Praça dos Imigrantes segue esquecida 726 dias após promessa de revitalização

Você está acostumado com uma coisa e, de repente, tiram aquilo. O que você tinha de ir, voltar... de repente, você não tem mais nada”.

Há 726 dias, Wilson José Gonçalves não vai à Praça dos Imigrantes, não encontra os rostos familiares dos artesãos que trabalhavam ali, não prestigia os encontros culturais que ocorriam pelo menos três vezes por semana.

A praça está a uma calçada de distância da casa onde ele mora há 30 anos, na Rua Joaquim Murtinho, quase esquina com a Rui  Barbosa. É dessa distância que o morador viu o lugar ter fios furtados, patrimônio destruído e uma obra da Prefeitura de Campo Grande começar e ser paralisada.

Iniciada em 15 de junho de 2023, com prazo de conclusão para 10 de dezembro de 2024, a obra tinha como finalidade a revitalização da praça. Em junho de 2025, apenas 58% do serviço foi executado e R$ 196,095,11 já foram investidos, conforme consta no site da gestão municipal.

Apesar de estar sinalizada como “em execução” no site, a obra está parada desde agosto de 2023. Já são mais de duas décadas sem revitalização e, ao que tudo indica, a praça terá que esperar mais um pouco.

Autônomo, Wilson guarda as boas e velhas lembranças da praça, que são compartilhadas de forma carinhosa.

Essa praça era maravilhosa, cheia de artesãos. O artesanato era diferenciado porque tinha que fazer ali, essa era a magia. Tinha show na segunda-feira, quarta e sexta algumas vezes”, conta.

Uma feira orgânica realizada aos sábados também movimentava o cenário local. Todos os dias um ônibus de turismo estacionava no local e dele saíam incontáveis visitantes, conforme relato do morador. Para completar, a praça possuía uma lanchonete onde, diariamente, 150 marmitas eram vendidas. Wilson era um dos clientes.

E como observador e participante de boa parte dessa história, o morador resume o que aconteceu. “Você vê o tanto de gente e o pior, o abandono, liquidou. Hoje, a pracinha está literalmente desqualificada. Agora não presta mais nada, depredaram tudo”, afirma.

Na Rua Barão de Melgaço, Geni da Silva Ximenes, de 83 anos, colocou duas correntes para reforçar a segurança no portão. Por 22 anos, a Praça dos Imigrantes foi vista com outros olhos pela aposentada, menos de medo.

Era um bom lugar para o povo passar, era uma coisa boa, faziam brincadeira,  dança, comida. Nós íamos ali, cantávamos. Nos divertimos e agora nós temos medo”, fala.

Enquanto conversa com a reportagem, a moradora lança olhares em direção a um dos homens que está morando na praça. “Eles lavam roupa, ligam a água em uma torneira, tomam banho e depois água vem toda para cá”, relata.

Essas são algumas informações que Geni fornece sobre o cotidiano das pessoas que atualmente ocupam a praça. São apenas essas porque ela diz evitar sair. “Depois que vieram, a gente fica para dentro”, explica.

Quando o tema da revitalização da praça vem à tona, Geni expõe que a expectativa era que a praça continuaria a ser alegre, porém não foi isso que aconteceu.

Seguindo pela calçada, em uma casa onde funciona um negócio de conserto de computadores, está Marcionil França, de 56 anos, trabalhando. Ele revela que nunca parou para ver os artesanatos que eram produzidos na esquina da rua, mas se lembra bem que o clima era de organização. “Era tudo limpo, hoje não, hoje está abandonado”, pontua.

O contato que tinha com a Praça dos Imigrantes é revelado pelo técnico em informática em dois momentos diferentes. Um deles também envolve a lanchonete. “Era lotada o tempo todo porque o almoço da menina era bom. Íamos pegar marmitex ou comíamos lá porque tinha a mesinha”, diz.

Já em outra ocasião, Marcionil precisa voltar um pouco ao passado e relembrar quando prestigiou o show da famosa dama do rasqueado.

 “Vi show da Delinha, ela vinha e fazia com o filho. Tinha um sarau, eram coisas magníficas”, frisa.

Apesar do estado em que a praça se encontra, o técnico em informática não condena aqueles que estão ocupando o espaço público. “Aonde estiver um lugar, eles vão. O negócio bom deles é esse, eles estão abandonados pelos governantes”, comenta.

Na esquina da Rui Barbosa, ainda na Barão de Melgaço, Anderson Ortega, de 56 anos, administra uma loja autorizada de conserto de eletrodomésticos. O que ele tem a dizer é sobre alguns eventos que ocorreram após a Praça dos Imigrantes perder seus artesãos. “Já entraram aqui pelo telhado. Antes não tinha isso, não. O pessoal toma banho pelado, já liguei para a polícia, mas ninguém apareceu”, expõe.

Não é apenas a lanchonete que evidencia o estado de abandono da praça. A área onde funcionavam as lojas dos artesãos também se transformou em muro para pichações e terreno fértil para a sujeira. Onde antes o chão era de tijolos, restou apenas a terra, já que, no período em que a obra de revitalização começou, os tijolos foram quebrados e retirados pela equipe responsável.

Presidente da Api (Associação da Praça dos Imigrantes), Regiane Ribeiro conta que segue trabalhando com outros 18 artesãos em novo endereço, na Morada dos Baís. “Lá é mais confortável, fechado, a praça era muito aberta”, explica.

Os artesãos que não expõem os trabalhos na Morada dos Baís, segundo a presidente, seguem participando das feiras culturais. E não são apenas 18 que hoje compõem a associação, e sim um total de 50 associados.

Em relação à revitalização da praça, Regiane diz que está sempre cobrando a prefeitura. “Agora tem que ser feito um novo projeto e ainda vai demorar mais, porque a praça foi depredada. Falaram que estão com um novo projeto, tentando viabilizar”, declara.

No cargo de presidente há oito anos, Regiane expõe que a reforma do espaço foi reivindicada pela associação por pelo menos seis anos antes do anúncio feito pela prefeitura. Não faltavam motivos pelos quais o grupo de artesãos queria ver melhorias na infraestrutura.

“A praça estava há mais de 20 anos sem reforma, então a parte elétrica estava toda comprometida, tivemos muitos furtos de fios. O piso já estava quebrando, tinha muito buraco, sempre tínhamos que passar cimento, estava difícil”, afirma.

Além disso, a própria arquitetura da praça dificultava a visibilidade dos trabalhos, segundo Regiane. “Ali precisava de uma mudança, porque a praça, do jeito que foi formulada, não era para o comércio, ela era virada para ela mesma”, esclarece.

Em uma das tentativas de divulgar o espaço, a associação criou uma central de turistas. No fim, o plano não deu certo. Ela lembra que sempre eram feitas reportagens e divulgações para o público geral prestigiar, só que o resultado nunca era o esperado. “Por mais que a gente chamasse, mesmo assim, pouca gente ia”, recorda.

Artesã que cria móveis rústicos, Regiane garante que ela e os demais recebem todo o suporte necessário da prefeitura. Apesar dos defeitos antigos da praça, ela não descarta a possibilidade de voltar para a mesma depois da revitalização.

Por enquanto, a operação na Morada dos Baís segue funcionando de segunda a sexta, das 9h às 16h. Ao contrário do quadrilátero nas ruas Joaquim Murtinho, Barão de Melgaço e Rui Barbosa, o novo endereço é mais visitado por turistas. “Na Morada dos Baís temos mais visitas dos turistas, e agora com a abertura de visitação do museu esperamos que tenham mais visitações”, completa.

Linha do tempo - O espaço que constitui a Praça dos Imigrantes é palco da história de Campo Grande desde 1888. Na época, eram realizados casamentos, desfiles e o local servia até como estacionamento para carros de boi.

Em 1912, a praça recebeu a denominação de Costa Marques, em homenagem ao governador do Estado que, pela primeira vez, visitava o povoado. Essas informações constam no site da Prefeitura de Campo Grande.

Porém, um outro estudo sobre as praças da cidade, denominado As praças de Campo Grande-MS: percepções de memória e de cultura com potencialidades de desenvolvimento local, feito como dissertação para o programa de pós-graduação da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), traz outros detalhes.

De 1955 a 1959, na gestão do prefeito Marcílio de Oliveira Lima, o espaço da Praça dos Imigrantes foi urbanizado com ipês-roxos e flamboyants. No estudo, assim como no site da gestão municipal, não é mencionado o ano em que a praça passou a ser chamada pelo nome atual.

Contudo, na 3ª edição do livro Marcos e Monumentos Históricos de Campo Grande, lançada em 2022, consta um dos motivos pelos quais ela recebeu essa denominação:
“O espaço público leva esse nome em homenagem a todos aqueles que, provenientes de outros países e regiões do Brasil, aqui chegaram e contribuíram para formar o tecido social que compõe nossa cidade”.

Ainda segundo informações da prefeitura, em 2000 o espaço foi revitalizado e adaptado para funcionar também como feira dos artesãos. Toda área de 3066,45 m² recebeu novo piso, paisagismo, iluminação e diversos equipamentos para uso coletivo, bancos, palco, sanitários e pátio para convívio.

Em 2014, a praça ganhou o monumento "A Artesã", feito por Anor Pereira Mendes Filho, com auxílio do artista Paulo Prada. Feito de argamassa de resina com areia, armação em ferro e pintura automotiva, o monumento representa uma mãe ensinando à filha a arte do artesanato. A placa inserida em dezembro do mesmo ano traz a seguinte inscrição: “Homenagem a uma das mais antigas e universais profissões do mundo.”

Já em 2022 foi anunciada a primeira revitalização após 22 anos sem nenhuma intervenção no espaço. No dia 24 de junho foi publicado o edital de licitação que estabeleceu a abertura e habilitação das propostas das empresas interessadas. A revitalização integrava o calendário festivo em comemoração aos 124 anos de Campo Grande.

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Campo Grande para saber quando será retomada a revitalização da Praça dos Imigrantes, mas, até o momento, não obteve resposta. O espaço segue aberto.

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