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Rede de apoio

Desafios psíquicos do retorno ao trabalho após a maternidade

Por Lia Rodrigues Alcaraz (*) | 30/04/2025 17:27

A maternidade é um dos eventos mais significativos na vida de uma mulher e por si só, já é uma experiência profundamente transformadora. Seu corpo mudou, sua rotina mudou, e sua identidade também está em processo de reconstrução. Você não é mais a mesma de antes — e isso não é algo negativo, apenas um fato que precisa ser acolhido com gentileza. Quando uma mãe retorna ao trabalho após o período de licença-maternidade, ela carrega não apenas um novo papel, mas também uma série de desafios emocionais e psíquicos que impactam diretamente sua saúde mental, produtividade e qualidade de vida. Este momento, muitas vezes negligenciado social e institucionalmente, exige reflexão e ações concretas para garantir o bem-estar da mulher e a equidade no ambiente profissional.

Ao se tornar mãe, a mulher vivencia profundas mudanças físicas, hormonais, emocionais e sociais. Sua identidade se transforma, e novos sentimentos passam a ocupar seu cotidiano: amor intenso, medo, insegurança, responsabilidade constante. Essa nova condição exige adaptação, reorganização de prioridades e, muitas vezes, a renúncia temporária de aspectos de sua individualidade. Mas é importante lembrar que essa expectativa de ‘dar conta de tudo’ é muitas vezes uma armadilha social. Existe uma cobrança silenciosa — e às vezes bem explícita — para que a mulher seja uma mãe perfeita, uma profissional impecável, uma parceira presente, uma pessoa sempre disponível. Isso é humanamente impossível. E está tudo bem você não conseguir atender a todas essas demandas o tempo todo.

Se tornar mãe é um processo. A maternidade não é um momento de fraqueza, mas sim de adaptação. E todo processo de adaptação exige paciência, acolhimento e, acima de tudo, apoio. Ninguém precisa enfrentar tudo sozinha. É preciso pensar em caminhos e estratégias para tornar esse retorno ao trabalho mais leve, mais realista, mais saudável.

A separação do bebê pode gerar culpa, ansiedade e sensação de insuficiência, para além disso, a pressão interna para manter o desempenho profissional pré-maternidade é constante, mesmo diante de noites mal dormidas, amamentação e um corpo ainda em recuperação. É importante pensar que esse é um dos poucos momentos que a sociedade a libera, sem maiores julgamentos, para a dedicação exclusiva ao bebê. Isso não é uma exigência, mas entra quase como uma permissão velada, os julgamentos podem vir sim, pois não estamos blindados a isso, mas ainda assim socialmente é mais bem visto a renegação profissional por tempo limitado, pois assim que a criança tiver mínimas condições ela pode ser inserida em creches e escolas maternais a mãe pode retornar ou retomar suas atividades laborais.

A implementação de políticas de apoio à maternidade, como jornadas flexíveis, licenças parentais estendidas, salas de amamentação e programas de saúde mental, pode reduzir os impactos negativos do retorno ao trabalho. Além disso, o incentivo à corresponsabilidade do parceiro e o fortalecimento de redes de apoio, tanto no ambiente familiar quanto institucional, são fundamentais para que a mulher não se sinta sozinha em suas múltiplas funções.

Infelizmente, as empresas, em muitos casos, não dispõem de políticas que acolham essa transição, tornando o processo ainda mais difícil. A ausência de creches, a falta de flexibilidade de horários e o julgamento de colegas e gestores agravam o sofrimento psíquico da mulher nesse período.

É importante reconhecer e acolher os desafios psíquicos enfrentados pela mulher ao retornar ao trabalho após a maternidade, pois se mostra como uma questão de justiça social, saúde mental e valorização da força de trabalho feminina. É preciso romper com os estigmas, acolher a vulnerabilidade desse momento e criar condições reais para que a mulher possa exercer plenamente seus papéis, sem sacrificar sua integridade emocional. Maternidade e carreira não devem ser realidades excludentes, mas experiências que coexistem com respeito, dignidade e suporte.

(*) Lia Rodrigues Alcaraz é psicóloga formada pela UCDB (2011), especialista em orientação analítica (2015) e neuropsicóloga em formação (2024). Trabalha como psicóloga clínica na Cassems e em consultório.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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