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Depois de quase perder a filha celíaca, Elda mudou de vida e de profissão

Nutricionista referência no assunto hoje em Mato Grosso do Sul, Elda diz que aprendeu aos trancos e barrancos sobre a doença

Thaís Pimenta | 29/03/2018 08:18
Elda largou a biologia para estudar nutrição por conta de sua primeira filha, Louise. Sua vida mudou completamente, e ela considera que pra melhor. (Foto: Roberto Higa)
Elda largou a biologia para estudar nutrição por conta de sua primeira filha, Louise. Sua vida mudou completamente, e ela considera que pra melhor. (Foto: Roberto Higa)

No aniversário de um ano da primeira e esperada filha, Louise Galvão de Ávila, a mãe Elda Ávila viu sua vida mudar de cabeça pra baixo quando recebeu o suado diagnóstico, aos trancos e barrancos, que a menina possuía doença celíaca, aquela que garante intolerância ao glúten, presente em massas, pães, bolachas e até em produtos de beleza. Nesse momento, ela viveu o luto de ver sua pequena filha perfeita morrer. ''A gente recebe uma sentença de morte do nosso filho quando o médico diz ele tem uma doença que não tem cura''.

Hoje, a filha tem 19 anos, e por conta de Louise, Elda voltou a estudar e mudou mais uma vez sua vida, completamente. Abriu mão da estabilidade da Biologia e foi para a sala de aula estudar nutrição. Atualmente a mãe é referência no assunto em Mato Grosso do Sul, Presidente da Associação dos Celíacos de Mato Grosso do Sul, atende crianças e adultos com doenças inflamatórias do intestino em seu consultório e tem a Estância Alegria, local onde serve apenas comidas sem glúten. Mas essa história completa você confere no Voz da Experiência da Nutricionista Clínica, Elda Ávila:

''Louise nasceu no dia 18 de dezembro de 1998, era um bebê muito esperado, que nasceu seis anos depois de eu ter me casado. A gravidez foi perfeita, sem complicações. Ela não conseguiu mamar muito, foi mais no primeiro mês e por conta disso eu fiz o processo que toda mãe faz. Com o tempo fui dando mamadeira, introduzindo a comida com sopinhas e, por consequência, com macarrõezinhos. No aniversário de um ano dela foi onde desencadeou a primeira crise dela. Lá tinha salgadinhos diversos como em qualquer festa de aniversário.

Ali mesmo, na festa, ela apresentou uma distensão abdominal extrema, a barriga dela chegava a ter quatro vezes o tamanho normal daquele bebê que pesava 11 quilos até então.

Saindo da festa, as diarreias começaram. Louise chegava a ter 15 episódios de diarreia intensa em um dia. Levei ao médico e ela foi internada em seguida a sua festinha. Porém, nenhum médico entendia o que estava acontecendo com ela. Falavam pra mim que era dente, verme, 'n' diagnósticos imprecisos. Nesse período de um mês minha pequena foi para 5 quilos, passou por três pediatras e 3 gastroenterologias.

Elda e Louise depois do tratamento, quando ela já tinha 2 aninhos e 6 meses.  (foto: Acervo Pessoal)
Elda e Louise depois do tratamento, quando ela já tinha 2 aninhos e 6 meses. (foto: Acervo Pessoal)

Um desses profissionais me indicou que eu tomasse um voo até São Paulo para levar Louise ao maior centro de pediatria do Brasil para descobrir o que se passava com ela. E ele me sugeriu que eu a levasse no consultório de amiga dele que tinha acabado de voltar do mestrado, uma pediatra especialista em gastro, a Eduarda Tebet, e foi o que fiz.

Aquele bebê só chorava, esperneava. Quando não tinha mais forças dormia de cansaço. Ela parou de andar e de comer, dentre milhares de coisas.

Chegando na médica, ela nem examinou a Louise direito e me disse que ela apresentava o quadro clássico de doença celíaca. Naquele momento tudo se clareou para mim, quando descobri o que se passava com ela. Porém na época nada era dito sobre essa doença autoimune então perguntei para a pediatra o que era, ela me explicou com cuidado.

E eu a questionei então sobre qual tratamento, qual remédio eu precisaria dar a minha Louise. Eduarda disse que nada mais poderia ser feito, que o meu bebê tinha no máximo, mais 24 horas de vida e que se Louise morresse ela não seria responsabilizada. Ela apresentava um quadro de desidratação latente, preocupante. Eu fiquei louca e disse a ela assim: 'doutora, se chegar na 25 hora e minha filha morrer eu vou sofrer muito porém vou ficar tranquila de saber que ao menos fiz alguma coisa por ela. Se por preciso em planto bananeira no dedinho do pé mas faz alguma coisa'.

Eduarda disse que faria uma tentativa para ajudar a Louise. Nos mandou ir direto para a CTI. Chegando lá, o hospital estava lotado de crianças e ela disse que se minha filha entrasse lá não voltaria. Então fomos para a clínica dela, todo esse trajeto com aquele bebê frágil em minhas mãos. Lá entramos em uma salinha e eu rezava pra Deus me mostrar que com minha filha o caso não era tão grave assim. Vi dois casos graves de meninas com doenças perigosas, como a microcefalia, e dizia pra mim assim: 'enquanto com a minha for só diarreia tá tudo bem'.

A pediatra me mandou sair da sala em que estávamos porque o processo que ela faria seria traumatizante para nós duas, eu e Louise. Ela colocou uma sonda a seco, sem anestesia, nela. Pela sonda, ela fez a biópsia, pois só por meio dela a confirmação da doença é feita, ela ia introduzindo contraste até termos o resultado.

Eduarda me indicou dar um composto da Nestlé a Louise, de 3 em 3 horas, apenas 30 gramas. Imagine só, para uma mãe, dar menos de uma xícara de café de composto para minha filha faminta.

Esse composto era importado e só tinham 12 potes dele em toda a Campo Grande. Eu liguei para a Nestlé, pedi para eles me indicarem onde encontrava e fui das Moreninhas até o Aeroporto, batendo de farmacia em farmácia para comprar. Sei que encontrei os  12.

Foram 65 dias desse processo. Louise foi voltar a andar aos 2 anos, os dentes foram nascer só com 5 aninhos porque ela perdeu todo o desenvolvimento dela. Quando voltou a comer teve de aprender a mastigar, deglutir, engolir, tudo de novo.

Eu ia em diversas nutricionistas e notei que, mais uma vez, nenhuma sabia da doença. Me disseram que em São Paulo tinha uma loja de produtos para celíacos e lá fomos nós atrás. Na Santa Luzia em me lembro de comprar um macarrão de milho a mais de R$ 20, o que para aquela época era uma fortuna. Em São Paulo também fui a uma Associação de Pais de Celíacos, que descobri que existia. Me indicaram que em MS existiam cerca de 12 pessoas com a doença, cadastrados ali com eles.

Louise com sete meses já apresentava distenção abdominal. (foto: Acervo Pessoal)
Louise com sete meses já apresentava distenção abdominal. (foto: Acervo Pessoal)
Louise aos 19 anos. (foto: Acervo Pessoal)
Louise aos 19 anos. (foto: Acervo Pessoal)

Voltando para Campo Grande me matriculei como portadora de diploma para cursar Nutrição já que ninguém sabia o que é que minha filha podia realmente comer. Tinha apenas uma vaga e 13 candidatos além de mim e por análise do histórico quem levou a vaga fui eu. Na faculdade mais uma decepção, quase não se falava da doença e eu tive que ir atrás de conhecimento.

Em 2006 eu fundei aqui a Associação dos Celíacos do Estado, me especializei na faculdade, em uma pós e em um mestrado em Alergias, Intolerâncias e Doenças Inflamatórias Intestinais. Aqui em casa não entra nada com glúten e nem na minha Estância, a Alegria, onde sirvo só comida sem o composto.

Hoje, aos 47 anos, tenho certeza que por meio da Louise e da minha segunda filha, que também tem a doença, a Marjorie, Deus escreveu a minha missão. Eu também descobri a doença aso 40 anos, com um quadro totalmente diferente das minhas filhas.

Brinco até que Deus fala comigo por um código. Sempre que as mães me ligam desesperadas elas me dizem: 'me disseram que só você pode me ajudar'. E eu ajudo a onde for e se for preciso não cobro por isso. Sei que é uma missão porque naquela época se eu e meu marido não tivéssemos tido dinheiro e Deus no coração a nosso filha não estaria aqui pra contarmos essa história.

A rede pública de saúde só permite que a biópsia seja feita a partir das 12 anos, ou seja, se até lá a criança não morrer, a gente descobre o que está havendo com ela. Estamos lutando com o governo há anos para mudar esse quadro. Por isso tenho obrigação moral de cuidar dessas pessoas''.

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Louise, Marjorie e Elda descobriram que as três possuem a doença e que ela é hereditária. (foto: Acervo Pessoal)
Louise, Marjorie e Elda descobriram que as três possuem a doença e que ela é hereditária. (foto: Acervo Pessoal)
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