Milly Lacombe diz o que marmanjos não entenderam sobre feminicídio
Devota de Manoel de Barros, escritora palestrou na Bienal Pantanal neste sábado

“Estamos em guerra, isso são dados de guerra.” Com essa frase, a jornalista e escritora Milly Lacombe fez quem estava na plateia da Bienal Pantanal relembrar o que muito marmanjo ainda não entendeu sobre o feminicídio. Os dados não mentem, mas não chegam perto do verdadeiro cenário, já que muitos são subnotificados.
RESUMO
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A violência contra a mulher alcança níveis alarmantes no Brasil, com quatro feminicídios por dia. Em Campo Grande, uma mulher é assassinada a cada dois meses, segundo dados da Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública, que registrou 29 casos até outubro deste ano. Especialistas apontam que a maioria dos crimes ocorre dentro de casa, e muitas vítimas são mortas após pedirem ajuda. A situação é agravada pela subnotificação dos casos e pela necessidade urgente de políticas públicas efetivas e reeducação social para combater este cenário de violência sistemática contra as mulheres.
A realidade foi discutida em nível nacional, mas não é preciso ampliar o olhar para ver que aqui a situação é mais que problemática, é “guerrilha”. De acordo com a Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública), a cada dois meses uma mulher é vítima de feminicídio em Campo Grande. Os dados são de janeiro a outubro deste ano. O Estado já contabiliza 29 casos até outubro. No panorama geral, quatro mulheres são assassinadas por dia por feminicídio.
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“Esse dado é um absurdo; ele é um dado de guerra. Estamos, de fato, em guerra. A maior parte dos crimes de violência sexual acontece dentro de casa. O lugar mais perigoso do mundo para uma mulher estar é o próprio lar. Isso é devastador.”
A jornalista comentou que, apesar de parecer que há políticas públicas que amparam a mulher vítima de violência, ninguém leva a sério uma ameaça contra a mulher, nem mesmo a Justiça.
“Muitas mulheres são mortas depois de levantar a mão e dizer ‘me ajuda, ele vai me matar’. E realmente, mata. E não acontece nada. Porque não paga nada você matar a mulher. Até poucos anos atrás, você tinha um escape chamado ‘legítima defesa’, onde o homem poderia, se se sentisse traído na honra, matar. Isso estava nas nossas leis até ontem. A gente não vai conseguir mudar esse cenário se a gente não atuar em políticas públicas, em uma reeducação ampla, geral.”
Polêmica, Milly levou o público para o outro lado do debate: a infância de homens que cresceram ouvindo que não poderiam chorar e como isso impactou a vida deles. Inclusive, ela faz uma ligação disso com o feminicídio.
“Se ele escuta que chorar é parecer uma menininha, parecer a irmãzinha, é claro que vai crescer e entender que o que é da ordem do feminino é menor, menos importante, desprezível. Se isso é tão desprezível, eu posso silenciar, assediar, bater e matar.”
Para ela, não é possível destacar assuntos que se entrelaçam e é preciso responsabilizar também a sociedade pelo cenário, não apenas o homem.
“Um filósofo diz que o homem é violento e que, para se definir como tal, ele precisa sê-lo. Ele parte do princípio de que ao homem é dado o direito de tirar a vida e à mulher, o de dar a vida. Então esse encontro não tem como dar certo nesses termos. Um é a violência e, ao outro, cabe continuar reproduzindo a vida; isso vai dar ruim. Ele chama isso de ‘a Guerra dos Mil Anos’. Eu concordo.”

Para ela, uma das saídas para entender e melhorar a situação é o feminismo, que, segundo afirma, é o caminho para a emancipação. “O que muitos podem não ter entendido é que eles não estão ajudando a gente ao entrar nessa luta; eles estão se ajudando. Deve ser medonho crescer ouvindo ‘não chore’, ‘não demonstre que você é fraco’, ‘não peça ajuda’, ‘não seja vulnerável’. Deve ser muito difícil existir no corpo de um homem dentro de uma sociedade que diz isso. É violento não poder levantar a mão e dizer ‘não estou dando conta’.”
Um dos assuntos foi a violência velada, aquela que não é detectada de cara, que chamamos de violência psicológica, em que você se pergunta se, de fato, a situação está acontecendo ou se há um exagero na “interpretação”.
O feminismo dá algumas ferramentas para a gente entender quando ela se apresenta, mas eu, olhando em volta, vendo amigas e, inclusive, situações pelas quais passei recentemente, acho que a gente vai precisar sempre ter um grupo, um núcleo de afeto que diga ‘está sim acontecendo’. Porque a nossa tendência é falar: ‘será que eu não estou exagerando?’. É um tipo de violência que, ao contrário de um tapa na cara já dado, você olha no espelho e se culpa. É bem difícil de detectar.”
Apesar do cenário muito longe do ideal, a escritora se considera otimista com o futuro e associa isso, além dos livros e visão de vida, com os poemas de Manoel de Barros.
“Eu sou devota de Manoel de Barros. Eu acho que há saída para este lugar em que estamos. Sou irrecuperavelmente otimista; somos capazes, juntos, de fazer muitas coisas boas. Tenho confiança de que vamos mudar esse cenário e esses números brutais.”
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