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Comportamento

Com Alzheimer, pai é “Tchutchucão” que inspirou a filha a fazer faculdade

Para Nildo, Daniele dedicou até o diploma de Educação Física que conquistou

Jéssica Fernandes | 02/02/2022 08:51
Daniele na formatura ao lado do pai, mãe e irmãs. (Foto: Arquivo Pessoal)
Daniele na formatura ao lado do pai, mãe e irmãs. (Foto: Arquivo Pessoal)

A professora de Educação Física Daniele Gomes, 35 anos, faz de tudo para ver o pai bem e feliz. Apelidado carinhosamente pela filha de "Tchutchucão”, Nildo, há 11 anos, recebeu o diagnóstico de Alzheimer e demência alcoólica. Em meio à situação complicada de saúde, Daniele viu o afeto que nutre pelo pai ser triplicado.

Daniele entrou na vida do Nildo quando era somente uma menininha de três anos. Na época, ela veio morar em Campo Grande após a mãe pedir separação do primeiro casamento. “Eu não tive contato com meu pai biológico, viemos para cá e minha mãe conheceu ele (Nildo). Ela trabalhava com vendas e ele na barbearia”, explica.

Desse jeito, Nildo, de padrasto, ganhou o status permanente de pai da Daniele. Ao relembrar da infância, a professora de Educação Física relata que, apesar das dificuldades financeiras, a família encontrava uma forma de ser feliz e se apoiar. “Aos 13 anos, passei a ser atleta profissional de futsal e futebol por incentivo dele. Éramos bem humildes e como não tínhamos condições, ele me colocava na garupa da bicicleta e me levava para os treinos até debaixo da chuva”, recorda.

Filha e pai durante campeonato disputado em 2000. (Foto: Arquivo Pessoal)
Filha e pai durante campeonato disputado em 2000. (Foto: Arquivo Pessoal)

A situação da família só melhorou anos depois, quando Nildo recebeu uma premiação. Com o dinheiro, ele investiu na primeira casa de alvenaria e, junto com a mulher e as filhas, passou a viver de forma mais confortável. “Morávamos na casa de madeira, como se fosse um barracão. Depois dele ter ganhado a premiação, comprou nossa primeira casa, que foi a realização de um sonho”, explica.

Já aos 19 anos, Daniele se casou, teve a primeira filha e saiu da residência dos pais. Do dia para a noite, Nildo virou um avô super amoroso, que fazia questão de atravessar a cidade de bicicleta para ver a pequena Ana Luiza. “Todo dia, ele pegava a bicicleta, comprava danone e levava para a minha filha. Mesmo que ele fizesse só dois cortes de cabelo, ele pegava o dinheiro e comprava”, fala.

A descoberta do Alzheimer - Pouco a pouco, durante esses passeios diários, Nildo começou a apresentar os primeiros sintomas de Alzheimer. Ele saia, ficava confuso no trajeto e não reconhecia as ruas que antes, conhecia na palma da mão. “Ele esquecia os lugares para onde ele ia, começamos a notar que ele se perdia e tremia. Do dia para a noite, ele esqueceu de tudo e chegou a ficar internado várias vezes em clínicas”, desabafa.

Na varanda de casa, mãe e pai da Daniele reunidos. (Foto: Arquivo Pessoal)
Na varanda de casa, mãe e pai da Daniele reunidos. (Foto: Arquivo Pessoal)

Além de Alzheimer, Nildo também foi diagnosticado com demência alcoólica. A primeira doença, segundo Daniele, é genética, enquanto a segunda é resultado dos anos de consumo excessivo de álcool. “Ele bebia muito”, ressalta.

Nessa época, a mãe da Daniele estava há dois anos separada, porém abriu mão de tudo para cuidar do ex-companheiro. “Minha mãe é a fortaleza dele, ela é quem cuida, porque ele é acamado. Ele não anda, os músculos atrofiaram, ele usa fralda, então depende da gente pra tudo”, conta.

Depois que o pai ficou doente, Danile comenta que decidiu que iria trabalhar e estudar para garantir mais conforto ao pai. Na hora de decidir o curso, ela resolveu fazer algo que sempre gostou e, consequentemente, realizar um antigo desejo do Nildo. “O sonho dele era que eu me tornasse professora de Educação Física. Quando criança, eu já queria ser professora, então, comecei a estudar para dar essa vida melhor para ele e a minha filha”, esclarece.

A professora de Educação Física e o "Tchutchucão” dentro de uma loja. (Foto: Arquivo Pessoal)
A professora de Educação Física e o "Tchutchucão” dentro de uma loja. (Foto: Arquivo Pessoal)

Em 2018, no dia da formatura, a emoção dominou todos os presentes, principalmente Nildo. O momento mais marcante foi quando Daniele dedicou para ele o diploma de nível superior. “Ele ficou tão emocionado, que chegou a passar mal e teve que ir embora mais cedo”, lembra.

Conforme a profissional, os laços de afeto entre ambos ficaram mais fortes. Para conseguir visitar o pai todos os dias, Daniele optou por trabalhar em uma escola localizada na mesma região onde ele mora. “Depois da doença, criamos um vínculo muito grande. O afeto triplicou, peguei um amor grande, tudo que faço é pensando nele. Eu o chamo de Tchutchucão e ele fala que sou o amorzão dele”, afirma.

Questionada como a doença afeta a consciência do pai, ela explica que Nildo consegue lembrar de fatos e pessoas do passado, como amigos e familiares. “Ele esquece de coisas recentes e de momento. Ele lembra de mim, da minha mãe, irmãs, dos antigos amigos”, pontua.

Apesar de não conseguir se locomover, ele adora passear de carro com a Daniele. “E de som alto, viu?”, ri. Aos 54 anos, Nildo inverteu o papel desempenhado durante toda uma vida. “Eu era filha dele, agora ele é meu filho. O amor que tenho por ele, é o amor que sinto pela minha filha”, conclui Daniele.

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