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Arquitetura

Família que perdeu maior cartão postal da cidade luta para receber 100 milhões

Florêncio acreditou que passaria o resto da vida à beira do Prosa, mas a desapropriação na justiça tirou a família do lugar

Kimberly Teodoro | 20/08/2019 07:47
Família que perdeu maior cartão postal da cidade luta para receber 100 milhões
Antes da criação do parque, a região pertencia a pequenos proprietários de terras (Foto: Eliel Oliveira)
Antes da criação do parque, a região pertencia a pequenos proprietários de terras (Foto: Eliel Oliveira)

Antes de virar parte do Parque das Nações Indígenas, a Chácara São José foi lar de Florêncio por 19 anos. A casa cor-de-rosa construída pelo homem que ganhou a vida com compra e venda de gado, foi feita para abrigar a família Costa Lima por gerações, mas virou dor de cabeça e briga judicial de 26 anos e que parece longe de acabar.

Mauri da Costa Lima, de 64 anos, filho de Florêncio, conta que na época a prefeitura tinha planos de construir decks à beira do córrego como mirantes. Cada família havia concordado em doar 100 metros em cada margem do córrego Prosa, para a obra que valorizaria as propriedades do entorno. No entanto, antes que a doação fosse feita, o projeto foi engavetado quando o ex-governador Pedro Pedrossian resolveu criar o parque.

A primeira avaliação feita pela Câmara de Valores Imobiliários, foi por U$ 7 pelo m² da área desapropriada de 119 hectares. De acordo com Mauri, "valor correspondente a um terreno no Bairro Moreninha IV naquele tempo". Os proprietários contestaram o laudo entregue pelo estado, mas as negociações ainda ficaram longe do preço almejado de U$ 100 por m².

Ao fim da ação, os terrenos custaram aos cofres públicos U$ 25 por m², valor considerado muito baixo pelos moradores forçados a deixar o local.

Duas décadas depois, Mauri ainda tem em mãos uma lista, já amarelada com o nome de outros 14 proprietários, incluindo ele e os irmãos, além de membros das famílias Ibanês, Araujo, Arruda, Costa Marques, Sebben, Mingattos e Conceição.

O pai de Mauri foi um dos proprietários do local desapropriado para a construção do Parque das Nações Indígenas.
O pai de Mauri foi um dos proprietários do local desapropriado para a construção do Parque das Nações Indígenas.

De acordo com o herdeiro de parte das terras, outros 27 mil foram desapropriados pelo Munícipio, que nunca pagou o valor correspondente ao terreno que hoje é o leito da Avenida Afonso Pena. 

São duas ações, a primeira contra o Estado e que já chegou ao fim. Enquanto a segunda, está em fase precatória, ou seja: a Justiça reconheceu que a dívida existente entre o Município e os antigos proprietários da região, mas o valor integral ainda não foi pago. Mauri calcula que somado aos juros correntes há 26 anos, o montante se aproxime dos 100 milhões de reais. “Posso não receber, mas se meus filhos e netos receberem já está bom. O que eu não posso é deixar sair de graça o que foi construído com trabalho e dedicação”.

“Do local onde é a Casa do Papai Noel, você consegue ver algumas árvores que descem sentido ao parque, ali tinha um colchete que abríamos para chegar até lá embaixo. Ficava quase à beira do córrego”. Usando a Cidade do Natal como referência, Mauri dá as instruções para chegar à antiga casa do pai, um dos muitos proprietários da região desapropriada para a criação do Parque das Nações Indígenas.

Simples, de paredes cor-de-rosa e feita em alvenaria, o lar da família era grande o bastante para acomodar os oito filhos de Florêncio. Sem contar os irmãos, sobrinhos, netos, amigos e vizinhos que tinham acesso ao salão de festas construído por ele para ocasiões especiais, que reuniam toda a família.

Parque das Nações Indígenas em 1993 (Foto: Arquivo Roberto Higa)
Parque das Nações Indígenas em 1993 (Foto: Arquivo Roberto Higa)
Parque dos poderes em 1981 (Foto: Arquivo Roberto Higa)
Parque dos poderes em 1981 (Foto: Arquivo Roberto Higa)

Não há fotos da casinha cor-de-rosa ou das filhas de Mauri pequenas brincando pela propriedade. Os registros do local foram levados pelo tempo, enquanto ele não se interessou por guardar nem mesmo documentos relativos à Chácara São José, tão pouco têm visitado o parque. História antiga, ele diz não ser contra a construção de espaços para a população, mas entende que o governo deve pagar o preço justo da terra localizada onde hoje é em um dos espaços mais caros da cidade.

Também perto do córrego ficava o mangueiro, com “nove ou dez vacas leiteiras” que Florêncio quis manter, mais por hábito que por necessidade, dali saía o leite que servia ao consumo próprio, o que sobrava era vendido na cidade. Toda a estrutura ficava em torno do Prosa, que forneceria a água para o consumo doméstico.

“O córrego passava dentro da propriedade. A água que servia em casa era a do córrego, só que quando criaram o parque dos poderes, jogaram esgoto para baixo um pouco do local onde era a represa, que antigamente essa água ia para a cidade”, explica Mauri. A alternativa encontrada pela família foi abrir um poço, que hoje, assim como o resto do legado que o pai do militar aposentado construiu acreditando ser para a posteridade.

Florêncio era um homem do campo, ganhou a vida e sustentou os filhos comprando, vendendo terras e arrendando gado. “Eu não cresci na companhia do meu pai, ele voltava para casa a cada seis meses antes de ir de novo para o Pantanal trabalhar”, relembra o filho.

Única foto encontrada por Mauri na busca de registros do pai.
Única foto encontrada por Mauri na busca de registros do pai.
Em mãos, uma lista com outros 14 ex-proprietários do Parque das Nações Indígenas.
Em mãos, uma lista com outros 14 ex-proprietários do Parque das Nações Indígenas.

Mauri chegou a morar na propriedade entre 1974 e 1977, quando entrou para o exército e se mudou para Iguatemi, interior de São Paulo. Dos tempos em que viveu na chácara, ainda se lembra dos animais silvestres, que eram em maior quantidade e menos raros de se ver pela propriedade, as árvores ainda continuam no local, mas o que mais faz falta são as tardes de pescaria, de onde saiam lambaris e bagres para a refeição do dia.

“Morar ali era um deleite, você estava dentro de Campo Grande, mas morava no campo. Era uma vida de paz, tranquilidade. Tinham bastante pássaros, veados mateiros, lobinhos, cutias”.

A Chácara São José pertencia à uma rede de frigoríficos com a qual Florêncio fez negócios, foram 800 vacas vendidas enquanto a garantia do pagamento era a propriedade. Depois que o estabelecimento foi à falência, o local passou para a família Costa Lima. “Quando recebemos a terra, não valia nem 300 vacas. Só foi recuperar o valor quando eles abriram a Avenida Afonso Pena”.

“No dia 23 de dezembro de 1993, estávamos reunidos em casa para comemorar o aniversário do meu pai. Foi quando as máquinas chegaram lá para derrubar a casa dele, foi um dos maiores motivos de desgosto para ele que ficou doente. Teve câncer e morreu poucos anos depois”.

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