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Artes

Manoel de cabelos ainda pretos está entre registros inéditos do poeta para 2016

Paula Maciulevicius | 13/11/2015 06:12
Manoel de Barros em Nova York em 1947 durante o período em que passou no exterior.
Manoel de Barros em Nova York em 1947 durante o período em que passou no exterior.

Do poeta que usou palavras para compor silêncios, novas insignificâncias podem sair das gavetas para os livros. Na data em que a saudade completa um ano, Manoel de Barros deixa tesouros em histórias tão verdadeiras que podem parecer inventadas.

Cartas, correspondências, fotografias e anotações. A forma como Manoel encontrou de melhor se conhecer, fazendo totalmente ao contrário ganhará páginas nas reedições. A obra completa será toda reeditada, começando por três: "O livro das ignorãças", "Arranjos para assobio" e uma edição conjunta de "Poemas concebidos sem pecado" e "Face imóvel".

A editora Alfaguara ainda não revela o que vem de inédito, mas é tudo do acervo pessoal de Manoel, selecionado pela artista plástica e filha do poeta, Martha de Barros. O lançamento das obras abre as comemorações do centenário de nascimento de Manoel, ano que vem.

Os cadernos de rascunho do poeta eram feitos de folhas de papel grampeadas e capas desenhadas à mão pelo poeta. (Foto: Arquivo/Marcelo Calazans)
Os cadernos de rascunho do poeta eram feitos de folhas de papel grampeadas e capas desenhadas à mão pelo poeta. (Foto: Arquivo/Marcelo Calazans)

Por enquanto, a editora se limita a dizer que parte deste acervo ainda está em fase de organização e será utilizada para ilustrar os lançamentos. Como a fotografia de Manoel de 1947, época em que o poeta viveu em Nova Iorque.

Filha do poeta, Martha explica que a obra do pai já estava completa. E o que tem de inédito não será usado num novo livro. "Ele já morreu com quase 100 anos, o que está sendo feito agora são trabalhos sobre as obras dele", comenta. São peças teatrais como "O Delírio do Verbo", interpretado por Jonas Bloch, que inclusive esteve no Estado, na Feira Literária de Bonito.

Da obra que abre as reedições, há uma peculiaridade. Manoel de Barros era o perfeccionista das miudezas. Nunca se dava por satisfeito, a palavra era alterada até a hora final ou mesmo depois de publicada. Impresso em 300 exemplares, o "Livro das Ignorãças" teve dois erros corrigidos a próprio punho, pelo poeta.

Os trechos eram: "Para apalpar as intimidades do mundo - nesta frase, a digitadora colocou do corpo. E "onde a criança diz eu escuto a cor dos passarinhos - escreveram a "voz". Ele mesmo corrigiu e assinou exemplar por exemplar.

Martha diz que tem muita coisa a ser feita e lançada. O acervo pode garantir até exposição. A quantidade de material inédito está relacionada a timidez do poeta. "Caramujo, não gostava muito e tem coisa dele que não foi publicada", afirma.

Além das reedições, a família esperava expor material ainda esse ano, mas a crise parou até Manoel de Barros. "Está todo mundo adiando os projetos, o País está engessado. Para fazer um trabalho maior, precisa de financiamento", se limita a dizer Martha.

A filha e artista plástica ilustrou e cuidou das obras do pai. "Por gostar, ser bibliotecária e parceira dele". Sobre a mãe, Martha diz que dona Stella vai bem. Quem a encontra de vez em quando garante que entre as brincadeiras, ora ou outra ela solta "estou sentindo falta do Manoel..."

O coração de Manoel de Barros parou em novembro de 2014, depois de meses sem vontade de viver. (Foto de Marcelo Buainain)
O coração de Manoel de Barros parou em novembro de 2014, depois de meses sem vontade de viver. (Foto de Marcelo Buainain)

O poeta, nascido em Cuiabá, se tornou referência no gênero poesia e teve 34 obras publicadas sendo a primeira em 1937 e a mais recente em 2013. No exterior, teve três obras traduzidas em Portugal, França e Espanha. A história do escritor começou com “Poemas Concebidos Sem Pecado".

Ao todo, Manoel recebeu 13 prêmios, incluindo dois Jabuti de Literatura (1989/2002), além da Academia Brasileira de Letras, em 2000.

Veja a relação de obras do poeta e o que deve vir a seguir...

1937 - “Poemas Concebidos Sem Pecado".
1942 — Face imóvel
1956 — Poesias
1960 — Compêndio para uso dos pássaros
1966 — Gramática expositiva do chão
1974 — Matéria de poesia
1980 — Arranjos para assobio
1985 — Livro de pré-coisas
1989 — O guardador das águas
1990 — Gramática expositiva do chão: Poesia quase toda
1993 — Concerto a céu aberto para solos de aves
1993 — O livro das ignorãças
1996 — Livro sobre nada
1996 — Das Buch der Unwissenheiten - Edição da revista alemã Akzente
1998 — Retrato do artista quando coisa
2000 — Ensaios fotográficos
2000 — Exercícios de ser criança
2000 — Encantador de palavras - Edição portuguesa
2001 — O fazedor de amanhecer
2001 — Tratado geral das grandezas do ínfimo
2001 — Águas
2003 — Para encontrar o azul eu uso pássaros
2003 — Cantigas para um passarinho à toa
2003 — Les paroles sans limite - Edição francesa
2003 — Todo lo que no invento es falso - Antologia na Espanha
2004 — Poemas Rupestres
2005 — Riba del dessemblat. Antologia poètica — Edição catalã (2005, Lleonard Muntaner, Editor)
2005 — Memórias inventadas I
2006 — Memórias inventadas II
2007 — Memórias inventadas III
2010 — Menino do Mato
2010 — Poesia Completa
2011 — Escritos em verbal de ave
2013 — Portas de Pedro Viana

Retrato do artista quando coisa

A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.

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