ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUINTA  25    CAMPO GRANDE 31º

Capital

Orla Ferroviária afugenta usuários de drogas e aviva esperança no comércio

Aline dos Santos e Wendell Reis | 08/05/2012 10:10

Previsão é que a obra no entorno dos trilhos seja entregue em setembro

Malha ferroviária será mantida, mas ao lado de calcadão. (Foto: Minamar Júnior)
Malha ferroviária será mantida, mas ao lado de calcadão. (Foto: Minamar Júnior)

No local onde Campo Grande se encontra com a sua história, moradores e comerciantes aguardam, esperançosos, que a Orla Ferroviária, prevista para ser entregue em setembro, devolva às imediações da avenida Calógeras o charme de quando as novidades, o desenvolvimento e as pessoas vinham de trem.

Por agora, o que mudou foi a vizinhança: saem os usuários de drogas e entram os operários da obra. “Acho que vai melhorar bem. Tinha muito drogado ali atrás das casas, perto do trilho”, conta Madalena Nascimento, de 58 anos. Ela mora na rua Antônio Maria Coelho e teve a casa invadida por quatro vezes.

Num dos furtos, se viu obrigada a ir até à boca-de-fumo para recuperar uma TV de LCD. No mercado formal, a televisão lhe custou R$ 1.200. Na “boca”, pagou R$ 100 em dinheiro trocadinho, como pediu o traficante. “Primeiro eles trouxeram aqui em casa, depois, paguei”. Os ladrões queriam, inclusive, instalar a televisão, “cortesia” prontamente recusada pela proprietária.

No Hotel Caçula, na avenida Calógeras, os incômodos vizinhos deixaram marcas até nas paredes, escaladas para furtar. Uma das poucas portas abertas em meio ao abandono da avenida, no quarteirão entre as ruas Antônio Maria Coelho e Maracaju, o estabelecimento tem como dono, nos últimos sete anos, Eloy Alpire, de 55 anos.

“Torço para que as coisas melhorem”, afirma o boliviano que veio parar em Campo Grande numa viagem de trem. Hoje, dos 24 quartos, pouco mais da metade está ocupada, mesmo com diária a R$ 13.

Entre a decadência e o futuro - Em funcionamento há cinco décadas, a Selaria Florêncio está espremida entre o passado e o futuro. Do lado esquerdo, um imóvel abandonado, onde o forro já se juntou ao chão após desabamento. Do lado direito, as nove portas de comércios vizinhos viraram poeira.

As construções foram derrubadas para dar passagem à obra de revitalização. A desapropriação foi garantida por liminar da Justiça e a prefeitura depositou R$ 350 mil em juízo.

Odimar reclama dos anos de esquecimento.  “Poderiam ter feito um terminal de ônibus aqui perto, para ter movimento”. (Foto: Minamar Júnior)
Odimar reclama dos anos de esquecimento. “Poderiam ter feito um terminal de ônibus aqui perto, para ter movimento”. (Foto: Minamar Júnior)

A selaria também correu o risco de vir ao chão. “Primeiro, falaram que era revitalização e depois quer desapropriar. Enquanto estava abandonado a gente não abandonou o barco. Agora, que vai ficar bom de navegar, vai pôr a gente para fora?”, questiona Odimar Siqueira, de 49 anos. Frequentando o comércio desde os 9 anos, quando ia levar marmita para o pai, de quem herdou o ofício de seleiro, viu o auge e decadência da Calógeras.

“Numa época, tinha a enchente no córrego na Maracaju. Depois, quando acabou o trem, isso aqui virou um canto esquecido”, rememora. Ele lamenta os anos de abandono. “Poderiam ter feito um terminal de ônibus aqui perto, para ter movimento”, sugere.

Em frente à selaria, do outro lado da rua, as portas fechadas mostram que o que já foi bar, camisaria e floricultura não passa de lembranças.

Para resistir ao tempo e à infiltração, vinda do imóvel vizinho, que insiste em corroer as paredes, a estrutura da loja ganhou reforço. Porém, muitas coisas continuam iguais, como o caderno de “fiado” e uma antiga máquina registradora, que conta com a providencial ajuda de uma faca para seguir em funcionamento.

Madalena elogia maior segurança, com a saída de usuários de drogas, mas cobra maior valor por desapropriação. (Foto: Minamar Júnior)
Madalena elogia maior segurança, com a saída de usuários de drogas, mas cobra maior valor por desapropriação. (Foto: Minamar Júnior)

Pé de guerra – Se por um lado é entusiasta da Orla Ferroviária, dona Madalena, a que teve de ir comprar a própria tv na boca-de-fumo, também sofre com a obra. A dor de cabeça atende pelo nome de desapropriação.

“São 78 metros e querem me pagar apenas R$ 8 mil. Teve lugar que a prefeitura pagou R$ 15 mil por 25 metros”, reclama. A obra levou quase todo o quintal do imóvel. Na Justiça, ela tenta aumentar o valor da indenização. “Para mim, isso é confisco”, afirma.

Como tem o nome inscrito na Dívida Ativa por não ter pago IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), a moradora não consegue receber o dinheiro. “Parei de pagar o imposto porque a casa é tombada como patrimônio”, justifica. Como não pode alterar o imóvel, ela paga até estacionamento para o carro, pois as casas da época do trem não tinham garagem.

Ao lado da residência de Madalena, um cenário improvável nos arredores do centro da cidade mais populosa de Mato Grosso do Sul: uma casa histórica, com árvores frutíferas no pomar e galinhas ciscando no quintal.

Questionado sobre as desapropriações, o prefeito Nelsinho Trad (PMDB) foi enfático. “Ali, já esgotou o assunto”, afirmou nesta segunda-feira.

Pão e circo – Lançada no fim de 2010 e com orçamento de R$ 3,9 milhões, a Orla Ferroviária foi concebida para ser uma rua 24 horas, com paisagismo em homenagem à diversidade cultural de Campo Grande.

Orla Ferroviária será entregue em setembro. (Foto: Minamar Júnior)
Orla Ferroviária será entregue em setembro. (Foto: Minamar Júnior)

No ano passado, a retirada das vagas de estacionamento no canteiro central da avenida Afonso Pena desalojou os vendedores de lanche. Instalados, provisoriamente na rodoviária desativada, os dogueiros serão transferidos para a orla.

De acordo com o prefeito, será feito um processo legal de licitação para ocupar a área. “Vai ter um cadastro das pessoas interessadas, entre eles o pessoal dos dogueiros. Vão passar por processo legal de licitação para poder fazer jus ao espaço que vão ocupar e ali explorar a culinária”, afirma.

Encarregado de obra da Stenge, uma das empreiteiras responsáveis por tirar a obra do papel, Carlinos Leles conta que um calçadão com pedras portuguesas, as pedrinhas brancas, está sendo feito ao lado do trilho. Os 20 funcionários trabalham de segunda a sábado. “Temos que acabar até agosto”, afirma.

O projeto arquitetônico prevê cerca de 900 metros de novo uso do espaço do leito da ferrovia no trecho da avenida Afonso Pena, a partir da Morada dos Baís, até a avenida Mato Grosso. O projeto inclui a construção de um calçadão com piso tátil, equipamentos de lazer e descanso, bancos, praça, área para atrações culturais, ciclovia, paisagismo e iluminação.

Para se tornar atrativo para a população, o local deverá contar com bibliotecas, cafés, lanchonetes, bares, floriculturas, lojas de artigos regionais e restaurantes. A calçada na orla terá mosaico português, pórticos, quiosques, bicicletário, painéis com a história das colônias, teatro de arena, playground e aparelhos de ginástica.

Nos siga no Google Notícias