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Comportamento

Pós-doutor em Direito busca tema improvável e lança livro sobre "periguetes"

Paula Maciulevicius | 04/12/2013 06:23
E escolha do tema foi para fugir do trivial em Antropologia e estudar o que ele defende como conceito positivo. (Fotos: João Garrigó)
E escolha do tema foi para fugir do trivial em Antropologia e estudar o que ele defende como conceito positivo. (Fotos: João Garrigó)

Pós-doutor em Teoria do Direito, doutor em Civil Comparado, mestre em Filosofia do Direito e do Estado e por aí vai... Com um currículo invejável destes, o professor de Antropologia Cultural da UFMS, Wilson José Gonçalves, resolveu estudar um assunto bem popular, defende que periguete é um conceito positivo e traça em livro, o arquétipo dessas mulheres.

Ele diz ter paixão pelo assunto e que o livro “Periguete – arquétipo feminino” é só o primeiro. Baseado em Carl Gustav Jung, Gonçalves trabalha a semiologia como base para a defesa das periguetes. A escolha por um tema deste desperta curiosidade, mas ele explica que, designado para ser professor de Antropologia Cultural na UFMS, só quis fugir do trivial.

“Não gostaria de trabalhar índio e nem negro”, explica sobre os temas mais comuns em Mato Grosso do Sul. Em 2012, no livro lançado de Antropologia, colocou as periguetes em um anexo. Era o pontapé que faltava para focar no assunto depois de tamanha crítica, negativa, claro. “Periguete gera esse tabu, de que é proibido. A reação das pessoas quando eu falo é de risada, acham que é piada e já relacionam a adjetivos pejorativos, mas não vê a origem e o conceito disso”, ressalta.

O tema, assim como essas mulheres, não tem meio termo. Ou se ama ou se odeia. Para a pesquisa, a metodologia determina que se tem dois caminhos, o campo ou a bibliografia. A surpresa foi que não havia nenhum livro ou referência teórica sobre as periguetes. A solução para escrever foi encontrada na internet, de abril de 2012 a abril de 2013, Gonçalves coletou material de 1,8 mil blogs relacionados ao assunto, além de reportagens, filmes e música.

Dos blogs, teve mais do que esperava, tinha em mãos uma amostragem do pensamento dos internautas de todo País pelos comentários, em relação ao que é a periguete na opinião do povo.

O termo apareceu pela primeira vez, segundo o pós-doutor entre o final da década de 90 e início dos anos 2000. No dicionário, a palavra foi surgir em 2011, no Aurélio, com a grafia ‘periguete’, diferente do que pregam as músicas, ‘piriguete’. A variação na escrita também foi contabilizada, no Google são 783 mil ocorrências pelo que a língua portuguesa considerada correta, contra mais de 1,7 milhão de ‘piriguetes’. “Então faz parte da cultura, está no vocabulário, na literatura, na música, no filme e na roupa. É oficial e existe”, a frase é a justifica de o porquê estudar as periguetes na Antropologia. Elas estão tão presentes no trabalho e nas baladas que é impossível não notar, principalmente porque sempre estão bem à mostra.

Pós-doutor diz que existem 7 características para classificar uma periguete. Nenhuma física.
Pós-doutor diz que existem 7 características para classificar uma periguete. Nenhuma física.

Ele conta que é começar a falar que sente a perifobia, a violência inominada, o preconceito que existe e que através do livro, propôs a quebrar. Na defesa da origem da palavra, Gonçalves parte do pecado que a gente comete em não estudar a semiologia. O significado claro dos prefixos e sufixos que compõem as palavras. “Periguete: perigo + ET, significa pequeno perigo. No inglês, seria petty + girl = pequena garota. No popular, é a perigosa que quer roubar namorado”, classifica. Nas demais categorias, periguete faz alusão às vedetes que mais tarde se transformariam nas chacretes, boletes e hoje panicats.

Como referência entra também Clodovil no ditado conhecido: “gente desse naipe, tão perigosa e inteligente não pode morrer”, parafraseia. “Esse bordão sempre se referia a um conceito de poderosa ou que tinha influência”, explica o pós-doutor. Mas o que ele mais gosta vem da Gretchen, no hit “Melô do Piripiri”. “Não tem em nenhum momento o caráter pejorativo, ele foi adquirido no processo”, argumenta.

Gonçalves sustenta que foi nos anos 2000, com as primeiras músicas do tema que o pejorativo ganhou força. “A origem não tem, mas na música surge. Aproxima a ideia de prostituta, o que é um absurdo, pois ela não é”. Em 2006, ele destaca a música Piriguete, do MC Papo, que tomou à frente ao dizer que ela “não é amante, não é prostituta, ela é fiel, ela é substituta”. Para o professor, é a visão mais decente da figura até as declarações públicas de Ivete Sangalo no palco, de que ali estava a ‘periguete’ Sangalo e da tatuagem da Madonna, também exposta em uma apresentação.

“Quando elas declaram, o conceito muda radicalmente, a visão passa a ser outra. As novelas passaram a revelar e a discutir isso em cena, a figura da periguete”, diz. Figura esta que ele considera uma coisa boa. “Se não fosse uma mulher como a Ivete e a Madonna iam declarar?”, questiona.

No livro, Wilson elenca que além das personagens acima, as periguetes existem desde os tempos bíblicos, um exemplo é Salomé que consegue a cabeça de João Batista usando a sensualidade da dança. “Cleópatra, é interessante como ela conduziu seu reinado. Xica da Silva, a escrava, provocava a sociedade com roupas das brancas, Leila Diniz é uma periguete histórica, que falava o que queria. Elas eram autosuficientes, Salomé era alguém que sabia dançar é este o espírito. Isso que me interessa, o arquétipo, o imaginário”, fala.

Entendedor de periguetes, o pós-doutor diz que não basta querer virar uma para levar o título e que roupa não é definição. “Eu vou ser periguete. Não é assim. Roupa não faz e sim o conjunto de espírito. Um homem ao colocar um vestido não se torna uma mulher, ajuda, mas não torna”, exemplifica.

A conclusão que ele chega é de que existem sete características para uma mulher ser classificada como periguete. No entanto, nenhuma delas é física. “A periguete é simpática; segura; tem desenvoltura provocativa e sensual; é presa à liberdade; não dispensa um desafio; é objetiva e de personalidade forte”.

Do outro lado, ele fala que a mulher que vê perigo nas periguetes é a insegurança falando mais alto. “Aqui começa um sentido de maldade, eu não consigo, eu falo mal. Porque ela é perigosa? Porque ela revela que a mulher não tem segurança de garantir o seu homem”.

Admire, goste, ame ou odeie. Segundo Wilson, o fato é que periguete ou não, somos todos iguais. Acabar com o preconceito foi o que ele buscou fazer nos livros. Periguete foi o tema que surgiu como poderia ter sido o Funk, por exemplo. “Ser periguete é ser liberal, alto astral, é assumir o próprio jeito, sem preconceito. Não é apenas um corpo, são olhos da alma feminina se revelando saindo da sombra para ganhar luz”, finaliza.

Às periguetes ou não, o livro pode ser comprado por R$ 20, na banca de revistas da avenida Afonso Pena, esquina com a 13 de Maio.

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