Aldeia urbana lança projeto para salvar a língua Terena na cidade
Iniciativa linguística celebra 30 anos da comunidade Marçal de Souza e busca frear a perda da fala ancestral
No papel de caderno onde uma criança desenha um tucano e anota “Honõe”, a Aldeia Marçal de Souza parece revelar, sem querer, o que está em jogo. No traço simples e no vocabulário reaprendido, o bairro indígena que cresceu dentro de Campo Grande ensaia um retorno à fala ancestral que, por pouco, não escorregou para o silêncio.
Nesta segunda-feira (1º), quando celebra 30 anos de história como a primeira aldeia indígena em contexto urbano do País, a Marçal lança o Projeto de Língua Terena – Vihíkaxovoti Vêmóu, iniciativa que busca devolver às crianças e jovens algo que sempre foi deles, mas que a cidade, aos poucos, foi afastando.
A partir das 18h30, a aldeia abre as portas para um ponto de virada. A programação inclui a tradicional Dança Kipaé, apresentada pelo Grupo Kóho, e o lançamento do Ponto de Cultura Calixto Francelino, espaço construído pelos próprios jovens da comunidade, sinal de que identidade e futuro caminham lado a lado.
O cacique Josias Jordão Ramires vê nas novas gerações um desafio que seus pais não precisaram enfrentar: crescer indígenas dentro de uma capital que engole sotaques, hábitos e, se bobear, a própria língua.
Por isso, ele fala sem rodeios: “Fortalecer a língua no contexto urbano ficou ainda mais urgente. A gente começou a ver as crianças se afastando da fala dos avós, e, junto com isso, da própria identidade. Quando a língua enfraquece, a memória também fica ameaçada.”
Para ele, a noite desta segunda-feira extrapola a agenda festiva. É um divisor de águas.
“O momento promete ser um marco para os Terena que vivem nas comunidades indígenas da região de Campo Grande, reforçando o compromisso com a continuidade da tradição, da memória e da fala ancestral”, afirma.
À frente das aulas estará o professor Nivaldo Terena. Falante nativo da língua, ele sabe que cada termo ensinado pode se transformar em raiz.
E conta que tudo começou como aquilo que geralmente sustenta mudanças importantes: urgência misturada com sonho. “Como sou falante da língua materna, conheço nossa cultura, nossa história e nossas danças tradicionais, senti que precisava transformar esse conhecimento em ação. Decidi usar essa ferramenta que carrego comigo, a língua que aprendi desde criança, para ensinar as novas gerações”.
Nivaldo insiste que o fato de viverem dentro da cidade não diminui, nem dilui, o pertencimento. “Moramos na cidade, mas não deixamos de ser indígenas, pelo contrário. Fortalecer nossa língua é reafirmar nossa existência, nossa memória e a força do nosso povo para o futuro”.
Por trás do quadro e dos exercícios de vocabulário que começam com “Akô’o” e seguem até “Kaxê”, há uma disputa silenciosa contra o esquecimento. As crianças, que antes respondiam com timidez quando ouviam a língua dos avós, agora repetem palavras com sorriso de estreia.
O projeto tenta costurar de volta uma continuidade que o contexto urbano quase rompeu. E faz isso com o apoio das lideranças locais como o cacique Josias, o vice-cacique Rodrigo Soares e toda a diretoria.
Quem quiser participar, o lançamento será hoje a partir das 18h30, na Rua Galdino Pataxó, s/n - Aldeia Marçal de Souza.
Acompanhe o Lado B no Instagram @ladobcgoficial, Facebook e Twitter. Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp (67) 99669-9563 (chame aqui).
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para entrar na lista VIP do Campo Grande News.




