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Comportamento

“É hora do preceito”, dizia avô às netas que agora tem amor tatuado nos braços

Após a morte do herói, Bruna e Renata decidiram agradecer com homenagem que não desaparece

Alana Portela | 11/04/2019 10:46
Bruna à esquerda e Renata são netas de Orlando Silva (Foto: Marina Pacheco)
Bruna à esquerda e Renata são netas de Orlando Silva (Foto: Marina Pacheco)

“Preceito é ter respeito por aquilo que está vivendo. Nosso avô sempre dizia essa palavra pra gente. Sentávamos para almoçar e ele falava: agora é o momento de preceito”, relatam as irmãs Bruna Rossi, 27, e Renata da Silva Rossi, 25, ao se recordarem do avô Orlando Silva, que faleceu aos 97 anos, em junho 2018. Para eternizar o amor, às duas fizeram uma tatuagem com a mesma fala em seus braços. Nesse momento, as lembranças veem à tona e a saudade aperta o peito, entre sorrisos e lágrimas elas contam como o avô se tornou um herói.

“É uma longa história, éramos muito próximos porque minha mãe casou em São Paulo, teve a Bruna. Quando estava grávida de mim, eles vieram para cá e o meu pai a abandonou. Ela ficou sem chão e foi morar com meus avós. Na época, tinha oito meses e a Bruna um ano e pouco. Nossos avós nos criaram com muito amor e carinho. Quase não via minha mãe porque ela trabalhava muito como cabeleireira”, recorda Renata, que é estudante de pedagogia.

A irmã mais velha, Bruna que trabalha na CCRMS-Vias, conta que “é aquela velha história”. “O pai abandona a mulher, e a mãe que sustenta os filhos. Ela foi pai e mãe, mas por trás disso tem os nossos avós. Na época, eles moravam na Vila Popular e por lá ficamos uns seis anos”, disse. Durante a conversa, a mais nova, Renata tem alguns flashes da infância.

“As lembranças mais fortes do vô é que sempre foi uma pessoa humilde, trabalhava no Círculo Militar, depois se aposentou. Gostava de criar bicho, nos ensinou a amar os animais, a ter um vínculo com a natureza, pois plantávamos. Teve uma época que ficamos na creche, mas foi por pouco tempo porque queríamo-los, por isso acabei não comendo. Ele sempre foi um avô excepcional, com um caráter ilibado. Todos o conheciam”, relata Renata já com os olhos cheios de lágrimas.

Conforme ela, uma das coisas mais marcante do período em que viveram com o avô, foi a palavra “Preceito”. “Isso era dito por ele sempre que nos sentávamos à mesa porque, às vezes fazíamos bagunça, riamos e logo escutava; Olha menina, é hora do preceito”, recorda a neta Renata. Ao citar o nome do senhor Orlando Silva, falta frases para expressar o imenso amor que sentem.

“Era uma pessoa honesta, maravilhosa, não media esforços. Foi à essência, o que sou hoje, maior parte é por ele. Tenho muita coisa dele, apreendi muito. Ensinou a amar a natureza, respeitar as pessoas, é o legado que deixou e que foi mais importante. O respeito com tudo e com todos. Além disso a sua simplicidade e o amor que sentia pela minha avó”, diz Renata de alguns momentos que viveu ao lado do avô. Em seguida, Bruna completa. “Sempre andou impecável, camisa e calças social, sapato engraxado, era demais. Tinha um chapéu de crochê e não tirava o relógio do braço para não perder a hora”, lembra.

Emocionada, a irmã mais nova, Renata conta que o avô sempre a educou para respeitar o próximo. Em um período, por conta do trabalho da mãe as irmãs tiveram de se mudar. “A gente foi com a mãe. Mas nos finais de semana, feriado, férias ficávamos na casa dos nossos avós. Sofremos muito com essa separação”, recorda Renata.

Na pele de Bruna a tatuagem simboliza os avós (Foto: Marina Pacheco)
Na pele de Bruna a tatuagem simboliza os avós (Foto: Marina Pacheco)
As netas têm fotografias dos avós e mostram dona Doraci e o senhor Orlando. (Foto: Marina Pacheco)
As netas têm fotografias dos avós e mostram dona Doraci e o senhor Orlando. (Foto: Marina Pacheco)
Registro de Orlando, quando a fotografia não era colorida (Foto: Marina Pacheco)
Registro de Orlando, quando a fotografia não era colorida (Foto: Marina Pacheco)

Doença e recordações - Com o passar dos anos, Orlando Silva passou a esquecer de alguns momentos. Sua memória já não estava tão boa quanto antes, explica Bruna. “Adoeceu, teve demência. Foi um período difícil, ele se esquecia das coisas. No entanto, apesar do problema, não deixou de tomar seu mate nas manhãs, após se levantar”, lembra.

A irmã mais velha relata que todos os dias, para o avô, o que não poderia faltar era o precioso mate. “Certas coisas, não esquecia, mesmo com a demência. O chimarrão era sagrado, todos os dias de manhã. Tomava ao acordar, depois da soneca de meio-dia. Algum tempo depois ficou tomando apenas de manhã”, conta.

Conforme a neta, no cardápio de casa nunca poderia faltar o também sagrado feijão, carne e mandioca. “No final da tarde, costumava tomar leite com farinha no copo”, diz a mais velha. Além do carinho pela família, senhor Orlando era apaixonado pela esposa Doraci Alves da Silva, 82, com que foi casado por mais de 60 anos.

“Nunca esquecia de cuidar da minha avó. Ela ia ao médico e ele ficava a cada cinco minutos perguntando dela; Cadê a Dora?”, lembra Bruna. Várias lembranças veem à tona, e com lágrimas nos olhos as irmãs recordam de um momento inesquecível do “quarteto”. “Tinha um toca disco e gostávamos de dançar, então arrastava o sofá. Eu dançava com o vô e a Renata com a avó, depois trocávamos de par”, relata Bruna já não contendo mais o choro. “Era lindo, e fomos felizes. É uma dor que não sei quando vai passar”, completa.

O momento marcou tanto sua vida que hoje, o toca disco tem mais de 40 anos e está na casa de Bruna onde permanecerá como uma lembrança boa. “Vou reformar porque tem um valor inestimável. A gente adorava por o disco, colocar a agulha e ver aquilo. Era a coisa mais tecnológica e atualmente é tão irrisório”, afirma Bruna.

O falecimento de Orlando aconteceu no dia 11 de junho de 2018, data marcada por recordações, tristezas e saudade. No entanto, para alegrar a família, Renata deu à luz a linda Maria Flor no dia 22, o que ajudou a segurar as pontas.

Bruna mostra a tatuagem que fez no braço para eternizar o amor pelo avô (Foto: Marina Pacheco)
Bruna mostra a tatuagem que fez no braço para eternizar o amor pelo avô (Foto: Marina Pacheco)
Renata também mostra a tatuagem no braço direito, feita como gratidão ao avô (Foto: Marina Pacheco)
Renata também mostra a tatuagem no braço direito, feita como gratidão ao avô (Foto: Marina Pacheco)

Amor eterno - A estudante de pedagogia, Renata faz questão de falar do amor entre os avós. “Ele era apaixonado, amava muito minha avó. A gente pedia para eles darem um beijinho. Quando mudamos de casa, o vô chegou a pegar ônibus para nos visitar porque era longe. Teve uma vez que chegou em casa com a pressão alta e precisamos levá-lo para a Santa Casa porque estava muito idoso e passando mal. Ele perguntava da gente sempre, se preocupava muito”, disse a neta mais nova entre risos e lágrimas.

“São tantas coisas que a gente guarda, momentos especiais. Não tivemos a presença de um pai, então nos apegamos muito a ele. Foi a nossa figura, nosso pai, nosso herói”, destaca a estudante. Na criação, conforme Renata, senhor Orlando ficou mais na parte educativa.

“Educou-nos bem, já minha avó foi à parte mais colorida, doidona, mais alegre. Sempre cuidou bem também, cozinhava pra gente. Eram trabalhadores, tanto que quando vieram para a Capital, a minha vó vendeu tudo que tinham para poderem comprar o lote na Popular e mandar as filhas para estudar”, conta.

Dona Dora e seu Orlando tiveram sete filhos, cinco mulheres e dois homens. “O pânico da avó era olhar ao redor e não querer que as filhas casassem com peão, para ter uma vida daquelas. Se sacrificaram para poder dar um futuro melhor a todos. Hoje todos estão formados. Na roça, plantavam cana, arroz, faziam serviços braçais.

A união de Orlando e Dora ultrapassou 60 anos e esse companheirismo, as netas têm como um espelho para a vida. “Seguimos como exemplo, estou com meu esposo há quase dez anos. Tenho minha filha Maria Flor de 9 meses e estou grávida novamente, de quatro meses”, revela Renata.

Questionadas sobre a tatuagem nos braços, Renata e Bruna contam que gostam de eternizar as lembranças na pele. “Nosso avô faleceu, foi um baque muito forte. Mas conversamos sobre a tatuagem e decidimos fazer. Na época, a Renata ainda estava grávida, faltavam poucos dias para a bebê nascer. Foi muito dolorido e cada uma fez um desenho”, diz Bruna.

Ao olhar para Bruna, a primeira tatuagem que aparece é a palavra “Preceito” com o desenho dos avós e um coração no meio ilustrando o amor eterno. Em Renata, a imagem é diferente, mas o significado é o mesmo. Preceito aparece nitidamente e ao lado um bigode, lembrando o do avô. “Ele tinha um bigodinho”, sorri Renata.

Além dessa, as irmãs ainda têm outras tatuagens em comum, como a cauda de sereia na perna da Bruna, que também está em Renata, porém na região da costela. “Sempre que pensamos em tatuagem conversamos fazer algo parecido, pois somos parceiras para tudo”, finalizou.

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A pequena Maria Flor no chiqueirinho, ao lado da tia Bruna e da mãe Renata (Foto: Marina Pacheco)
A pequena Maria Flor no chiqueirinho, ao lado da tia Bruna e da mãe Renata (Foto: Marina Pacheco)
Bruna fez outra tatuagem, mas desta vez uma cauda de sereia, mas combinou que a irmã antes (Foto: Marina Pacheco)
Bruna fez outra tatuagem, mas desta vez uma cauda de sereia, mas combinou que a irmã antes (Foto: Marina Pacheco)
Renata sempre parceira da irmã também fez o desenho da cauda de uma sereia no corpo (Foto: Marina Pacheco)
Renata sempre parceira da irmã também fez o desenho da cauda de uma sereia no corpo (Foto: Marina Pacheco)
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