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Artes

Em meio ao caos, palhaço de Campo Grande faz intervenção em comunidade do Rio

Adriano Fernandes | 14/03/2016 06:45
A última tentativa para sensibilizar os funcionários que ajudam na demolição da Vila Olímpica, foi por meio da música. (Foto: Elisângela Leite)
A última tentativa para sensibilizar os funcionários que ajudam na demolição da Vila Olímpica, foi por meio da música. (Foto: Elisângela Leite)

No dia 27 de fevereiro a arte tomou conta dos escombros dos barracos demolidos da Vila Autódromo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Um grupo de quase 30 palhaços, dentre eles o campo-grandense Thiago Moura, de 30 anos, se apresentou para algumas das famílias que insistiam em permanecer na vila, mesmo sob o aviso de desapropriação. Uma experiência incrível, para quem acredita no poder da arte.

No mesmo terreno onde os verdadeiros moradores perdem as casas se constrói um hotel mega luxuoso com todos os "alvarás", diz a legenda no Facebook. (Foto: Elisângela Leite)
No mesmo terreno onde os verdadeiros moradores perdem as casas se constrói um hotel mega luxuoso com todos os "alvarás", diz a legenda no Facebook. (Foto: Elisângela Leite)

A comunidade se tornou símbolo de resistência desde que a região começou a receber as obras das Olimpíadas Rio 2016, há cerca de dois anos. Thiago conta que o convite para participar da intervenção ocorreu durante os dias de seleção do processo seletivo do projeto Eslipa (Escola Livre de Palhaços), da Escola Nacional de Palhaços.

“Eu e mais um grupo de palhaços de outros estados do Brasil, Argentina e Colômbia estávamos no Rio para esse processo de seleção, quando ficamos sabendo da situação de alguns moradores dessa comunidade. Um local onde mesmo quem já vivia ali há mais de 30 anos, estava sendo despejado de uma hora para outra, recebendo em troca indenizações baixíssimas”, explica.

O artista conta que assim como é comum no teatro de rua, a intervenção não seguiu nenhum tipo de roteiro ou planejamento. A não ser pelo conceito de interagir diretamente com os moradores e com o próprio ambiente. Mesmo diante da situação caótica.

“O foco da intervenção eram as pessoas. Tentar reconstruir o estado emocional daqueles trabalhadores que viram suas casas e bairros sendo destruídos. Levar um pouco de música, diversão e lazer, mas ao mesmo tempo interagindo com aquele ambiente”, comenta.

Ele e os outros palhaços iniciaram a intervenção com um cortejo de cantigas de roda e, à base do improviso, usaram até mesmo o que sobrou da demolição para compor o espetáculo. Os garrafões de vidro vazios encontrados no entulho foram usados para ilustrar a região, onde até mesmo a distribuição de água é escassa.

Nas poucas paredes que ficaram de pé, a frase simboliza a indignação dos que insistem em permanecer no local. (Foto: Elisângela Leite)
Nas poucas paredes que ficaram de pé, a frase simboliza a indignação dos que insistem em permanecer no local. (Foto: Elisângela Leite)

No muro de uma das casas que permanecia em pé, a mensagem “Nem Todos Tem um Preço!” resumia a indignação dos muitos moradores que não queriam deixar os terrenos. Com o violino em mãos e ajoelhado em frente aos operários da obra, o som do instrumento de Thiago era a última tentativa de parar a demolição.

“Evidente que eles estavam lá cumprindo ordens, mas a intenção era apenas tentar conscientizar de forma lúdica, o que representa aquela desapropriação para alguns moradores”, comenta.

O final da apresentação foi com a formação de uma grande roda, onde os palhaços fizeram diversas apresentações musicais circenses para os moradores. O artista também lembra que entre as muitas situações curiosas que o grupo observou no canteiro de obras, a história de uma casa demolida ao meio, era a mais marcante.

“A casa era de um casal que se separou e o marido vendeu a parte dele no imóvel para a prefeitura. Mas a esposa não. As máquinas então partiram ao meio a construção, mesmo a moradora não sendo a favor da demolição”, comenta.

Ele recorda que, de tão agradecidos pela apresentação, os moradores deram até almoço para o grupo. “Eles nos receberam muito bem e ficaram muito agradecidos, não só pela a atividade de lazer, mas também pela visibilidade que nós atraímos para eles”, diz.

Mas a participação e o sorriso sincero das muitas crianças do local foi a melhor retribuição de agradecimento, avalia. “A interação delas foi o mais emocionante. De certa forma, elas não tem a noção do quão delicada é a situação em que vivem. Tem nos olhos a inocência de quem acredita em um mundo melhor e um palhaço de certa forma, representa isso. Também tem essa imagem a passar”, conclui.

O garrafão vazio foi usado para ilustrar o fato de que na comunidade, a distribuição de água é precária. (Foto: Elisângela Leite)
O garrafão vazio foi usado para ilustrar o fato de que na comunidade, a distribuição de água é precária. (Foto: Elisângela Leite)
A intervenção teve inicio com o cortejo de cantigas de roda. (Foto: Elisângela Leite)
A intervenção teve inicio com o cortejo de cantigas de roda. (Foto: Elisângela Leite)

Apesar do tom despretensioso da ação, Thiago explica que a intervenção teve também um posicionamento político, assim como em outras intervenções dele como palhaço em Campo Grande.

Há três anos, Thiago criou o grupo de palhaços Guardiões do Encanto, que entre algumas de suas ações distribuiu flores para os visinhos da FUNDAC (Fundação Municipal de Cultura) durante a invasão do prédio da instituição, pelo movimento S.O.S Cultura no ano passado.

Mas é também de autoria do coletivo o espetáculo “Uma Música e Uma Rosa” que aborda as pessoas na rua distribuindo rosas e tocando canções. Na ação “Uma Campanha de Abraços”, os palhaços saem às ruas com cartazes e faixas sugerindo o gesto, aleatoriamente para quem passa.

Da vivencia no Rio de Janeiro, Thiago conta que voltou inspirado para novas ações em comunidades carentes de Campo Grande, como na favela Cidade de Deus, por exemplo. “A ideia de buscar aperfeiçoamento no Rio de Janeiro é justamente pra trazer experiências novas pra nossa terra. Levar a arte para quem nunca teve acesso”, conclui.

Depois do período de seleção, Thiago foi o único artista de Mato Grosso do Sul, aprovado no curso de especialização de um ano na Escola Nacional do Circo, no Rio de Janeiro.

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