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Cidades

Maternidades descumprem lei e não permitem acompanhantes no parto

Zana Zaidan | 03/02/2014 15:17

Apesar de assegurada por lei, hospitais conveniados ao SUS têm proibido a permanência de um acompanhante antes, durante e depois do parto. Segundo levantamento do Ministério da Saúde, 64% das mulheres estiveram sozinhas em 2013 por causa da negativa dos hospitais. Mais frequente é a proibição da presença masculina, justamente no nomento em que muitos pais fazem questão de acompanhar o nascimento dos filhos, além de amparar a gestante. 

Grávida de sete meses, Luciane Cristina Mendonça, 34 anos, foi informada pelo hospital que o marido, Bruno Mendonça, 24 anos, não poderia presenciar o nascimento da filha, Manuela. "Foi durante uma consulta. Recomendaram que eu me organizasse, deixasse minha mala e do bebê pronta, e escolhesse uma mulher para ficar comigo. O Bruno, por ser homem, não pode", conta a dona de casa, que vai fazer o parto na maternidade Cândido Mariano. 

Luciane desconhece a lei que regulamenta o trabalho de parto dentro dos hospitais. Quatro anos atrás, quando teve o primeiro filho, Vinicius, desta vez na Santa Casa, foi amparada pela mãe, já que Bruno não foi autorizado a permanecer na enfermaria durante o pós-parto.
 

Antes mesmo do grande dia, Luciane já foi informada que Bruno, o pai da criança, não poderá acompanhar o parto (Foto: Cleber Gellio)
Antes mesmo do grande dia, Luciane já foi informada que Bruno, o pai da criança, não poderá acompanhar o parto (Foto: Cleber Gellio)

No último dia 18, o caso de uma mulher de 38 anos foi mais grave. Ela enfrentou todo o procedimento sozinha, também Cândido Mariano. Abalada com o episódio, o relato fica por conta da sobrinha, a vendedora Kelly de Oliveira, 32 anos, que vai dar à luz à Breno, entre 28 de fevereiro e 7 de março.

“Só de pensar que pode acontecer comigo o que aconteceu com a minha tia, mal tenho conseguido dormir”, conta. A vontade da tia era ter a companhia do marido durante o parto. A maternidade negou, a paciente argumentou que a presença estava prevista na lei, e enfermeiros alegaram que, acompanhante, só para quem tivesse plano de saúde particular.

“Foram pegos de surpresa porque ela conhecia a lei, e deram a desculpa de que homens não podem permanecer no quarto da enfermaria”, acrescenta Kelly.

Há 11 dias, a esposa de Wilson enfrentou um parto delicado. "Só não ficou mais abalada porque eu estava junto". (Foto: Cleber Gellio)
Há 11 dias, a esposa de Wilson enfrentou um parto delicado. "Só não ficou mais abalada porque eu estava junto". (Foto: Cleber Gellio)

Advogada especialista em direito médico, Giovanna Trad afirma, por sua vez, que a paciente não só deve ter um acompanhante, como tem direito a indicá-lo conforme a sua preferência. “Pode ser homem, ou mulher, não há diferença, a parturiente deve ficar com quem se sentir mais segura e, na maioria das vezes, esta pessoa é o pai da criança”, esclarece. “A mulher está amparada por uma lei federal (11.108/2005), e outra em âmbito estadual (2376/2001), que valem para pacientes tanto do SUS, quanto para planos particulares”, aponta.

Além de acompanhar todo o trabalho, do momento da internação, até a alta da mulher, o acompanhante pode assistir o parto e permanecer nas mesmas acomodações que a paciente, com direito à alimentação fornecida pelo hospital. As informações sobre a legislação devem obrigatoriamente constar em placas fixadas na recepção ou corredores, acrescenta Giovanna Trad.

Motivos - As principais razões apresentadas pelos hospitais para não autorizarem o acompanhante são a falta de espaço físico adequado para garantir a privacidade das gestantes. Em geral, várias mulheres dividem o mesmo espaço no pós-parto.

O diretor-presidente da Cândido Mariano, Alfeu Duarte de Souza, admite o problema e joga a responsabilidade para a administração municipal, gestora do hospital. Segundo ele, para cumprir a lei, seria necessária mudanças na infraestrutura. “Em várias situações, tivemos que manter a mulher na mesa de parto porque não há vagas na enfermaria. Se não tem leitos nem para a mãe, que dirá para colocar mais um elemento lá dentro”, diz.

Segundo ele, seis mulheres dividem espaço nas enfermarias coletivas, com um banheiro para todas elas. O médico exemplifica que a maternidade realiza 1100 consultas por mês, enquanto a prefeitura paga 450 procedimentos por ano. “Não sobra recursos para cumprir o que a lei determina e não podemos fazer milagre”, comenta.

Depois de acolher diversas mães durante o parto, foi a vez de Fernanda dar à luz a Clarissa (Foto: Arquivo Pessoal)
Depois de acolher diversas mães durante o parto, foi a vez de Fernanda dar à luz a Clarissa (Foto: Arquivo Pessoal)

Problema generalizado - A vivência da doula (assistente de parto que acolhe e presta que proporciona apoio físico e emocional às mulheres durante o trabalho) e uma das organizadoras do Grupo de Apoio à Maternidade e Parto Ativo de Campo Grande, Fernanda Leite, mostra que o problema acontece em praticamente todos os hospitais públicos que fazem partos em Campo Grande. 


"Parte dos serviços de saúde ainda não se deu conta de que a presença do acompanhante acalma a gestante, a deixa menos ansiosa e mais segura, o que facilita a realização do parto. “A mulher lida melhor com o parto com a presença do acompanhante, o que reduz a necessidade de aplicação de anestesias ou medicamentos”, acrescenta.

"Já aconteceram casos de o hospital falar que vai ligar para a mãe, não ligam, e mãe fica lá, sozinha. Um absurdo", opina. 

Como garantir os direitos – Um dos motivos que leva os hospitais a não permitir acompanhantes é que a lei existe, mas não prevê punições para a instituição que não a cumpre.

Giovanna Trad garante que, apesar de não haver sanção administrativa estabelecida, o hospital não ficará impune. "Não deixa de ser um dever jurídico, obrigação do hospital. Se a mulher se sentir lesada, cabe indenização por danos morais não só à mãe, mas para os familiares envolvidos e até para o bebê”, garante Giovanna Trad.

Em Mato Grosso do Sul, inclusive, a Justiça deu ganho de causa à uma paciente porque o pai não pôde acompanhar o nascimento da filha. Ela foi indenizada em R$ 5 mil por danos morais.
Nesse caso, a família deve reclamar junto à administração do hospital, protocolar denúncia no Ministério Público e aos órgãos regulamentadores da saúde (no caso de planos particulares), orienta a advogada.

O Ministério da Saúde afirma que o hospital onde for constatado que não há cumprimento da lei pode deixar de receber verbas e até ser descredenciado do SUS.

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