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Capital

Juiz que inovou com “réu à distância” defende tecnologia para destravar 30 júris

Primeira iniciativa foi a de realizar júris simultâneos, que chegou a ser questionado no CNJ; História é registrada em livro

Aline dos Santos | 15/06/2020 11:42
Juiz Aluízio Pereira dos Santos está há 15 anos no Tribunal do Júri de Campo Grande. (Foto: Henrique Kawaminami)
Juiz Aluízio Pereira dos Santos está há 15 anos no Tribunal do Júri de Campo Grande. (Foto: Henrique Kawaminami)

Há 15 anos no comando de júri popular em Campo Grande, o juiz Aluízio Pereira dos Santos inovou com as sessões simultâneas, fez o primeiro julgamento com o réu à distância da América Latina e agora, com cerca de 30 casos em suspensos na Capital devido à pandemia do novo coronavírus, defende o uso da tecnologia para que a sociedade volte a decidir a pena dos  réus que cometem crimes contra a vida.

“O Estado tem o dever de tratar a pessoa como ser humano e julgar no prazo certo. Se a pandemia não passar até dezembro, não vai sumir da noite para o dia, como ficam os presos sem ser julgados. Até que ponto vai se manter a pessoa presa com esse argumento?”, questiona o magistrado.

Campo Grande tem duas Varas do Tribunal do Júri que, em média, realizam 16 sessões de julgamentos por mês. Desta forma, em dois meses de suspensão, a estimativa é de 32 processos à espera que os acusados se sentem no banco dos réus.

Em suspenso, ficaram, por exemplo, o julgamento de Fernanda Aparecida da Silva Sylvério, acusada de matar um ex-superintendente da Sefaz (Secretaria Estadual de Fazenda); da oficial da Polícia Militar Itamara Romeiro que matou o marido; e de Evaldo Christyan Dias Zenteno, que deixou o filho  se afogar até morrer por asfixia na banheira.

Para o magistrado, o retorno dos júris deve se valer do avanço tecnológico, mas cercado de cautelas. Nesta modalidade, os sete jurados poderiam ser selecionados durante videoconferência e se apresentarem dentro do prazo de uma hora no Tribunal do Júri. Ficariam dispensadas pessoas do grupo de risco ou quem verbalizar o medo de “quebrar” a quarentena.

No saguão do Tribunal do Júri, os jurados usariam máscaras e manteriam dois metros de distâncias. Conforme o juiz, a exigida incomunicabilidade entre os membros do conselho de sentença seria mantida porque só começa a ter vigência a partir do momento em que se faz o compromisso formal diante do magistrado.

O réu, que pode prestar o depoimento pessoalmente ou por vídeo, acompanharia a sessão à distância. Enquanto defesa e acusação permaneceriam em salas distintas, mas unidas pela videoconferência. A sessão seria transmitida pela internet para acompanhamento de familiares, amigos e a sociedade.

O retorno dos julgamentos no Tribunal do Júri depende de aval do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que suspendeu as reuniões devido ao número de pessoas envolvidas e a longa duração das sessões.

O magistrado avalia que haverá a resistência a novos modelos, como a que enfrentou ao adotar as sessões simultâneas de julgamentos ou sem a presença física do réu.

O júri popular no Brasil segue uma liturgia de tempos remotos e, para quem só assiste,  é clara impressão de que as ações de defesa e acusação flertam com a teatralidade. Em atos que incluem arma em punho, óculos lançado ao chão ou entoação de música ao estilo voz e violão.

Os julgamentos estão suspensos ao menos até 5 de julho, conforme portaria do TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).

Fernanda, Evaldo e Itamara: julgamentos suspensos na pandemia do novo coronavírus.
Fernanda, Evaldo e Itamara: julgamentos suspensos na pandemia do novo coronavírus.

História contada em livro – Autor de “A Tecnologia da Videoconferência nos Julgamentos do Tribunal do Júri”, publicado pela editora Appris, o juiz Aluízio chegou à 2ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande em 2005 e se surpreendeu com o acúmulo de processos. À época, só desafogados por meio de mutirões.

“Processos acumulados, presos provisórios. Alguma medida tinha que tomar. É o crime que mais afeta. Tanto que no Código Penal é o primeiro que a sociedade se preocupou em registrar. Artigo 121, matar alguém”, afirma o magistrado.

Na linha do tempo dos julgamentos,  a primeira tecnologia foi a de realizar dois júris ao mesmo tempo.

“Numa sala, acompanhava dois julgamentos ao mesmo tempo. A OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] entrou no CNJ para proibir essa prática. Mas o CNJ aprovou. Virou moda e todo mundo faz”, diz o magistrado.

A partir de 2006, foram 210 julgamentos simultâneos. Em  2008, já não havia processo paralisado na 2ª Vara do Tribunal do Júri.

Em 2014, aconteceu em Campo Grande o primeiro julgamento com réu a distância da América Latina. O preso estava no presídio Bangu 3, no Rio de Janeiro, e acompanhou a sessão de julgamento à distância. Neste caso, o diferencial é a economia e elimina o risco de tentativa de resgate.

De acordo com o juiz, a viagem de ida e volta de Mato Grosso do Sul ao Rio de Janeiro exige, no mínimo, oito dias. Lembrando que o deslocamento é por terra e que é preciso ao menos duas viaturas, além de aguardar a liberação réu pela Justiça de onde está preso.

“No julgamento do réu à distância já não teve resistência, embora um advogado de associação de criminalistas falou que seria amador, poderia cair a rede, o réu ser prejudicado. Comentários nesses termos”, rememora.

A tecnologia rodou o Brasil, com júri em Campo Grande, mas com réus espalhados por Mato Grosso, Acre, Tocantins, São Paulo, Pernambuco.  O juiz Aluízio é mestre em Garantismo Penal  e já foi defensor público e escrivão de polícia.

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