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Comportamento

História de jaqueta faz homem reconhecer porteiro que virou desembargador

Paula Maciulevicius | 23/07/2015 06:56
Cláudio e Josué, numa tarde de café e lembranças de Dourados. (Foto: Fernando Antunes)
Cláudio e Josué, numa tarde de café e lembranças de Dourados. (Foto: Fernando Antunes)

"A blusa vermelha mais linda do mundo". Uma mesma citação vivida numa distância de 45 anos. Quando menino, Cláudio Manoel presenteou com uma jaqueta vermelha o porteiro do hotel que tanto admirava. A cidade era Dourados, nos tempos de ruas de terra, em que a energia só ia até 11h da noite. 

Na década de 70, Cláudio morava no tal hotel e fazia parte da rotina da família dos donos, por conta das tantas viagens que o pai fazia. Deles ganhou a jaqueta vermelha de nylon. Na mesma intensidade do calor do verão, no inverno a cidade também sabe ser fria.

Em uma noite de inverno, ele recorda ter chegado ao hotel e ser recebido pelo porteiro, Josué, poucos anos mais velho que ele, com tanta responsabilidade entre trabalhos e estudos. "Admirava aquele rapaz, um homem nas atitudes, enquanto eu andava descalço correndo atrás de bola..."

Vendo o porteiro com um agasalho 'precário', Cláudio menino tirou a própria blusa e deu a ele. O funcionário disse que devolveria no dia seguinte, mas o garoto respondeu que não, o blusão era presente. "Algum tempo depois me mudei, Josué mudou de emprego e nos perdemos por essa vida e nunca mais nos vimos..."

Depois de 1991, Cláudio nunca mais havia visto o porteiro que se tornou desembargador. (Foto: Fernando Antunes)
Depois de 1991, Cláudio nunca mais havia visto o porteiro que se tornou desembargador. (Foto: Fernando Antunes)

Passaram os anos, tanto para Cláudio quanto para o porteiro Josué e a cidade de Dourados. Até que na década de 90 o menino já adulto acompanhou o pai a uma reunião do Ministério Publico, realizada num restaurante do município.

A grata surpresa foi ver quem era o grande homenageado, o mais novo desembargador. "Era ninguém menos que meu amigo Josué, dando uma inesquecível lição de humildade e determinação..." Na ocasião, Cláudio quase não o reconheceu, foi o pai quem o recordou do passado. 

Depois de 1991, para sermos mais exatos, Cláudio nunca mais havia visto o porteiro que se tornou desembargador, até a tarde dessa quarta-feira, quando se encontraram para um café de lembranças em Campo Grande. Cláudio hoje tem 57 anos, Josué, 71.

"São muitas coisas para relembrar, o senhor era uma referência de conhecimento jurídico", descreve Cláudio Manoel de Carvalho Costa, hoje comerciante. De Dourados daquela época, os dois se lembraram do nome do hotel, Figueira Palace, do endereço, na Avenida Marcelino Pires, de personagens da cidade, estabelecimentos, bairros e da prosperidade que Dourados respirava à época.

Josué é nascido no interior de São Paulo, chegou aos 7 anos em Dourados, sem saber de fato o que a família buscava ali. "Meu pai era um senhor sem cultura, trabalhador braçal...", explica o desembargador Josué de Oliveira. E é Cláudio quem resume que a cidade era considerada "terra de sonhos", com uma propaganda forte quanto à abertura da fronteira da Pecuária.

Josué vinha de família humilde, viajava 12h de Fusca para estudar Direito. (Foto: Fernando Antunes)
Josué vinha de família humilde, viajava 12h de Fusca para estudar Direito. (Foto: Fernando Antunes)

"Eu sei que nós ficamos, meu pai começou a trabalhar com charrete, moramos no Jardim Santo André, era uma casa pequena, a gente não tinha recurso, não tinha nada..."

De Dourados, quando jovem, se mudou para Lins para estudar, fez Científico, Contabilidade e voltou ao então Mato Grosso, onde trabalhou no hotel e na prefeitura, até ter um escritório primeiro de contabilidade para depois assumir num de Direito, quando já formado.

"Comecei a faculdade em 71, terminei em 75, neste mesmo tempo eu trabalhei no hotel. O curso foi feito em Uberaba, num sistema de assistir as aulas aos finais de semana, eu tinha um fusquinha. Saía de Dourados às 4h da tarde na sexta, viajava, assistia as aulas sábado de manhã, à tarde e domingo voltava. Trabalhava no hotel para pagar a faculdade e viver", conta Josué, que foi porteiro, copeiro e gerente no estabelecimento.

Depois da divisão do Estado, surgiram concursos para preencher o quadro jurídico do então Mato Grosso do Sul. Em 1979, Josué tentou vaga no Ministério Público, não passou e em 80 prestou para ingressar na magistratura. "Passei e tomei posse em 1 de setembro de 1980", relembra. No tempo de serviço, esteve à frente das comarcas de Maracaju, Ponta Porã, Dourados e por fim, Campo Grande. Em 1991, foi para o Tribunal de Justiça, como desembargador.

O desembargador enumera os anos de magistratura, de 1980 a 2014, quando completou 70 anos de vida. "Eu acreditava que estava contribuindo para distribuir Justiça", diz.

Sobre recordar o que passou, Josué fala que é bom. "A gente lembra de um tempo que foi bom, das pessoas, esquece alguns nomes, mas lembra das histórias..."

Cláudio, que puxou da memória desde a história da jaqueta, prometeu a si mesmo que colocaria o passado no papel, 12 anos atrás, depois de um câncer. Pela doença lhe deram uma sobrevida de 5 anos, já se passou mais que o dobro e ele segue firme no propósito de lembrar tantas outras histórias futuramente num livro de crônicas.

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