”, observa Wilton Vilas Boas, que recebe ocorrências toda semana sobre pichações de fachadas de empresas, geralmente no centro da cidade.

Na tentativa de coibir essa infração, o delegado abriu um inquérito no ano passado com o propósito de investigar de forma mais global e identificar os vários grupos de pichadores. Para ele, essas pessoas agem em parceria e fazem apologia ao crime em suas pichações. “Estamos trabalhando para autuá-los por apologia ao crime e organização criminosa, por agirem em grupo na prática de fato criminoso”, explica Vilas Boas.

Se conseguir êxito neste inquérito, o delegado acredita que vai pode aumentar a penalidade para os pichadores, podendo chegar a até cinco anos de detenção, por conta do enquadramento dos vários crimes associados. “Hoje o que vimos é o prejuízo acumulado para os comerciantes e moradores. Muitos nem fazem mais boletim de ocorrência”, comentou Villas Boas, acrescentando que no centro da cidade, o empresário deve gastar, no mínimo, R$ 4 mil para refazer uma fachada.

A impunidade está levando os pichadores a criarem páginas na rede social do Facebook para mostrarem fotos e vídeos das pichações e até a debaterem as ações a serem realizadas por eles. Um dos perfis, denominado "Muita Treta", foi criado em janeiro passado e já soma mais de dois mil seguidores, que acompanham as imagens que eles chamam de "grapichos".

Legislação - Uma medida para coibir essa prática contra o patrimônio público e particular foi proposta pelo vereador Eduardo Romero (Rede) e virou lei municipal, sancionada em 2013 pelo prefeito Alcides Bernal (PP), mas que até hoje ainda não foi regulamentada pelo Poder Executivo.

Para o parlamentar, a ideia foi aprimorar o que determina a legislação em vigor, mas com a preocupação de oferecer medidas preventivas para que as crianças e adolescentes cresçam respeitando o patrimônio público e privado, “que tenham conhecimento de outras manifestações artísticas para evitar a pichação ao patrimônio”, explica Romero.

Além de estabelecer parâmetros de normatização para as livres manifestações artísticas e plásticas urbanas, com possibilidade de viabilizar espaços específicos nos bairros e na região central, a lei também prevê a inserção da temática nas escolas e Ceinf's (Centro de Educação Infantil).

Conforme a lei, as escolas municipais e Ceinf's deveriam incluir no regulamento interno advertências de que pichar é crime, além de fixar cartazes nos prédios para conscientizar sobre a preservação do patrimônio público.

O Poder Público, seguindo a nova legislação, também deveria incentivar por meio das unidades escolares projetos educativos relacionados à cultura e linguagens urbanas, e disponibilizar área especial para a livre manifestação das expressões urbanas, como o grafite, o estêncil, o painelismo e o muralismo.

O delegado Villas Boas também defende que uma forma de prevenção à prática de pichação deva acontecer no âmbito educacional, seja na escola ou na família. “Se as crianças e jovens receberem uma educação para respeitarem o patrimônio alheio, eles vão pensar muito antes de cometer essa infração”, lembra ele.

Portas de lojas da região central da Capital são os alvos preferidos dos pichadores (imagem: Marcos Ermínio)
Portas de lojas da região central da Capital são os alvos preferidos dos pichadores (imagem: Marcos Ermínio)

Dentre as medidas para reduzir a ação dos pichadores, a lei municipal reforça a determinação da legislação nacional, que proíbe a comercialização de splays de tintas, usadas na pichação, para menores de 18 anos, além de exigir a identificação do comprador desses produtos na nota fiscal de venda.

Se a lei estivesse em vigor, a fiscalização deveria ser feita pelo Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano) e pela guarda municipal.

O autor de lei municipal diz que vai cobrar novamente do Poder Executivo e do MPE (Ministério Público Estadual) a regulamentação da legislação, uma vez que deveria ter ocorrido 90 dias após sua publicação, 06 de novembro de 2013.

Enquanto isso, os casos como o da dona da casa de aviamentos, Elce Barbosa, 64 anos, que há menos de um mês gastou R$ 1.000,00 na fachada da loja, e do vizinho Roberto Seigi, 38 anos, que tem um comércio de presentes, apenas somam no número de comerciantes prejudicados pela ação dos pichadores.

Na madrugada do último sábado, 23, a câmera de segurança da loja de aviamentos registrou o momento em que dois jovens chegam caminhando e, enquanto um dava cobertura, o outro pichou as portas das duas lojas vizinhas. O sócio de dona Elce Barbosa registrou o boletim de ocorrência na Depac Centro, com a esperança de que as imagens servissem para a localizar os infratores.

Não foi a primeira vez que pichadores agiram no local. Elce Barbosa revelou que sua porta já foi alvo de pessoas “desocupadas” pelo menos três vezes. “De tempos em tempos eles vêm e sujam o visual”, comentou ela, revoltada com a ação dos rapazes, que até o momento não foram localizados.

Consultada, a assessoria de imprensa da prefeitura não informou a razão de a lei municipal não ter sido regulamentada até o momento.

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