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Artes

Filme que acompanhou tribo kadiwéu por 15 anos será exibido em agosto na Capital

Naiane Mesquita | 27/07/2015 14:46
Pintura no rosto é "para que os inimigos não o reconheçam". Documentário será exibido em agosto em Campo Grande
Pintura no rosto é "para que os inimigos não o reconheçam". Documentário será exibido em agosto em Campo Grande

Lanças nas mãos, cavalos à espera. A fama de guerreiros kadiwéu há muito tempo povoa a mente de quem já ouviu falar de suas lendas. A cineasta Lucia Murat não só se deixou encantar pelos rumores como também os conheceu pessoalmente em 1999 durante a gravação do filme Brava Gente Brasileira, o qual era diretora.

Nas gravações de Brava Gente Brasileira, os índios interpretaram eles mesmos no filme
Nas gravações de Brava Gente Brasileira, os índios interpretaram eles mesmos no filme

Cerca de 15 anos depois, ela resolveu retornar ao ponto de partida de sua experiência antropológica para descobrir por meio de um documentário o que havia acontecido com os personagens que a tanto tocaram.

“O que mais mudou foi a aceleração do processo de aproximação do mundo branco, um massacre e ao mesmo tempo uma resistência incrível. Ao mesmo tempo percebemos a influência da igreja, são cinco igrejas dentro da reserva, por outro lado uma escola bem aparelhada”, descreve.

O mundo de antíteses que se formou a partir de seu retorno a aldeia kadiwéu Alves de Barros, no município de Porto Murtinho, foi descrito no filme A Nação que "Não Esperou por Deus", lançado este ano no Brasil e que será exibido em agosto em Campo Grande, ainda sem local definido. Na aldeia, o filme provavelmente só chegará em DVD.

“Foram 17 anos de produção, contando desde o início do filme até agora. Essa persona guerreira do século 18 dos kadiwéu parece voltar à tona com o processo de retomada das terras indígenas. Eles estão com a autoestima muito grande, mas o que mais me impressionou foi o massacre da influência branca e a questão fundiária”, confessa.

Retomada que para os índios é um termo errôneo: “Muita gente chama de retomada, mas a gente não chama de retomada e sim de reocupação, estamos em uma terra que sempre foi de nossos antepassados”, diz um dos indígenas durante o trailer.

Na pequena demonstração do filme, as negociações da entrada das famílias na terra, o culto realizado na linguagem deles e o problema do uso de drogas lícitas e ilícitas na aldeia são abordados. “A tradição deles é muito forte, realmente é uma história incrível. Nós temos o péssimo hábito de tratar eles de forma igual, mas cada tribo tem a sua história, fascinante”, acredita a cineasta.

Alguns rituais foram captados pela equipe na época
Alguns rituais foram captados pela equipe na época

Questiono se o próprio filme gravado em 1999 ajudou nessa interferência branca na cultura indígena, mas Lúcia ressalta que não. “Eu não filmei na reserva, fiz apenas uma pesquisa, um contato com eles, por meio de seminários, discussões, muitas entrevistas. Na época, todos os antigos eram vivos, cruzamos a bibliografia branca com a oralidade dos antigos. Tudo isso acabou porque eles morreram, apesar da comunidade ser bilíngue”, diz.

Um pouco nostálgica, a diretora diz que nunca quis impactar a comunidade. “Preferimos gravar no Forte Coimbra, em Bonito e Corumbá”, ressalta.

Mesmo assim, algumas crianças e adultos foram utilizados na produção do longa Brava Gente Brasileira e são incluídos no documentário de 2014. “O cacique Ademir Matchua era uma criança muito tímida em 1999 e acabou virando a liderança, com uma sabedoria muito grande, negociando com os pecuaristas. Nós ficamos muito chocados com a morte dele em dezembro de 2014 porque estávamos admirados com a figura dele, até fizemos uma homenagem no filme”, explica.

Além de Ademir, o documentário homenageia a D. Lair, “que morreu aos 102 anos, e a todos os antigos que contribuíram para esse trabalho nesses 17 anos”.

Apesar de todas as mudanças culturais dos kadiwéu, Lúcia acredita que o processo é natural. “Nossos rituais também mudaram, antigamente a viúva ficava de preto o ano todo. Cultura é mais amplo que seguir o mesmo ritual de ser, de pensar, de vivenciar a natureza. Quando Levy Strauss esteve com eles nos anos 30, os kadiwéu eram 200, agora são 2000. Eles resistiram aos momentos de maior massacre”, acredita.

Para ela, o destino da etnia é incerto. “Eles vão decidir como devem sobreviver, como viver”.

Imagens atuais foram captadas entre 2013 e 2014 na aldeia kadiwéu em Mato Grosso do Sul
Imagens atuais foram captadas entre 2013 e 2014 na aldeia kadiwéu em Mato Grosso do Sul
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