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Comportamento

Aos 93 anos, Maria Conceição estreia no Instagram graças a forcinha do neto

Vovó coleciona histórias da época do êpa e agora encontrou nas redes sociais o seu passatempo preferido.

Gustavo Maia | 21/01/2019 08:40
Maria Conceição e o neto Eduardo, que criou o perfil da Vó Maria no Instagram. (Foto: Gustavo Maia)
Maria Conceição e o neto Eduardo, que criou o perfil da Vó Maria no Instagram. (Foto: Gustavo Maia)

Maria Conceição Capres Espíndola, de 93 anos, ou Vó Maria, como ela é conhecida no Instagram, teve sua infância e juventude marcadas pela falta de tecnologia. Mas os anos se passaram e muita coisa mudou: os passatempos preferidos de Dona Maria hoje são assistir no tablet vídeos de grandes pintores no Youtube, ver fotos de plantas suculentas e orquídeas nos grupos que participa no Facebook e aprender receitas de pratos na internet. Mas não é só isso: ela também está no Instagram como @InstaDaVoMaria, perfil que tem feito sucesso entre a galera com as dicas que ela dá sobre vários assuntos - desde estratégias para driblar o calor campo-grandense até dicas do que fazer no feriado.

“Eu gostei. É uma atualização pra mim, eu acho muito divertido. Coloco foto da gente andando, na sorveteria, almoçando fora, coloco vídeos. Esses dias troquei a capa do meu Facebook, coloquei a foto de um quadro meu”, conta ela, que sem nenhum fio de cabelo branco na cabeça, apesar dos 93 anos de idade, com um sorriso lindo no rosto garante que o castanho escuro de seu cabelo é natural.

Eduardo Espíndola, neto de Dona Maria que vive no Rio de Janeiro, foi quem criou os perfis nas redes sociais para a avó. Ele conta que o tablet, dado a ela de presente, era para eles se comunicarem por chamadas de vídeo, mas acabou virando a entrada dela para o mundo online. “Eu criei o Instagram pra ela em 2016, para ter um registro dos poemas, dos quadros, da vida dela, e também pra dar uma animada nela, porque foi bem na época em que ela perdeu uma filha e passou por um período meio complicado. E ela acabou gostando e tá sempre inventando alguma coisa na internet, ela é uma caixinha de surpresas”, conta Eduardo.

Vó Maria conectadíssima. (Foto: Gustavo Maia)
Vó Maria conectadíssima. (Foto: Gustavo Maia)

Nascida em 1925, na cidade de Cruz Alta, no tempo em que o lugar ainda se chamava Mui Leal Cidade do Divino Espírito Santo da Cruz Alta, ela se mudou ainda criança para onde passaria toda a infância, um lugar chamado Cabeceira do Apa, perto de onde hoje é Ponta Porã. Apesar dos anos vividos, ela ainda se lembra de quando ia na nascente do Rio Apa brincar ou buscar água e ficava impressionada com o fato de uma nascente tão pequena gerar um rio tão grande: “era muito lindo. A nascente é como um coração que pulsa. Tão pequenininha e logo ali na frente já é um rio. De onde que sai tanta água pra esse rio desse tamanho?”, recorda ela.

Com 17 anos ela se casou com Setembrino Espíndola, que era auditor, e se mudaram para um vilarejo chamado Aquidabã, que hoje não existe mais, pertinho de Ponta Porã, por conta da profissão do marido. Num lugar afastado da cidade, eles tiveram quatro filhos - Mario, Elena, Marisi e José - numa época em que nada era fácil: durante a Segunda Guerra Mundial. Maria se lembra que Setembrino foi convocado pelo Exército, mas por ter filhos pequenos não foi enviado aos campos de batalha na Europa. “Limpou os homens, os rapazes da cidade. Levaram tudo. Quase não tinha também o que comer. Não achava nem uma rapadura pra adoçar o café, não tinha açúcar. A gente fazia uma fila enorme pra receber um quilo de farinha que vinha dos Estados Unidos”, relembra.

Tendo superado a escassez de alimentos e de vários outros produtos durante o conflito, além das dificuldades impostas pelo modo de vida da época - sem água encanada ou luz elétrica, quando tudo era feito manualmente - ela acabou perdendo o esposo num acidente, ficando viúva aos 21 anos e tendo que criar sozinha os quatro filhos, num lugar que segundo ela, era “infestado de cobras de tudo quanto era marca”. Sobre o falecido esposo, lembrado sempre com muito carinho, ela diz que era um sujeito muito inteligente: “uma vez, como a gente não tinha eletricidade por causa da guerra, a gente criou um gerador de energia só com um motor quatro tempos de carro, movido a gasogênio, que dava luz pra quase uma hora”, relata ela.

Um dos muitos quadros pintados por ela. (Foto: Gustavo Maia)
Um dos muitos quadros pintados por ela. (Foto: Gustavo Maia)
Vó Maria não fez curso de pintura. (Foto: Gustavo Maia)
Vó Maria não fez curso de pintura. (Foto: Gustavo Maia)
Cores vivas e detalhes impressionam. (Foto: Gustavo Maia)
Cores vivas e detalhes impressionam. (Foto: Gustavo Maia)

E foi com a arte que Maria superou as dificuldades impostas pela vida. Artista autodidata, ela conta que começou a pintar por conta própria, sem curso nem nada, a pedido de um tal “rapaz muito vaidoso” que encomendou um retrato. Desde aquele dia ela nunca mais parou. Hoje, com a casa toda decorada com suas obras, Maria diz orgulhosa que já vendeu quadros para vários países. Além de pintar, ela também é escritora. Tendo publicado três livros - dois de poesia e um com a biografia de seu pai, Edevaldo Carpes - Maria enviava seus textos para a Revista Brasília e para coletâneas internacionais de poesia, tendo sido homenageada várias vezes pelo seu trabalho com diplomas e medalhas, além de inúmeros convites para exposições e eventos culturais. Como se não bastasse, ela também compôs músicas, inclusive uma especialmente para a capital sul-mato-grossense, chamada Campo Grande Camponesa Morena.

“Tem pintura minha por toda parte, até em Nova York. Tem quadro meu no Exército também. Eu fiz um quadro com as três armas - terra, água e ar - e Dom Pedro I. Eles queriam o quadro pra colocar lá no quartel, então eu doei. Eu vou deixando pra trás as coisas que eu escrevo, que eu pinto”, considera.

Maria Conceição exibe seus 2 livros de poesia e a biografia que escreveu sobre o pai. (Foto: Gustavo Maia)
Maria Conceição exibe seus 2 livros de poesia e a biografia que escreveu sobre o pai. (Foto: Gustavo Maia)
Ela mostra orgulhosa as medalhas que ganhou com sua obra literária. (Foto: Gustavo Maia)
Ela mostra orgulhosa as medalhas que ganhou com sua obra literária. (Foto: Gustavo Maia)

Apesar de ser escritora, pintora e compositora, ela ainda tinha outra profissão. “Eu pintava, escrevia, estudava música, estudava inglês, mas isso não dava pra viver. O que eu sabia fazer? Costurar. Eu costurei por quase 42 anos, costurava de dia e de noite”, conta ela. “Ponta Porã era uma cidade muito pequena. Se vestisse duas, três vezes o mesmo vestido a dona já começava ‘aquela tá repetindo roupa’ então eu comprava aqueles tecidos importados maravilhosos no Paraguai e fazia vestidos pras moças. Também fazia terno de homem, perfeito. Fazia terno, camisa e gravata, tudo”, explica Maria.

No final do ano passado, na semana de seu aniversário, Dona Maria sofreu uma queda e fraturou o fêmur, por isso está se recuperando numa cadeira de rodas, que ela não vê a hora de deixar de lado. “O meu quarto não tem televisão porque eu não paro - durmo, acordo e já vou procurar alguma coisa pra fazer. Faço uma coisa, faço outra. Administro tudo que é meu, ligo no banco, resolvo minhas coisas”, conta Maria, que sempre foi ativa e não pensa em parar.

No Instagram, os comentários nas fotos e vídeos dela são só amor e, agora que ela está se recuperando, desejos de que ela fique boa logo. Maria Conceição agradece o carinho de quem a acompanha e diz que pretende estar mais presente nas redes daqui em diante. “Tem muita gente lá. Quase não me correspondo com eles, mas eu preciso me conciliar, todo mundo reclama que eu não escrevo nada, mas daqui pra frente eu vou falar mais lá”, promete ela.

 

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Ela prometeu estar mais conectada para responder a galera nas redes sociais de agora em diante. (Foto: Gustavo Maia)
Ela prometeu estar mais conectada para responder a galera nas redes sociais de agora em diante. (Foto: Gustavo Maia)
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