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Sabor

Aos 35 anos, Mato Grosso do Sul tem história contada em sabores

Aline dos Santos | 11/10/2012 07:10
Filha de boliviano, Alcenir vende e aprecia o tereré. (Foto: Minamar Júnior)
Filha de boliviano, Alcenir vende e aprecia o tereré. (Foto: Minamar Júnior)

Pegar o ônibus ou adiar a volta ao lar para comprar chipa? Como bom sul-mato-grossense, Deorenir Gomes de Arruda, de 68 anos, não pensou duas vezes. Deixou o ponto de ônibus na rua 13 de Maio e caminhou até a esquina com a 15 de Novembro para comprar o salgado de origem paraguaia que caiu no gosto local.

“Minha esposa comprou aqui esses dias e disse que era bom. Então, vim conferir”, conta o aposentado de 68 anos, que com dois salgados devidamente embalados para a viagem, voltou ao ponto de ônibus. Agora sim, pronto para retornar ao bairro Coopatrabalho.

Mato Grosso do Sul pode ter a história contada em sabores. Um cardápio com chipa, tereré, saltenha, sobá revela muito das raízes do Estado que chega aos 35 anos. “Uma possibilidade contar nossa história é pela nossa mesa. O que comemos e como comemos. A erva-mate é um componente indígena”, exemplifica o professor de História da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), Neimar Machado de Sousa.

O apreço pelo ingrediente vital do chimarrão e tereré pode ser medido pelos quilos e quilos do produto que são vendidos semanalmente nas bandas do Mercadão de Campo Grande. A paixão ganha novos sabores. Tem erva-mate com sabor de tuti-fruti, menta, uva, abacaxi com hortelã. Marta Castelo, de 62 anos, vai às compras toda semana. “Hoje, to levando um quilo. Mas compro até cinco, seis. Depende de quando chega mais gente em casa”, afirma.

No Mato Grosso do Sul é assim, visita é recebida com tereré. A cortesia faz a fama da bebida chegar a outros Estados. A vendedora Maria Cirene Teixeira, de 36 anos, conta que os visitantes conhecem a bebida e aproveitam o passeio no Mercadão para comprar e levar a erva para a casa. “Muitos gostam e voltam para comprar”, diz. Por semana, a banca vende 50 quilos de erva-mate.

Manita mostra caju que vem direto da aldeia. (Foto: Minamar Júnior)
Manita mostra caju que vem direto da aldeia. (Foto: Minamar Júnior)

A identificação com o tereré é tão forte que no ano passado a bebida alcançou o status de patrimônio histórico e cultural de Mato Grosso do Sul. A erva-mate é carro-chefe nas vendas de Jaime Nigreti, de 72 anos, dono de quatro bancas. Boliviano nascido em Cochabamba, Jaime deixou o lado de lá da fronteira para fugir das dificuldades. “O país estava pobrinho”.

Aqui, vieram os sete filhos. Um dele é Alcenir Souza Negreti, que além de vender, é uma das apreciadoras do tereré. “Com todo esse calor, é impossível não tomar”, afirma. Na banca, os preços são variados, com bombas de R$ 3 a R$ 50, assim como a decoração. Enquanto não é vendida, uma cabeça de boi, que oculta um garrafão de cinco litros, reforça o clima rural.

Ao lado do Mercadão, um Mato Grosso do Sul que vem da aldeia garante aromas e coloridos de caju, tamarindos e mangas. Frutas, milho, feijão e guariroba são cultivados por índios em Aquidauana e trazidos diariamente para a Capital. Manita Mota, de 40 anos, aponta o milho e feijão como campeões de vendas. A temporada de caju também garante lucros. “Tem gente que leva mais de 20 dúzias de uma vez só”.

O Estado na fronteira em que o Brasil foi Paraguai se mostra na chipa. Padeiro há quatro décadas, Deusdete Costa, de 61 anos, percebeu o sucesso do salgado. Hoje, vende na  rua 150 chipas por dia. Numa entrevista entrecortada por clientes - que logo paravam os passos, perguntavam o preço e compravam chipa – ele explica que aprendeu em Mato Grosso do Sul a receita que garante o sustento. “Vim de São Paulo, lá não tinha isso, vim aprender aqui”, conta.

Paulista, Deusdete aprendeu em MS os segredos da chipa. Deorenir compra o salgado antes de ir para a casa. (Foto: Minamar Júnior)
Paulista, Deusdete aprendeu em MS os segredos da chipa. Deorenir compra o salgado antes de ir para a casa. (Foto: Minamar Júnior)

Uma terra de fronteira – Os alimentos campeões da preferência regional mostram que o sul-mato-grossense é fruto da fronteira e forasteiros, formado pelas influências do Paraguai, Bolívia, paulistas, paraenses, japoneses. Até mesmo o vizinho Mato Grosso, que quando citado erroneamente em terras locais, ganha o sonoro complemento do Sul, deixou suas marcas.  Como o chamamé e a viola de cocho.

O professor Neimar de Sousa analisa que o componente político, que levou à divisão do território de Mato Grosso há 35 anos atrás, nos influencia até os tempos atuais. “O Mato Grosso uno foi retratado como época de opressão. E hoje nos ofendemos quando falam Mato Grosso em vez de Mato Grosso do Sul”, afirma.

Na divisão, Mato Grosso ficou com 38 municípios e 900 mil habitantes; já o do Sul herdou 55 cidades e mais de um milhão de habitantes. 

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