ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram Campo Grande News no TikTok Campo Grande News no Youtube
SETEMBRO, QUARTA  17    CAMPO GRANDE 29º

Política

PEC avaliza impunidade e abre Congresso para o crime, diz procurador

Texto amordaça Judiciário e interrompe investigações em curso sobre o escândalo das emendas parlamentares

Por Vasconcelo Quadros, de Brasília | 17/09/2025 11:07
PEC avaliza impunidade e abre Congresso para o crime, diz procurador
Mesa diretora durante votação na madrugada na Câmara dos Deputados (Foto> Reprodução)

Aprovada na Câmara dos Deputados por confortável maioria, caso passe pelo Senado, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Blindagem consolidará a impunidade no ordenamento jurídico e abrirá literalmente as portas do Congresso Nacional para abrigar criminosos de toda espécie.

RESUMO

Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!

Procurador critica PEC da Blindagem, aprovada na Câmara, que dificulta investigação de parlamentares. A proposta exige autorização prévia do Congresso para que o STF processe deputados e senadores, criando um filtro político sobre investigações judiciais. Roberto Levianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, afirma que a PEC consolida a impunidade e pode paralisar inquéritos sobre corrupção e desvio de verbas. A PEC transfere poder de controle da Justiça para os próprios investigados, dificultando a responsabilização criminal. Levianu alerta para o risco de o crime organizado se infiltrar no Congresso, atraído pela possibilidade de impunidade. A aprovação da PEC ocorre em momento crucial, com inquéritos da PF investigando suspeitas de corrupção envolvendo emendas parlamentares.

Se não for barrada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por ofender o princípio da independência dos Poderes — cláusula pétrea cravada na Constituição —, a proposta será um dos maiores retrocessos morais, mas em linha com o pior Parlamento da história republicana, com chancela do Centrão e tudo, apoiada por 12 deputados do PT e diante da contemplativa cara de paisagem do governo Lula 3.

O procurador de Justiça paulista Roberto Levianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC), disse ao Campo Grande News que a aprovação foi um ato de legislar em causa própria e explicou o que o texto significa na prática: “Se um deputado federal é suspeito de assassinar cem pessoas, os crimes somente poderão ser apurados se a Câmara o permitir. Se um senador é suspeito de estuprar duzentas mulheres, os delitos poderão ficar impunes se o Senado não autorizar a responsabilização e, obviamente, vale a mesma regra para os casos graves de corrupção”.

Não é por acaso que a PEC foi aprovada em um momento crucial para o próprio Congresso, que vê seu poder de controle sobre o orçamento via emendas parlamentares ameaçado por 70 inquéritos abertos pela Polícia Federal e teria de explicar nos próximos dias as sérias suspeitas de corrupção em um montante de quase R$ 700 milhões, no qual foram detectadas irregularidades em série pela Controladoria-Geral da União. “O objetivo é frear investigações dessa natureza, blindando deputados e senadores”, apontou Levianu.

Se for confirmado pelo Senado, o texto da nova lei passará a exigir autorização prévia da Câmara ou do Senado para que o STF (Supremo Tribunal Federal) possa abrir processos criminais contra deputados e senadores. Na prática, isso cria um filtro político sobre investigações judiciais, podendo paralisar inquéritos sobre corrupção, desvio de emendas parlamentares e até casos de improbidade administrativa.

A PEC transfere parte do poder de controle da Justiça para os próprios investigados, institucionalizando a impunidade e dificultando a responsabilização criminal de parlamentares.

PEC avaliza impunidade e abre Congresso para o crime, diz procurador
Procurador de Justiça Roberto Levianu (Foto: Reprodução)

Atrativo ao PCC

A decisão de colocar o tema em pauta mostrou também a que veio o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), escolhido a dedo por seu antecessor, Arthur Lira (PP-AL), para defender os interesses do grupo que domina o Congresso.

O péssimo sinal não agrada apenas aos chamados criminosos do colarinho branco: num país em que o crime organizado, representado pelas duas principais facções, o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho), avança graças à infiltração no aparelho estatal facilitada pela negligência ou conivência de governos, o Congresso — como se vê em muitas Câmaras Municipais e em Assembleias Legislativas — passou a ser um endereço atrativo.

Se a lei estivesse em vigor, por exemplo, o deputado carioca Thiego Raimundo dos Santos Silva, o TH Joias, dono de uma loja em Campo Grande, preso no mês passado por suspeitas de envolvimento com tráfico, lavagem e contrabando de armas para o Comando Vermelho, não teria sido incomodado. Ou, para ser levado em cana, precisaria que o Congresso avaliasse, num prazo de 90 dias, o pedido do STF. Só em casos de crime hediondo e inafiançável, o pedido deveria ser respondido em 24 horas.

O único caso de parlamentar processado com autorização da Câmara antes da lei que dispensou a manifestação do Congresso, em 2001, é o do ex-deputado Jabes Rabelo, de Rondônia. No início dos anos 1990, o próprio Jabes, que as investigações da PF (Polícia Federal) apontaram como envolvido no tráfico, acabou sendo processado por comprar um automóvel de um funcionário e depois revender, numa transação supostamente de lavagem, assim mesmo, sem entrar no mérito de crimes mais graves apontados à época pela PF.

Depois, ele teve o mandato cassado por fornecer uma credencial de assessor parlamentar de seu próprio gabinete ao irmão, Abidiel Rabelo, preso em São Paulo, à época, com uma montanha de 500 quilos de cocaína, uma das maiores apreensões daquele tempo. O histórico dos congressistas não deixa dúvidas de que a proteção irá além do corporativismo. Câmara e Senado mandaram para as calendas um total de 253 pedidos do STF para abrir ação penal, alguns dos quais dormitaram nos arquivos até a morte dos parlamentares-alvo.

A PEC da Blindagem é um convite à impunidade dos atuais deputados e também ao crime organizado, na avaliação do procurador de Justiça, chocado com a ousadia demonstrada na execução do ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Ruy Ferraz, o primeiro a diagnosticar a trajetória de empoderamento do PCC. “O crime organizado está crescendo, expandindo seu poder e peitando o Estado. Está dentro do poder político, infiltrando-se nas organizações. A impunidade é um câncer, é a coisa mais deletéria que existe, porque é disso que se alimenta toda essa corrente e gera na sociedade perda de credibilidade no sistema. E é disso que o crime se nutre. O crime coopta pessoas, se infiltra e se fortalece”, diz Levianu, alertando para os péssimos sinais dados pelos parlamentares.

Para o procurador, o objetivo dos congressistas é construir uma impunidade garantida em lei. Embora considere que os partidos de esquerda e o próprio governo, em sua imensa maioria, tenham rejeitado a matéria, o procurador não sentiu empenho do Palácio do Planalto em combater a vergonhosa PEC (Proposta de Emenda à Constituição). “O governo não emitiu uma sinalização inequívoca em relação a isso. Se olharmos o mapa da votação, a maior parte dos deputados governistas votou contra a PEC, mas não houve uma declaração pública categórica do governo.”