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Comportamento

Em barraquinha, moradora de rua não esqueceu de árvore e tapete de boas-vindas

Luzia recupera a vida de objetos que encontra no lixo para trazer um pouco mais de beleza à barraca de lona, que para ela tem o verdadeiro significado de lar.

Kimberly Teodoro | 25/12/2018 07:19
Decorada pela simplicidade e esperança, a barraca de lona é lar para quem tem quase nada (Foto: Kimberly Teodoro)
Decorada pela simplicidade e esperança, a barraca de lona é lar para quem tem quase nada (Foto: Kimberly Teodoro)

Para quem tem pouco e mora sob as estrelas, o cuidado com a barraca de lona transformada em casa mostra que o conceito de lar é muito mais relacionado ao afeto do que aos bens materiais. Em uma calçada nos arredores da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro encontramos umas dessas histórias.

Dentro da barraca, alguns objetos pessoais, roupas e um colchão, a maioria itens vindos de doações, mas o que desperta mesmo a curiosidade é lado de fora. Com a chegada de dezembro o tapete de “boas vindas” na entrada ganhou a companhia de uma árvore de natal e laços vermelhos, até as árvores em volta foram enfeitadas, deixando claro que magia do Natal é mais importante que o valor dos enfeites.

No corpo, marcas dos anos e dos maus tratos sofridos por quem vive na rua (Foto: Paulo Francis)
No corpo, marcas dos anos e dos maus tratos sofridos por quem vive na rua (Foto: Paulo Francis)
Vivendo um dia de cada vez, Luzia não perde a vontade de trazer um pouco mais de beleza para o lar (Foto: Paulo Francis)
Vivendo um dia de cada vez, Luzia não perde a vontade de trazer um pouco mais de beleza para o lar (Foto: Paulo Francis)

Morando nas ruas há 10 anos, Luzia não quer o rosto no jornal e nem dá o nome completo na hora da conversa. Apesar de comunicativa e conhecida pelos moradores da região, ela prefere não se identificar e nem falar muito do passado, a idade ela já perdeu as contas e quando questionada sobre as escolhas que a levaram até ali, a única resposta é que não podem ser refeitas e falar disso é de pouco uso para ela.

Nas bochechas e na testa, manchas são visíveis mesmo em contraste com a pele bronzeada pelo sol forte. O sorriso é tímido, ofuscado pela falta de dentes e o amarelamento dos restantes. O peito expõe cicatrizes finas de cortes feitos a faca, segundo Luzia, consequência de brigas das quais entrou no passado. Algumas vieram por rivalidade, a mais profunda com vestígios de pontos, foi o golpe de desespero vindo outro morador de rua enquanto ela dormia para levar os pertences que tinha junto a si.

Vaidosa, ela não quer que os filhos e netos vejam essas marcas deixadas pelo tempo e pelos maus tratos da realidade de quem está há tantos anos nas ruas, dependendo da caridade alheia para arranjar a próxima refeição e ter o mínimo para sobreviver.

Luzia divide o teto de lona com o “marido”, que conheceu nas ruas e é conhecido pelo apelido de “Formiga”, nesse dia ele não estava em casa, havia ido atrás dos papéis para tentar um emprego na coleta de lixo, um dos poucos lugares que o casal ainda acredita haver oportunidade para quem, assim como eles, não têm casa, nome importante, mas vive sob um histórico de dependência química.

No canteiro das árvores, Luzia aproveita o espaço e cultiva o próprio jardim com flores recolhidas no lixo (Foto: Paulo Francis)
No canteiro das árvores, Luzia aproveita o espaço e cultiva o próprio jardim com flores recolhidas no lixo (Foto: Paulo Francis)

Otimista, ela conta que também tem um emprego em vista e que uma senhora chamada Cleuza prometeu ajudar. Luzia jura que em breve, provavelmente na próxima quarta-feira, vai se mudar para uma casa com paredes de verdade onde ela e o marido vão ser zeladores de uma família que viaja muito.

Voluntária na Perpétuo Socorro, Liliane de Niz conhece Luiza há bastante tempo, assim como os moradores da região que não se incomodam com a presença da barraca na calçada e que segunda Liliane, quando podem também levam comida e roupas para a “vizinha”. Ela conta também que os filhos de Luiza já apareceram algumas vezes e tentaram levar a mãe dali, mas a dependência química impede um recomeço.

A história da tal senhora que vai arrumar um emprego para Luzia já foi contada muitas vezes, tantas que a voluntária já sabe de cor, mas diz nunca ter visto a pessoa que a moradora de rua descreve. Assim, a tal quarta-feira veio e passou já tem algum tempo, mas a barraca de lona decorada pela simplicidade e pela esperança continua na calçada.

Cuidado com que Luzia protege o jardim chama a atenção de quem passa por ali (Foto:  Paulo Francis)
Cuidado com que Luzia protege o jardim chama a atenção de quem passa por ali (Foto: Paulo Francis)

Independente das condições em que vive, ela não perdeu a vontade de trazer beleza para o lar, onde faz questão de colocar um pouco da própria personalidade, que ganha mais vida com as flores que Luzia encontra no lixo e planta nos canteiros, sob a proteção da sombra das árvores.

Apesar de toda a atenção dedicada às plantas, Luzia reclama que quando se afasta muito de casa as mudas somem porque quem passa por ali e vê as flores bem cuidadas acaba arrancando o pé e levando embora. A perda mais recente foi um pé de pimenta dedo de moça, que ela colhia e vendia aos fiéis da Perpétuo Socorro em ramos por R$ 5,00 reais.

“Muita coisa do que as pessoas jogam fora ainda pode ser aproveitado, todas as minhas mudas encontrei quase mortas, plantas que custam caro no supermercado, mas que precisam de cuidado e essa parte ninguém quer. Eles querem enquanto está florido e bonito, mas depois é mais fácil jogar fora e comprar outro do que cuidar e esperar florescer de novo”, conta, mostrando com orgulho o cantinho cultivado.

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Da frente da barraca até as árvores no canteiro, tudo ganha um pouco do espirito natalino (Foto: Kimberly Teodoro)
Da frente da barraca até as árvores no canteiro, tudo ganha um pouco do espirito natalino (Foto: Kimberly Teodoro)
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