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Comportamento

Curiosidade fez Larissa deixar a igreja evangélica para ser feliz no candomblé

Thailla Torres | 09/11/2016 07:46
Ainda em respeito a família, optou por não mostrar o rosto durante a entrevista. (Foto: Thailla Torres)
Ainda em respeito a família, optou por não mostrar o rosto durante a entrevista. (Foto: Thailla Torres)

Quando a regra no Brasil é engrossar o culto nas igrejas, Larissa fez o caminho mais difícil. Aos 26 anos, 20 deles como evangélica, agora ela é do candomblé, uma das religiões que mais sofre com o preconceito no País.

Desde criança, a curiosidade pelas religiões afro só aumentava. A família criava uma barreira sempre que o assunto surgia. Em casa, era sinônimo de coisa ruim. Até que a jovem largou o evangelho e decidiu conhecer de verdade o candomblé.

Em tempos de intolerância, Larissa segue determinada a ir contra a corrente afirmando que a felicidade é plena quando vivemos com as próprias escolhas.

Mesmo decidida, durante entrevista, a escolha em não mostrar o rosto tem sentido no respeito à família. “Ainda sofro intolerância religiosa dentro da minha família, não é essa de expulsar ou bater, mas não aceitam. Prefiro respeitar enquanto eu estiver lá”, justifica.

A curiosidade foi o empurrão para que Larissa mudasse radicalmente. “Cresci na igreja evangélica. Algumas histórias que eu ouvi desde criança é de que a minha vó e mãe já tinham ido para o candomblé. Mas não sei mesmo até onde elas foram, fui criada dentro de um padrão e isso aumentava minha curiosidade em saber o porquê de não poder mexer ou falar disso”, conta.

Aos 21 anos, um amigo que passou pela experiência de conhecer a religião fez o convite. “Era um momento que eu estava um pouco triste, normalmente as pessoas acabam procurando quando tem alguma tristeza”, diz.

Depois das dúvidas, a certeza de que estava no caminho certo.
Depois das dúvidas, a certeza de que estava no caminho certo.

A primeira experiência foi conhecer a umbanda, depois o candomblé. Quando chegou pela primeira vez a uma casa, ela admite que teve medo. “Quando eu comecei a chegar estava tremendo de medo. Na umbanda se cultua mais as entidades e no candomblé, os Orixás. Quando eu cheguei estava havendo festa muito bonita e na hora pensei: é aqui que tenho que ficar” lembra.

Depois do medo, neste período muita coisa mudou e fez de Larissa uma nova pessoa. “Vi os Orixás todos paramentados e bem vestidos. Foi ali que surgiu o amor. Desde então, foram seis anos, indo de casa em casa na cidade conhecendo a religião. Buscando conhecimento e entender o que era o candomblé”, diz.

Larissa buscava respostas para questionamentos que surgiram durante a vida. “As perguntas geralmente são as mesmas, sobre o que é isso, se acreditam em deuses ou se não acreditam. Mas não, nós também somos monoteístas”.

A diferença, ela diz que estão apenas nas palavras. “No português se chama Deus, para gente é o Olódùmarè, também aclamado por Olorun. E os orixás são os deuses, eles que cuidam de todas as energias e são os donos da natureza”, esclarece.

Quando tudo estava bem esclarecido, coração deu espaço à confiança para o momento certo de entrar no candomblé. “Depois de muito andar, só no ano passado decidi realmente entrar. Eu já sabia de tudo, vi que estava passando o meu tempo e que os orixás estavam me chamando. Já sabia que era meu caminho”.

Entre a escolha da fé e a família, surgiu o silêncio. “Tentei levar a informação até a minha família, mas minha mãe apenas disse que tudo que eu fizesse fora de casa, não era do interesse dela. Tanto, que eu parei a conversa por ali e respeitei sua vontade. Foi aí que eu resolvi viver minha fé, mas dentro da casa dela, mantenho o respeito e não faço as minhas coisas de santo”.

Longe dos pais, o medo é outro. A intolerância maior quando o assunto é religião, que muitas vezes acaba parando nos sonhos de Larissa. “Tive muito medo, porque a maldade das pessoas não tem limites. Eu sonho com isso, com as pessoas me atacando, com a casa pegando fogo”, lamenta.

Ela diz conhecer os piores casos de intolerância religiosa. “Vi quem perdeu o emprego, que já foi expulso porque esquece as roupas brancas no varal. Houve casos de apedrejamento”, conta.

A violência física, ainda bem, nunca esteve perto dela. Mas andando pela cidade, comenta que os olhares denunciam o repúdio. “Em Campo Grande, toda vez que eu sai com a roupa branca, senti olhares tortos. Se uma criança então me olha, os pais fazem que não é pra olhar. Acha que somos do demônio e que fazemos macumba para que tudo aconteça”, conta.

Apesar de tudo, as mudanças na vida de Larissa, depois que entrou para a religião, superam todas as dificuldades. “Me desliguei de todas as outras coisas, chegar no ilê é como esquecer de todos os meus problemas. O que mudou? É que a gente vê que existem escolhas, perde o preconceito e se abre para as coisas novas. Fiquei mais humana, porque é uma religião que eu escolhi, ela não foi imposta, então eu escolhi amar”, afirma.

Mesmo com o silêncio da família, nada é capaz de lhe tirar a alegria. “Quando saio de casa, deixo a minha família ali para viver a minha fé e isso me faz muito feliz. Mesmo que as vezes tenha tanta coisa para fazer, saio de dentro do ilê renovada. Porque deixo todas as angústias irem embora”.

Se tem solução para o preconceito? Ela não tem dúvidas, mas só o respeito é capaz de superar toda intolerância. “Acho que o que precisa é perder a individualidade, saber que a verdade do outro não é igual a minha. Todos temos escolhas, mas no fim, todas as religiões falam do amor e ninguém fala que a gente deve apedrejar as pessoas. Porque se a gente se organizar direitinho, todo mundo vive sua a religião", acredita.

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