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Artes

Atores reclamam de peça "censurada" em escolas estaduais de Campo Grande

Elverson Cardozo | 23/05/2014 15:36
Beijo gay é a última cena, mas final é escolhido pelo público.  (Foto: Helton Pérez)
Beijo gay é a última cena, mas final é escolhido pelo público. (Foto: Helton Pérez)

Depois de duas sessões lotadas para a peça “Entre Nós - uma comédia sobre diversidade sexual", a despedida do espetáculo baiano na noite de ontem (22), em Campo Grande, foi em tom polêmico. Atores acusaram a Secretaria Estadual de Educação de impedir a encenação aos alunos das escolas estaduais da cidade. A negativa gerou muitos comentários ontem, durante o Festival Brasileiro de Teatro, no Aracy Balabanian.

Um dos atores, Anderson Dy Souza, não disse detalhes sobre a negociação com a Secretaria, mas lamentou o ocorrido. “Posso dizer que sinto por isso, porque o espetáculo foi montado justamente para realizar a mediação dessa discussão na escola, mas eu tenho consciência de que nosso corpo docente não está preparado para abordar o tema, por um déficit de formação que eles têm”, afirma. A peça fala de preconceito e termina com um beijo gay.

Há dois anos em cartaz com “Entre Nós”, Anderson comenta que já havia acontecido algo parecido em Salvador, na Bahia. “As professoras que assistiam a peça antes dos alunos, desistiam de levar para as escolas por acharem que seus estudantes não estavam preparados para isso”, conta. Mas, felizmente, foram casos pontuais. Temos exemplos maravilhosos de ações nas escolas”, completa.

Mesmo assim, ele garante ter saído encantado com Campo Grande, onde público, nas palavras dele, “abraçou o espetáculo”. Mas também teceu criticas generalizadas ao modelo de educação brasileira.

“Precisamos que os professores sejam preparados para encarar temas como esse e que a família dos estudantes participem mais da vida escolar dos filhos. Acredito que tudo irá funcionar melhor quando a tríade escola-estudante-família forem mais entrosadas”, argumenta.

O Lado B procurou um dos organizadores do Festival do Teatro Brasileiro, Sergio Bacellar, mas ele não está autorizado a comentar o assunto.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Educação nega qualquer tipo de censura por conta do debate proposto pela peça. Segundo o órgão, houve apresentação de três trabalhos que poderiam ser encenados nas escolas estaduais e o escolhido foi “Sebastião”, do Território Sirius Teatro, também da Bahia, que foi apresentando durante ações de formação para crianças e adolescentes em vários colégios.

A montagem também é encenada durante o Festival Brasileiro de Teatro, patrocinado pela Petrobras, que neste ano roda o Brasil com produções baianas. "Sebastião" é uma peça baseada em fato real, ocorrido na Bahia. Conta a história de um nordestino que se vê envolvido em uma trama de perseguição depois que participa do saque de um avião que caiu com R$ 5,6 milhões. Devoto de Padre Cícero, viciado em jogos e totalmente endividado, ele, por obra do acaso, recebe um tesouro “dos céus” que acaba sendo o motivo de sua tragédia.

Igor Epifânio e Anderson Dy Souza em cena. (Foto: Helton Pérez)
Igor Epifânio e Anderson Dy Souza em cena. (Foto: Helton Pérez)

A peça - Anunciado como uma comédia sobre diversidade sexual, a peça "Entre Nós", vencedora em três categorias do Prêmio Braskem de Teatro 2012 (melhor espetáculo, melhor ator e melhor texto), surpreende do começo ao fim.

No palco, apenas um guitarrista (Leonardo Bittencourt) e dois atores, Igor Epifânio e Anderson Dy Souza. Eles tentam inventar, na hora, uma história de amor entre dois jovens gays, Rodrigo e Fabinho.

Não há objetos de cena, exceto a máquina de fazer fumaça e um aparelho de iluminação que, aliás, parece ser comandado pelos próprios atores. A primeira impressão é de que o trabalho se parece mais com uma palestra burocrática, isto porque as luzes não se acendem para um ato comum, com tudo esquematizado, com a maioria espera.

Os atores se apresentam de cara limpa, como atores mesmo. Cumprimentam os presentes, falam da peça, o que pretendem e, aos poucos, depois de oferecerem hipóteses para criar uma estória que pudesse abordar o tema, vão dando vida aos personagens. O tom bem humorado, a proximidade e interação acabam conquistando o público.

Sem trocas de figurinos, Igor e Anderson, além de interpretarem os protagonistas, encaram, de maneira intercalada, o aluno homofóbico, que não suporta "viado" e parte para a agressão, a garota atirada, o pai machista, a mãe superprotetora e a diretora de uma escola cristã, "sem preconceitos, mas com princípios".

Tudo isso permite trazer à tona situações comuns, vividas pela maioria dos homossexuais: A confusão na infância, quando a criança se vê “diferente”, o bullying na escola, a cobrança em casa, as agressões, o momento da descoberta, a paixão e, enfim, a primeira experiência.

Rodrigo e Fabinho ficam juntos, mas a história não termina assim. O encerramento, sugerem os atores, pode ser aberto a interpretação de cada um, sem final, ou com a cena clássica de um beijaço ao vivo. Em Campo Grande, na quarta-feira, o beijo venceu.

Quem ficou até o final aplaudiu de pé. Apesar disso, alguns, que pareceram incomodados, deixaram o espaço antes mesmo do grand finale.

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