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Comportamento

Fotos antigas contam a história de Leal, o "Homem das Bicicletas" na 14 de Julho

Loja funcionou durante 40 anos e era tão movimentada que família chegou a fazer ceia de Natal, dentro da loja, enquanto vendia bicicleta

Thailla Torres | 23/10/2018 07:41
Loja de Francisco Leal Junior na 14 de Julho. (Foto: Arquivo Pessoal)
Loja de Francisco Leal Junior na 14 de Julho. (Foto: Arquivo Pessoal)

Os mais antigos em Campo Grande certamente compraram ou conheceram a loja de bicicletas “O Centro Ciclístico” que vivia de portas abertas na Rua 14 de Julho e funcionou até 1975. Lá dentro a cordialidade vinha de Francisco Leal Junior, que veio de Portugal para se aventurar na América do Sul e foi um dos pioneiros na venda de “magrelas” pela cidade. Quem mantém viva essa história de comerciante é a filha caçula, Evanise Leal Pinto Costa, que com fotografias antigas narra as conquistas da família e o que ainda sobrevive na memória do campo-grandense.

O retrô autêntico das bicicletas Caloi era a novidade e o sucesso em 1935 quando Francisco abriu a loja. O primeiro ponto foi entre Dom Aquino e Barão do Rio Branco, mas com o aumento da freguesia foi necessário mudar para mais perto da Afonso Pena, onde ao lado funcionava o Cine Trianon.

Loja tinha de tudo um pouco, mas era conhecida pelas bicicletas e acessórios. (Foto: Arquivo Pessoal)
Loja tinha de tudo um pouco, mas era conhecida pelas bicicletas e acessórios. (Foto: Arquivo Pessoal)

A história começa quando Francisco usou o dinheiro que tinha no bolso para comprar 6 bicicletas e alugar na cidade. “Foi um dos pioneiros em aluguel de bicicleta. Naquela época, em Portugal, se usava muita bicicleta pelas ruas e aqui ainda estava caminhando. Então ele investiu o que tinha”.

Passou a alugar, vender e consertar as bicicletas com fornecimentos de peças nacionais e importadas. Foi o primeiro a vender Caloi na cidade, segundo a filha, e seu concorrente mais próximo era um imigrante da Grécia, Evângelo Palieraqui, que logo deixou de lado as atividades.

Sem concorrência e com a cidade plana, o uso da bicicleta tomou conta entre adultos e crianças. Era o presente mais sonhado pela meninada, o que fazia o comerciante dobrar o estoque e ver a última bicicleta ser vendida na véspera de Natal.

“Um momento que eu nunca consigo esquecer foi uma véspera de Natal em que minha mãe levou a nossa ceia com peru para dentro da loja porque era 23h e meu pai continuava vendendo bicicleta. Naquela noite vimos a última bicicleta ser vendida para presente”.

Evanise guarda recortes e fotografias que contam a história do pai. (Foto: Thailla Torres)
Evanise guarda recortes e fotografias que contam a história do pai. (Foto: Thailla Torres)

Naquele tempo com pouco movimento de carros, a Rua 14 de Julho era um ponto de encontro para famílias da cidade, onde também havia antes das aulas, durante a semana, encontros de crianças para jogos de bolinha de gude e peões. Seu Francisco conhecia pelo nome cada cliente e cada criança que via crescer em cima de suas bicicletas.

Promovia na cidade corridas ciclísticas, em plena 14 de julho, onde Evanise e as amigas tinham as bicicletas mais decoradas. “A minha era cheia de mimos e enfeites. Meu pai fazia questão de decorar. Era assim também no desfile de 7 de Setembro, ele tinha muito orgulho ao ver as bicicletas nas ruas”.

Francisco nascido em 14 de novembro de 1907, morava na região de Algarves, em Portugal, quando deixou o país aos 18 anos para reencontrar o pai que estava em Campo Grande e foi dono Hotel Noroeste próximo ao terreno onde mais tarde foi construído o Hotel Gaspar.

Desfile ciclístico e Evanise à esquerda com sua bicicleta enfeitada. (Foto: Arquivo Pessoal)
Desfile ciclístico e Evanise à esquerda com sua bicicleta enfeitada. (Foto: Arquivo Pessoal)
Evanise na porta de casa, na Barão do Rio Branco. (Foto: Arquivo Pessoal)
Evanise na porta de casa, na Barão do Rio Branco. (Foto: Arquivo Pessoal)

No trajeto à América do Sul passou em Buenos Aires, Argentina, para visitar um dos irmãos e chegou de vez em Campo Grande. Após ver o pai foi seguir a vida como comerciante e se apaixonou Alcy Araújo Leal, professora cuiabana da família Paes de Barros, que naquele tempo dava aula nas escolas públicas da cidade. “Minha mãe era uma mulher muito inteligente e meu pai também, logo se apaixonaram e casaram-se. Viveram juntos mais de 60 anos. Ela sempre ensinando e o ajudando na loja”.

Com o sucesso das vendas Francisco conseguiu construir uma residência na Rua Barão do Rio Branco, entre Pedro Celestino e Rui Barbosa, que hoje teve sua memória apagada com a reforma de fachadas de lojas. “Era uma das casas mais bonitas da rua. Os traços do portão, das janelas, todo mundo amava”.

Amarelinha, bicicleta, corre-corre, são brincadeiras que dona Evanise não é capaz de esquecer diante da alegria que era ver as amigas descerem a rua para brincar na porta de sua casa. “Naquele tempo era tudo mais tranquilo. Ali na frente era uma vila de casas de militares e os filhos dos vizinhos se reuniam para brincadeiras todos os dias. Eu gostava muito da nossa casa”.

A loja de Francisco funcionou até 1975 quando ele resolveu descansar do comércio. A esposa partiu em 1995 e ele 2004, aos 95 anos com uma lucidez que impressionava a família. Além de Evanise o casal teve Mário Edson e Marlise, filhos também já falecidos.

Em dezembro de 2012, Francisco Leal Junior foi homenageado com seu nome dado à ciclovia de cerca de 7,6 km de extensão que começa na Praça Newton Cavalcante e vai até o Parque das Nações Indígenas. Dona Evanise e o filho receberam a placa da Prefeitura, a mesma que até hoje ela guarda com carinho na parede de casa.

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Hotel Noroeste, fundado por Francisco Leal, o avô de Evanise. Edifício clássico ficava na Calógeras, de esquina com a Estação Ferroviária. (Foto: Arquivo Pessoal)
Hotel Noroeste, fundado por Francisco Leal, o avô de Evanise. Edifício clássico ficava na Calógeras, de esquina com a Estação Ferroviária. (Foto: Arquivo Pessoal)
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