ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, SEXTA  19    CAMPO GRANDE 23º

Reportagens Especiais

Centenária, mesa de jacarandá “marca” grito separatista de fazendeiros por MS

“A criação de MS é resultado da reunião de grandes homens, políticos e produtores rurais”

Aline dos Santos | 11/10/2021 07:10
Documentos com pedidos divisionistas foram assinados em mesa que fica na Acrissul. (Foto: Kísie Ainoã)
Documentos com pedidos divisionistas foram assinados em mesa que fica na Acrissul. (Foto: Kísie Ainoã)

Ricamente adornada, uma centenária mesa de jacarandá, que hoje repousa tranquilamente na sala da presidência da Acrissul (Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul), foi testemunha de dias mais alvoroçados. Era o tempo de discutir a criação de MS, que nasceu há 44 anos, após a divisão do Mato Grosso.

Era na Acrissul que a classe política se encontrava e se reunia. A avaliação é que estava muito desigual. O dinheiro ia para Cuiabá e não voltava em nada para cá. A situação foi se desgastando ao ponto de resolverem fazer um projeto para a divisão do Mato Grosso, o qual foi assinado nessa mesa. A criação de Mato Grosso do Sul foi resultado da reunião de grandes homens, políticos e produtores rurais da parte do Sul”, afirma o presidente da Acrissul, Jonatan Barbosa.

A associação, nascida como “Centro dos Criadores do Sul de Mato Grosso”, comemora aniversário de 90 anos em 2021.

O passado é resgatado no livro “Acrissul – 70 anos de exposições”, da professora e pecuarista Morelli Teixeira Arantes. O movimento divisionista tinha cartaz com o Estado de Mato Grosso cortado ao meio por uma tesoura.

Movimento "Dividir para Multiplicar" mostra tesoura cortando Mato Grosso. (Foto: Kísie Ainoã)
Movimento "Dividir para Multiplicar" mostra tesoura cortando Mato Grosso. (Foto: Kísie Ainoã)

"Em 3 de setembro de 1963, os separatistas reúnem-se na ACRISSUL para criar o Comitê Divisionista de Mato Grosso. São organizadas, na ocasião, algumas comissões de trabalho. Os estudos elaborados por essas comissões serviram de base para que, em 1975, a Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra – ADESG de Campo Grande produzisse um documento atualizado com novos dados, comprovando a necessidade da criação de um novo Estado como condição primordial para o desenvolvimento da região. Esse documento é peça fundamental para que o governo federal decida pela criação de um novo Estado no Sul de Mato Grosso”.

De acordo com o livro, Paulo Machado, historiador e um dos presidentes da Acrissul reativou a Liga Sul-mato-grossense, em apoio à iniciativa da divisão.

Contemporâneo da ditadura, Mato Grosso do Sul nasceu numa terça-feira, 11 de outubro de 1977, pelo decreto do presidente Ernesto Geisel. Mas a nova unidade federativa a se fazer estrela na bandeira do Brasil só ganhou estrutura administrativa a partir de primeiro de janeiro de 1979.

É o boi – A relação entre a influência dos fazendeiros e o poderio econômico não escapou do olhar agudo de Humberto Espíndola. A pintura “Pecus e Pecúnia Discutem a Divisão", 1978, óleo sobre tela, há duas figuras centrais: pecúnia (a deusa do dinheiro) e pecus (o boi).

“Pecus e Pecúnia Discutem a Divisão", 1978 - óleo sobre tela de Humberto Espíndola. (Foto: Reprodução)
“Pecus e Pecúnia Discutem a Divisão", 1978 - óleo sobre tela de Humberto Espíndola. (Foto: Reprodução)

Mestre em história pela UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), Wagner Cordeiro Chagas  traça uma linha do tempo dos ímpetos separatistas do então Sul de Mato Grosso.

“Pelo que pude levantar e ler na pesquisa, o movimento vem desde o final do século 19. Em 1892, surge a ideia de uma república do Mato Grosso, separada do Brasil e pensada por militares de Corumbá”.

Aquela ideia vaga tomou nova forma a partir de 1906, com pequenas revoltas de lideranças políticas do Sul de Mato Grosso. “Mas o movimento se torna organizado mesmo em 1932, quando acontece a Revolução Constitucionalista, de São Paulo contra o presidente Getúlio Vargas”, afirma o professor.

O Norte do Mato Grosso se perfila a favor de Vargas, enquanto um grupo liderado por Vespasiano Barbosa Martins coloca o Sul ao lado de São Paulo. O movimento paulista acabou derrotado.

Mesa de jacarandá é centenária e ricamente adornada. (Foto: Kísie Ainoã)
Mesa de jacarandá é centenária e ricamente adornada. (Foto: Kísie Ainoã)

A ideia separatista volta a ganhar fôlego e, no ano de 1960, teria chegado a Jânio Quadros. Nascido em Campo Grande, mas criado em São Paulo, ele passou por aqui na campanha, antes de ser eleito presidente do Brasil. “Um detalhe é que teria sido apresentado a ele o símbolo do movimento divisionista, o mapa com a tesoura cortando Mato Grosso”. O candidato teria dito que aquela tesoura cortaria seu coração.

Entre momentos de ímpeto e arrefecimento, chegamos a 1975, quando Geisel, um estudioso de redivisão territorial, comunica ao governador de Mato Grosso, José Garcia Neto, sobre a divisão.

“Observei que um dos principais líderes foi o Paulo Coelho Machado, herdeiro de famílias de fazendeiros, gente que chegou em 1850. Pelo que pude analisar nas minhas pesquisas, esse pessoal, do que hoje se chama de agronegócio, teve muita força nesse movimento”, diz Wagner.

Páginas amareladas mostram a bandeira e nomes do primeiro escalão do governo de MS. (Foto: André Bittar)
Páginas amareladas mostram a bandeira e nomes do primeiro escalão do governo de MS. (Foto: André Bittar)

Para o pesquisador, resta a dúvida se a criação de MS, feita de cima para baixo, atendeu a anseio popular ou ao anseio de algumas pessoas.

Da caneta do primeiro governador, o gaúcho Harry Amorim Costa, surgiu um Estado com orçamento de quatro bilhões, setecentos e vinte e cinco milhões, trezentos e quarenta mil cruzeiros (Cr$ 4.725.340.000,00).

O valor consta nas páginas amareladas do Decreto Lei 13, datado de 1º de janeiro de 1979, quando foi publicado o primeiro Diário Oficial de Mato Grosso do Sul. A estrutura era enxuta, num total de oito secretarias.

Nos siga no Google Notícias