Isabela colocou mão na graxa com a mãe para manter a oficina do pai
Juntas, elas transformam dor de ter perdido Rinaldo em força para manter memória dele viva
Há dois anos, mãe e filha se empenham para manter o negócio que era o sonho de Rinaldo Fernandes Pinheiro, conhecido como Zinaldo. A oficina mecânica no Jardim Leblon foi o sustento da família por anos e segue sendo, mas agora com a direção de Isabela Dias Gomes, de 17 anos, e Elisângela Dias Gomes, de 50. A história poderia ser diferente se Rinaldo não tivesse sido assassinado em 2023.
A filha resolveu meter as caras e aprender um pouco mais de mecânica para seguir com o centroautomotivo e manter a memória do pai. Mas para aguentar a bronca, a Zinaldinha – como ficou conhecida – precisou provar que sabe o que faz. Entre as funções está a troca de pneus, balanceamento, revisões e o que mais precisar.
O trabalho não é simples, tampouco fácil, já que o preconceito ainda é o que dita as regras nas oficinas. O gosto por mecânica foi herdado do pai, que também herdou do avô. Os “macetes” ela aprendeu só de olhar o pai, que atuou na área quase a vida inteira. Para ela, não há pneu, caixa de ferramenta ou função que seja mais pesada que a dor de não ter mais o pai.
Vendo o empenho da filha, Elisângela resolveu se juntar à luta e manter o lugar. Aos poucos, ela foi se sentindo à vontade para liderar a parte administrativa, enquanto a filha cuida dos carros. Claro, ela não faz todo o trabalho sozinha; também há funcionários para conseguir suprir a procura.
Ela conta que o marido era figura respeitada no ramo e que a fama de um bom atendimento foi mantida por elas. “Eu e a Bela nos juntamos e a gente tinha duas opções: ou ficar chorando, esperando que as coisas caíssem do céu e a gente resolvesse, ou enfiar a mão na massa. A Isa resolveu que a gente ia enfiar a mão na massa”, comenta Elisângela.
Desacostumadas a falar sobre Rinaldo e a palavra “assassinado”, assim, em uma mesma frase, as duas se olham como quem busca forças uma na outra.
“Ele era companheiro para tudo. Aqui a gente sempre foi muito juntos, a gente pescava, trabalhava. Tenho muito orgulho dele. Ficamos juntos 17 anos e trabalhamos juntos. Eu ficava na parte financeira, que eu sou contadora. O que fica dele é tudo. Hoje não tem nada mais colorido, sinto muito a falta dele. Eu perdi um marido, um amigo e o pai da minha filha. Se eu pudesse voltar no tempo, eu voltaria e faria tudo de novo. Vivi os melhores dias da minha vida com ele. Ele me ensinou a ser empreendedora, a não desistir. Ele era uma fênix. Se ele estiver em algum lugar, deve estar orgulhoso da gente", desabafa.
A filha comenta que, antes da morte do pai, estava presente na oficina, mas que mantinha uma vida comum de jovens da idade, estudando e saindo. Agora, o objetivo é fazer o negócio do pai continuar dando certo, homenageá-lo dessa forma.
“Meu pai era tudo. Por mais que não precisasse estar aqui sempre, ele me pedia ajuda. Hoje sou grata por cada conselho. Aprendi olhando ele. Ele falava que não precisava me explicar, que eu estava aprendendo, e era realmente isso. Ele tinha 53 anos. Desde os 15 anos era lutador, era transplantado. Quero fazer um memorial aqui para ele”.

Preconceito
Diante de tantos problemas, as duas ainda tiveram e têm que enfrentar o preconceito por parte de clientes que não acreditam que duas mulheres possam gerir uma oficina mecânica.
O sabor de ser descredibilizadas e desmerecidas é amargo, mas elas se mantêm firmes. As duas contam que já escutaram que o serviço estava errado, quando, na verdade, não estava, e que elas não entendiam nada da coisa.
“A gente continua. Temos que manter esse legado dele, não vou deixar morrer assim. Os primeiros seis meses foram muito críticos, nós perdemos vários funcionários. Isso de ser administrado por mulher, ser comandado por mulher, não é fácil. O povo é muito preconceituoso. Várias vezes mandaram a gente montar salão de beleza” comenta Elisangela.
Apesar dos desafios, o sonho de Isabela é algo totalmente diferente do que ela faz; a vontade futura é de cursar medicina. Por enquanto ela aprende a importância de algumas peças e onde cada coisa se encaixa nos veículos.
Isabela conta que a conexão com a mecânica faz parte de quem ela é e que, na infância, tem memórias de estar nesses ambientes com o pai, tio e avô.
“Eu era pequena, o meu vô é mecânico, o meu pai sempre do ramo de pneu, o meu tio mecânico, então eu sempre tava debaixo do carro, enchia de graxa, então sempre tive isso em casa. Não é fácil. É assim, é um cenário que sofre bastante preconceito”.
Embora seja complicado, as duas têm esperanças de que o lugar prospere e que a memória de Rinaldo permaneça sempre.
“Tem cliente que chega aqui e fala: ‘Nossa, você não tem orgulho da sua menina?’ Eu falo que eu morro de orgulho. É o carisma dela com o cliente também, além do trabalho. Isso é gratificante. Ver que a gente teve todas essas dificuldades que a gente teve e está passando e ainda tem esse retorno positivo”
Acompanhe o Lado B no Instagram @ladobcgoficial, Facebook e Twitter. Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp (67) 99669-9563 (chame aqui).
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.