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Capital

Sem nome e família, "anônimos" são identificados por número em cemitério

Luana Rodrigues | 16/08/2015 10:06
Mesmo se tratando de um desconhecido, alguém decidiu deixar flores para o 44. (Foto: Marcos Ermínio)
Mesmo se tratando de um desconhecido, alguém decidiu deixar flores para o 44. (Foto: Marcos Ermínio)

Na cova simples, coberta com terra, há "fincada" uma plaquinha de madeira, pregada à outra. Nela está escrito um número e esta é a única identificação. O cemitério do Cruzeiro, no bairro São Sebastião, em Campo Grande, é o único  com uma área especial abriga o corpo de homens e mulheres que vão para o túmulo sem nome. Um exército de anônimos faz rotatividade no cemitério. Adultos ficam por até cinco anos e crianças até dois. Depois os restos mortais são levados para o ossário e ali se encerram histórias que muitas vezes poderiam até ajudar a polícia a solucionar crimes.

São pessoas que morreram e foram registrados no IMOL ( Instituto de Medicina e Odontologia Legal) como ignorados ou "não reclamados". Na Capital, há 28 corpos de pessoas com histórias que ninguém apareceu para contar. Do total, 14 são ignorados/ indigentes; 12 estão identificados com o nome, mas não foram "reclamados" por ninguém; e outros dois são ossadas de desconhecidos. Guardados em uma câmara fria, o grupo aguarda até que todos os procedimentos padrões sejam realizados para que possam ser encaminhados para o cemitério.

Cova é simples, mas enterro é digno como o de uma pessoa identificada (Foto: Marcos Ermínio)
Cova é simples, mas enterro é digno como o de uma pessoa identificada (Foto: Marcos Ermínio)

Conforme o IMOL, o desafio de identificação começa com uma busca por respostas por parte dos peritos papiloscopistas, que coletam digitais, tiram fotos e fazem o exame da arcada dentária. Procedimentos inúteis se a vítima não tiver um registro civil ou parentes que procurem o instituto em busca de alguém que desapareceu. Os peritos do estado, usam técnicas científicas para tentar identificar os anônimos e fazem o que podem, mas muitas vezes esse trabalho esbarra na falta de recursos estruturais e humanos.

Legalmente, o IMOL deve esperar até 90 dias para enterrar o corpo de um desconhecido, entretanto o instituto precisa enviar um ofício a SAS (Secretaria de Assistência Social do Município), informando a necessidade e solicitando autorização para que se faça o processo chamado inumação. Há toda uma burocracia necessária, pois o corpo "guardado" ali pertence a uma família que pode reclamar o ente uma hora ou outra.

Ocorre que existem corpos que estão na câmara fria do IMOL há mais de dois anos. São casos em que ainda há expectativa de que apareça alguém da família. Outros são mantidos congelados porque a polícia julga necessária a custódia devido ao curso das investigações. Eles devem ficar à disposição da Polícia Civil enquanto não forem esgotadas todas as possibilidades de identificação da pessoa. O pouco efetivo do IMOL, também acaba prejudicando todos os procedimentos de buscas e investigações.

São seis agentes plantonistas e três agentes no setor administrativo, que devem dar fluxo aos documentos, encaminhamento de laudos e atender vítimas. Por não ter efetivo, quem realiza a remoção dos corpos de morte violenta ( acidentes trânsito, homicídios, suicídios, etc) são duas funerárias. Elas também ficam responsáveis pela preparação e enterro dos corpos não identificados.

Thiago Arakaki é responsável pela funerária Nippo Brasileira, que está no mercado há mais de 25 anos. Ele conta que sepultamento é digno, como o de um identificado. O caixão é de madeira de qualidade, são colocadas flores naturais sobre o corpo, mas alguns corpos são enterrados sem roupa, já que estão congelados e vestir um corpo assim não é fácil.

Arakaki reforça que toda a preparação é fiscalizada por agentes da Semadur(Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano). "É bastante rígido, todo aquele mito de que indigentes são enterrados indignamente seja desfeito", explica.

Solução - Uma resolução do CNJ(Conselho Nacional de Justiça) pode ajudar a esvaziar macas com desconhecidos em todo o Brasil. O conselho determinou a criação de um cadastro nacional para informar sobre as pessoas que morreram e foram enterradas sem identificação, é a É a Central Nacional de Óbitos de Pessoas Não Identificadas. A base de dados tem o registro de 53 mil óbitos de desconhecidos.

O serviço foi lançado em maio e fica disponível na internet para nove estados. No site, a busca é feita informando o estado, a cidade, o sexo, a cor da pele e idade do desaparecido. Para cada resultado da pesquisa é possível pedir no cartório ou no próprio site uma certidão de óbito. Essa certidão traz dados que constam no boletim de ocorrência feito pela polícia e podem ser importantes para a família do desaparecido.

Mas na busca feita por Mato Grosso do Sul, aparece apenas um óbito de desconhecido, ocorrido em 2011, em Ribas do Rio Pardo. Portanto, o sistema pode estar desatualizado. No entanto, até setembro deste ano os cartórios de todos os estados deverão participar dessa base de dados.

Para pesquisa - Conforme o IMOL, há mais de 20 anos não há doação de corpos não reclamados a universidades aqui em Mato Grosso do Sul. No entanto, três cadáveres estão em processo de doação. Como o processo para doação é burocrático, os corpos estão Câmara há mais de dois anos, apesar de todas as buscas e investigações já terem sido encerradas.

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