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Capital

Esquecidos, moradores do Caiobá vivem cotidiano “no escuro” da violência

Bairro da região centro-oeste gera tristeza em quem queria mais energia elétrica, asfalto e escola...e menos homicídios

Izabela Sanchez e Bruna Marques | 22/06/2020 14:37
Claros mesmo só os olhos de Elizabeth que improvisou a "iluminação pública" na Rua da Física (Foto: Marcos Maluf)
Claros mesmo só os olhos de Elizabeth que improvisou a "iluminação pública" na Rua da Física (Foto: Marcos Maluf)

Era um bairro muito engraçado, não tinha asfalto, não tinha nada. A adaptação de uma das cantigas mais populares da infância poderia facilmente ecoar nos moradores desse que tem se tornado um dos “esquecidos” de Campo Grande. Adulto de 40 anos, o bairro Portal Caiobá, na região centro-oeste da Capital, passa dia e noite “no escuro” já que falta luz, mas sobra violência.

Não é pelas diversas pessoas, do pedreiro ao professor, que vivem ali, que o Bairro tem se tornado notícia. Infelizmente tem sido pelas execuções, indício de que neste bairro boa parte da lei do Estado está sendo substituída pelo “Estado paralelo” das organizações criminosas ligadas, especialmente, ao tráfico.

"Avenida" não se diferencia muito de um cenário rural (Foto: Marcos Maluf)
"Avenida" não se diferencia muito de um cenário rural (Foto: Marcos Maluf)

É essa noção que cala fundo em quem vive ali. Depois de um pedido para que a sensação de injustiça fosse retratada, a reportagem visitou o Portal Caiobá na manhã desta segunda-feira (22). Os moradores aprenderam a lei da cabeça baixa e do silêncio. Temerosos de falar com a reportagem, acostumados sempre aos relatos policiais, muitos rejeitaram o pedido de entrevista.

Não é o caso de Elizabeth Silva de Araújo, 54, aposentada que vive há 23 anos na Rua da Física, uma das principais, ainda sem iluminação pública e sem asfalto. Elizabeth contou ter improvisado, ela mesma, sistema elétrico para jogar um pouco de luz nos rostos em meio à escuridão.

Fios de esgoto ao ar livre podem ser vistos pelo bairro, iguais a esse indicado por Elizabeth (Foto: Marcos Maluf)
Fios de esgoto ao ar livre podem ser vistos pelo bairro, iguais a esse indicado por Elizabeth (Foto: Marcos Maluf)

“O bairro vive uma calamidade pública, muito mato, poeira, buraco”, enumera a aposentada.

Ela reclama, que além de tudo somado ao cotidiano de pandemia do novo coronavírus, convivem diariamente com o aedes aegypti, o mosquito transmissor da dengue e outras doenças. “O povo fala do coronavírus, mas e a dengue?”, rebate. “O povo bota fogo porque não tem ninguém pra limpar”, declarou Elizabeth.

“Tem 40 anos que o bairro existe, mas o dinheiro público não chega aqui”, lamenta.

Violência – À pedido da reportagem, a Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública) informou que na região do Lagoa, onde está o Portal Caiobá, ocorreram 645 crimes de furto ao longo de 12 meses de 2019. Em 5 meses de 2020, segundo a estatística, já são 510. Em 2019 ocorreram, conforme os dados, 267 roubos. Até agora, em 2020, foram 236.

A pasta ainda comunica que há registro de um caso de latrocínio este ano. Chama atenção que em apenas cinco meses 2020 registra quase o dobro de homicídios na região do Lagoa quando comparado com todo o ano de 2019. Foram 4 casos de homicídio doloso em 2019 e até maio deste ano, 7.

Aglomerados irregulares dividem espaço com chão de terra com fissuras (Foto: Marcos Maluf)
Aglomerados irregulares dividem espaço com chão de terra com fissuras (Foto: Marcos Maluf)

Na última semana, câmeras de segurança registraram o assassinato de Márcio Rogério dos Santos, de 43 anos, que ocorreu na noite do dia 17 na mesma rua onde vive Elizabeth, a Rua da Física. Imagens mostram que a vítima sofreu uma emboscada e foi baleada após tentar fugir dos suspeitos. Um adolescente foi apreendido e um jovem de 22 anos preso pelo crime.

A moradora sente-se esquecida. “O prefeito prometeu uma atenção aos bairros mais antigos, mas aqui não tem atenção nenhuma, sem contar a falta de iluminação pública”, reclama.

“Tive que colocar uma luz na frente da minha casa para poder clarear”, diz Elizabeth.

Ela também reclama do asfalto que não chegou na Avenida Nova América, que ligaria o Caiobá a bairros como o Santa Emília e São Conrado. “Facilitaria a vida das pessoas”, explica.

Favelinhas vão se formando pelo bairro (Foto: Marcos Maluf)
Favelinhas vão se formando pelo bairro (Foto: Marcos Maluf)

“O medo aqui é grande. É um bairro tão abandonado como esse, perto de uma comunidade. Ficamos com medo de sair e deixar a nossa casa sozinha, não temos paz. A violência está assustadora. Não tem um posto policiai. Posto de saúde 24h também não tem”, conta ela.

Coordenadora pedagógica, 37, Gleiciane Araújo, 37, vive há mais de 20 anos na Avenida Nova América. Ela também aponta asfalto e iluminação pública como as coisas “que mais fazem falta na região”. Além de escolas.

“Uma escola que comporte o fundamental 2, aqui é um bairro tão antigo, mas tem ficado pra trás em relação aos bairros mais novos dessa mesma região. Aqui não temos manutenção de nada. É muito complicado, é uma falta de estrutura total. Eles precisam de lugar pra morar, mas juntam lixo e é complicado porque não somos atendidos no mínimo”, relata.

"O medo aqui é grande", comenta a coordenadora pedagógica Gleiciane Araújo (Foto: Marcos Maluf)
"O medo aqui é grande", comenta a coordenadora pedagógica Gleiciane Araújo (Foto: Marcos Maluf)

Ela diz que, ao procurar a Prefeitura, “consta que o bairro é asfaltado”. “Mas eles sabem que não é”, diz ela.

“Toda vez é a mesma coisa, nós vamos na prefeitura, lá consta que tem asfalto, mas o pessoal já sabe que não tem e porque não fazem um documento para reverter essa situação? Para mim isso é falta de vontade. Deveriam dar um olhar especial pra esses bairros esquecidos”, critica.

Na Avenida, um poste de luz amarela, avalia a moradora, não acaba com o escuro. Ela quer “luz para clarear”.

Paisagem do Caiobá ainda lembra a de uma vila rural (Foto: Marcos Maluf)
Paisagem do Caiobá ainda lembra a de uma vila rural (Foto: Marcos Maluf)

A reportagem enviou perguntas à Prefeitura que enviou pequena nota por meio da assessoria de imprensa. “A Prefeitura está empenhada em buscar recursos para novas frentes de infraestrutura. Na atual gestão já foram executados mais de 200 km de obras de pavimentação e recapeamento”, disse.

Por meio de nota, a Sejusp disse que “a Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul trabalha na prevenção da ordem pública e manutenção da paz social, prestando atendimento à comunidade, de forma técnica e humanizada. E que vem realizando o policiamento ostensivo em todas às regiões de Campo Grande”.

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